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Aumenta a rejeição aos políticos no Chile após três meses de crise social

Popularidade do presidente Sebastián Piñera caiu para os níveis mais baixos durante a democracia: apenas 6% das pessoas aprovam seu Governo

Rocío Montes
Protestos na última sexta-feira em Santiago.
Protestos na última sexta-feira em Santiago.Marcelo Hernandez (Getty Images)

Três meses depois da explosão social de 18 de outubro no Chile, que combinou maciços protestos pacíficos com inéditos níveis de violência, o rechaço ao mundo político bateu recorde e arrasa com todos os setores. A desconfiança em relação às instituições aumentou drasticamente, segundo recente pesquisa do Centro de Estudos Públicos (CEP). Apenas 7% da população confia nas empresas, 6% no Ministério Público, 5% no Governo, 3% no Congresso e 2% nos partidos, tanto da situação como da oposição de esquerda.

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A popularidade do presidente Sebastián Piñera caiu para os níveis mais baixos durante a democracia: apenas 6% das pessoas aprovam a maneira como ele conduz a Administração. A radiografia deste país que mudou representa um grande desafio para as autoridades, pois serão os próprios dirigentes políticos e as instituições que deverão liderar um processo complexo para sair da crise, que contempla um plebiscito sobre uma nova Constituição em abril.

“A população acredita que tudo foi feito de uma forma bastante ruim”, diz a acadêmica Lucía Dammert, da Universidade de Santiago. Sobre a baixa popularidade do presidente Piñera, ela afirma: “É difícil saber se as pessoas estão insatisfeitas com ele por não ter podido controlar a ordem pública ou por ter tentado controlar [os protestos] com muita violência. Alguns dizem que o apoio ao presidente caiu para 6% por causa da repressão, mas ainda não podemos afirmar isso”, adverte a especialista em segurança.

Para Dammert, no entanto, as pesquisas de opinião divulgadas nas últimas semanas (incluindo a do CEP) permitem concluir que “as pessoas têm a impressão de que os Carabineros [polícia militarizada] não esteve à altura do problema”. E prossegue: “A sensação que fica depois desses três meses é que os Carabineros, se não têm gás lacrimogêneo, água com produtos químicos ou projéteis, não têm um plano alternativo, o que confirma a necessidade de uma profunda reforma do sistema de segurança".

Os incidentes de violência diminuíram no decorrer dos últimos três meses. Segundo as cifras oficiais, houve uma queda considerável dos eventos considerados graves. Após atingir 350 por dia no início da crise (como ocorreu em 20 de outubro), esses incidentes caíram para 10 em todo o país (em 10 de janeiro). Mas não há um só dia sem novos detidos. Desde o início das manifestações, 22.747 pessoas foram presas, 1.096 delas em 2020. Do total, 1.615 tiveram prisão preventiva decretada. Por outro lado, as autoridades registram diariamente agentes feridos: 3.821 em todo o país desde 18 de outubro, dos quais 326 neste ano. Nesses três meses houve cerca de 350 ataques a quartéis dos Carabineros, sobretudo na capital. No município de Renca, situado numa região humilde de Santiago, uma mesma delegacia de polícia foi atacada 20 vezes. Enquanto isso, o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) contabilizou 3.649 civis feridos —405 nos olhos— e apresentou 1.080 ações judiciais nos tribunais, cinco por homicídio.

A desordem pública, porém, não chega aos níveis de outubro e novembro. Para Dammert, um dos fatores que influem na redução dos protestos “é o clima econômico, que está atingindo as pessoas.” “Você vai a um cartório, e está cheio de trabalhadores assinando acordos de demissão. O aumento do comércio ambulante deixa países como o Peru como paraísos legais em comparação com o que acontece no Chile”, diz ela.

As turbulências políticas e sociais também afetaram a economia chilena. Rodrigo Vergara, ex-presidente do Banco Central, explica que o efeito da explosão social “foi significativo no âmbito da economia real”. E exemplifica: “Antes de18 de outubro, esperava-se que a economia cresceria no quarto trimestre em torno de 3%. Mas esse crescimento estará entre -2% e -2,5%, ou seja, terá uma queda importante.” O economista diz que a previsão era que o Chile cresceria cerca de 2,5% em 2019, mas, após os protestos, “o crescimento esperado gira em torno de 1% ou um pouco mais de 1%. Isto é, os últimos dois meses e meio do ano significaram uma queda no crescimento total de 2019 de cerca de um ponto e meio”. Vergara informa que todos os componentes da economia estão caindo, em especial o investimento. Entre os setores mais afetados, ele cita o comércio, o turismo e os serviços.

