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Governo Bolsonaro
Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Com Manaus sem respirar, classe política só encena reação, mas segue nos cálculos de dividendos políticos

Bolsonaro só pensa em seu projeto de poder. Parlamentares, Maia incluído, na eleição do Congresso. Analisar impeachment não está na agenda dos candidatos para a presidência da Câmara

O presidente Jair Bolsonaro no último dia 12, no Palácio do Planalto.
O presidente Jair Bolsonaro no último dia 12, no Palácio do Planalto.Eraldo Peres (AP)
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Diante de uma segunda onda da covid-19 devastando Manaus e ameaçando se espalhar por outras cidades do país, o mundo político de Brasília faz o que sempre soube fazer: olha para si mesmo, intensifica uma campanha eleitoral e segue na sua bolha, afastado do Brasil. Finge que se conecta com a comoção nacional decorrente da falta de oxigênio em hospitais manauara. E, na contramão dos pedidos de impeachment que inundam as redes sociais, segue emitindo notas de repúdio que têm a mesma ação de um placebo. Parece ignorar que o Palácio do Planalto está ocupado pelo negacionista Jair Bolsonaro, que insiste na ineficaz cloroquina, incentiva aglomerações ou é garoto-propaganda de irresponsáveis campanhas antivacinas.

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A oposição não chega a um consenso nem para a eleição do Legislativo. E a pandemia, que já dura 10 meses e acabou com a vida de 208.246 pessoas no Brasil (10,4% dos óbitos do mundo), acaba por beneficiar o presidente, que não vê intensos movimentos nas ruas contra o seu Governo, apenas esporádicos panelaços nas janelas de apartamentos.

O Congresso Nacional está em recesso. Nessas férias, os deputados e senadores têm se dedicado às campanhas eleitorais para eleger quem chefiará a Câmara e o Senado para acompanhar a segunda metade do mandato de Jair Bolsonaro. Seus dois candidatos, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), são os favoritos para vencer. E o Planalto fará de tudo para essa vitória. Já prepara quatro ministérios e centenas de cargos para entregar ao centrão.

Se tiver aliados no comando do Legislativo, a tendência é que o negacionismo do presidente prevaleça e o papel fiscalizador do Congresso siga em um segundo plano. Ou seja, chances reduzidíssimas de um impeachment prosperar, conforme clamou boa parte das redes sociais nas últimas semanas e em especial nesta sexta-feira. Há 60 pedidos esperando análise pelo ainda presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que insiste em dizer que o momento não é o adequado para debater as dezenas de crimes de responsabilidade cometidos pelo inquilino do Palácio do Planalto. Mais um deve ser apresentado na próxima semana.

“Acho que, talvez, no futuro, depois que a pandemia acalmar [possa ser debatido o impeachment]. Neste momento, não acho que deva ser”, disse Maia em entrevista à rádio CBN. Ou seja, essa não será uma decisão sua, já que seu mandato acaba em duas semanas. Os novos presidentes da Câmara e do Senado serão eleitos no dia 2 de fevereiro. Pelo andar da carruagem, a análise dos pedidos seguirá subordinado aos cálculos individuais. Nem deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que concorre ao comando da Câmara com o apoio da oposição, se compromete a por em análise os pedidos de impeachment. A verdade é que Brasília ainda se sente protegida e blindada do cansaço popular. Não sofre com fadiga pandêmica. Enquanto Bolsonaro ainda exibir cerca de um terço de apoio popular, é improvável que os ventos mudem por lá.

Enquanto nenhuma mudança de rumo acontece, os antagonistas dos bolsonaristas, Baleia Rossi e a senadora Simone Tebet (MDB-MS), defendem o retorno dos trabalhos do Congresso. Os apoiados por ele, calaram-se até o momento. Têm demonstrado preocupação maior em buscar votos do que em debater os temas de interesse nacional. A decisão de reconvocar o Parlamento depende do presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também não disse se o fará ou não. Seu interesse, por enquanto, também é o de obter apoio para o seu candidato a sucessor, Pacheco. Aliás, tanto o pedido de convocação dos parlamentares como o silêncio de algumas dessas lideranças fazem parte de um jogo de cena, de clara campanha política.

Do Legislativo também partiu outra sugestão incomum. O líder do MDB, Eduardo Braga (MDB-AM) pediu que Bolsonaro faça uma intervenção federal no Amazonas. Seu argumento principal é o de que a situação desta segunda onda é mais grave do que a da primeira. Agora, os pacientes estão morrendo asfixiados, já que o oxigênio acabou nas UTIs. “Estamos nos aproximando de cenário pior do que aquele observado em meados de maio de 2020, em que as notícias alarmantes sobre a saúde pública do Amazonas eram disseminadas em todo o País”, disse Braga no documento enviado ao Planalto. O que o senador não esclarece é como seria possível confiar que a gestão de um presidente que nega a gravidade da pandemia seria melhor do que a dos governantes locais que deixaram a situação chegar nesse estágio.

Se a visão dos congressistas segue turva, também está a do mercado financeiro, que não cobra responsabilidade do presidente pelas centenas de milhares de mortes por covid-19. Parecem despreocupados com sinais negativos dado pelas indústrias, como o fim da produção da Ford no Brasil, ou com o frustrado projeto de crescimento em V propalado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Parecem que naturalizaram (e talvez concordaram) com a declaração de Bolsonaro de junho de 2017, quando disse que sua especialidade era matar. “Sou capitão do Exército, a minha especialidade é matar, não é curar ninguém.”

Na prática, Bolsonaro está preocupado com o seu projeto de poder, não de país. Diante da negativa do governo da Índia de liberar os 2 milhões de doses de vacina importadas pela Fiocruz, o Ministério da Saúde requisitou ao Instituto Butantan, vinculado ao Governo paulista, a entrega dos 6 milhões de doses da Coronavac adquiridos pela União. O presidente quer receber os créditos por ser o primeiro a vacinar algum brasileiro, ao invés de seu ex-aliado e agora adversário, João Doria (PSDB), o governador de São Paulo.

Nesse caldeirão, em um único dia, o Brasil de Bolsonaro recebeu a ajuda da esquerdista Venezuela, que doou oxigênio a Manaus, e pediu que Doria lhe entregasse a vacina produzida por um laboratório da “comunista” China. Mesmo com os acenos aos demonizados adversários, sua claque segue o aplaudindo. Cada um na sua bolha.

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