O ex-presidente do Banco Central também afirma que, com o menor crescimento e as maiores demandas sociais —muitas delas acolhidas—, o Chile terá maior déficit fiscal em 2020. “Já se aprovou uma reforma tributária para financiar parte disso, e provavelmente sejam necessários novos esforços em matéria tributária para financiar os maiores gastos permanentes e reduzir o maior déficit fiscal”, diz.

Mas o economista aponta outro aspecto: os efeitos da explosão social nos ativos financeiros do Chile foram bem mais moderados do que se esperava. “É certo que tivemos uma depreciação da moeda de cerca de 7%, mas ela não foi descontrolada. As taxas de juros, por outro lado, mantiveram-se em níveis similares que os de antes da crise.” Vergara acrescenta que o risco-país aumentou relativamente pouco “dada a revolta social ocorrida”: situa-se menos de 15 pontos-base acima do que estava antes de 18 de outubro (estava em 31 e agora gira em torno de 45).

“Continuamos sendo o país da América Latina com o melhor acesso aos mercados internacionais”, diz o economista. “A visão que se tem do Chile lá fora se manteve relativamente positiva, mas obviamente dependerá do que acontecer daqui em diante”.

Vergara se refere à evolução dos protestos e, sobretudo, da violência. As autoridades terão uma prova de fogo em 27 e 28 de janeiro, quando as universidades repetirão o exame de seleção para quem não pôde fazê-lo por causa da sabotagem de grupos estudantis no início do ano. Janeiro e fevereiro são os meses de férias de verão no Chile, mas em março a mobilização poderia ser reativada: começa o ano letivo para os alunos de colégios e universidades, celebra-se o Dia Internacional da Mulher —que este ano promete ser especialmente ativo— e o Governo chega à metade do mandato (no dia 11). Em março também começarão legalmente as respectivas campanhas para o plebiscito de 26 de abril, quando os cidadãos decidirão se aprovam ou não a mudança da Constituição vigente desde a ditadura de Augusto Pinochet. Se isso ocorrer, deverá ser decidida a forma que assumirá a “convenção” encarregada de redigir a nova Carta.

O Chile vive um ambiente crispado, tanto na esfera pública como privada. Dirigentes políticos de diferentes setores e personalidades têm sido vítimas das chamadas funas —manifestações maciças contra uma pessoa em particular, nas ruas e nas redes sociais. Um de cada três cidadãos afirma que a explosão social provocou tensões nas famílias, segundo a pesquisa do CEP. Nesses três meses, inclusive o Parlamento foi palco de cenas que refletem a intolerância e a polarização da sociedade chilena.

67% dos chilenos apoiam uma nova Constituição

R.M.

A maioria da população do Chile (67%) aprova a ideia de modificar a Constituição vigente desde 1980, segundo a recente pesquisa do Centro de Estudos Públicos (CEP). “O processo constituinte está em marcha e não vai parar. O acordo político para abrir o debate constitucional descomprimiu e atenuou o mal-estar social”, afirma Tomás Jordán, o advogado que coordenou o processo constituinte do segundo governo de Michelle Bachelet (2014-2018). Em 27 de dezembro, o presidente Piñera assinou o decreto supremo que convoca um plebiscito para 26 de abril, quando a população, além de se pronunciar sobre a ideia de aprovar ou rechaçar a nova Carta, decidirá sobre o mecanismo para substituí-la. As opções são duas: uma “convenção constitucional” formada por membros completamente novos – como uma assembleia constituinte – ou uma “convenção constitucional mista”, integrada em partes iguais por delegados e parlamentares. Segundo a pesquisa do CEP, 44% dos entrevistados optaria pela primeira opção e 37% pela segunda. Para Jodán, ambas as posturas “tendem ao empate, mas as duas são 100% legítimas”.

Se vencer a opção dos que aprovam uma nova Constituição, em outubro serão eleitos os integrantes da convenção. “No plebiscito de abril, e em todo 2020, começaremos a visualizar no Chile os tipos de Constituição em jogo. E o foco da disputa política será nos direitos fundamentais e suas garantias”, diz o advogado.

A pesquisa do CEP indica que 55% dos cidadãos apoiam os protestos sociais iniciados em outubro, mas 78% acreditam que os políticos deveriam colocar os acordos acima de suas próprias posições para encontrar uma saída à crise. Por outro lado, 64% preferem a democracia a qualquer outra forma de governo, uma posição que aumentou 12% em relação à última medição da pesquisa. Ainda segundo o estudo, as principais razões que explicam a manifestação pacífica são a alta desigualdade de renda, as baixas aposentadorias, o alto custo de vida e a baixa qualidade da educação e da saúde públicas.

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