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Ex-chefe do Exército da Colômbia ordenou escutas ilegais de políticos, juízes e jornalistas

Revista 'Semana' revela que a saída do general Nicacio Martínez das Forças Armadas ocorreu quando a espionagem foi descoberta

Catalina Oquendo
O ex-chefe do Exército colombiano, Nicacio Martínez Espinel, em 20 de maio de 2019 durante um pronunciamento.
O ex-chefe do Exército colombiano, Nicacio Martínez Espinel, em 20 de maio de 2019 durante um pronunciamento.LUISA GONZALEZ (REUTERS)
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Em 27 de dezembro de 2019, em uma surpreendente entrevista coletiva, o presidente Iván Duque anunciou a saída do chefe do Exército, general Nicacio Martínez. O mandatário afirmou que o militar se retirava por razões familiares e expressou “sua admiração e reconhecimento por seu trabalho”. De acordo com denúncias publicadas pela revista Semana, entretanto, a saída do questionado general ocorreu na verdade por um novo escândalo de espionagem ilegal, ordenado e realizado em instalações militares. As escutas ilegais, de acordo com a investigação da revista, foram feitas em magistrados, congressistas de oposição e jornalistas. Mas também em oficiais que durante o ano passado forneceram informação a diversos veículos da imprensa sobre práticas e fatos de corrupção dentro do Exército.

De acordo com a reportagem, as escutas teriam sido feitas a partir de “duas guarnições militares como uma forma de blindá-las e evitar uma batida surpresa da Justiça e a investigação da imprensa”. Segundo um dos suboficiais responsáveis por essas intervenções e que falou sob anonimato, recebiam ordens “que vinham diretamente do comando sem nenhum tipo de requerimento e documentos”, mas “pela missão e os alvos estes estavam orientados a questões estritamente políticas, longe de nossa alçada e nas quais não deveríamos nos envolver”.

Entre os interceptados estariam a magistrada da Suprema Corte da Justiça Cristina Lombana, o senador Roy Barreras, do partido do ex-presidente Juan Manuel Santos e o ex-governador do Estado de Nariño Camilo Romero. Durante 2019, vários magistrados denunciaram que acreditavam que suas conversas estavam sendo espionadas. Barreras, por sua vez, foi quem tornou público um bombardeio contra dissidências das FARC em novembro, quando morreram sete menores de 12 a 17 anos. Romero foi um crítico feroz do retorno das aspersões com glifosato. No caso da magistrada, uma das fontes da reportagem afirma que a informação que obtinham deveria ser entregue a um “conhecido político” do Centro Democrático, o partido do Governo.

A prática de espionagem ilegal é conhecida na Colômbia como ‘chuzadas’ (picadas, em português) e é um tenebroso capítulo da história recente do país em que foram perseguidos políticos de oposição, jornalistas e magistrados das altas cortes por parte da extinta polícia secreta durante o Governo de Álvaro Uribe. Por isso, as denúncias sobre seu retorno e feita pelas instâncias militares causam ressentimento no país. “Iremos à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) porque voltou a prática ilegal paraestatal de perseguição política, física e jurídica contra defensores da paz, opositores, jornalistas independentes, magistrados, sob uma ‘ideologia do inimigo’ em que o é todo aquele que pensa diferente”, disse Barreras, uma das vítimas da espionagem ilegal denunciada neste sábado.

De acordo com a revista, os militares utilizavam duas ferramentas para sua espionagem. De um lado, uma plataforma chamada Homem Invisível, que foi comprada de uma empresa espanhola, com a qual podiam acessar conversas do WhatsApp e Telegram Web, e fotos e conversas apagadas em celulares e computadores sem deixar rastro. De outro usavam equipamentos táticos móveis que ficavam dentro de carros.

A reportagem afirma, além disso, que foi o recém-nomeado ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo, que “ligou os alarmes e ordenou uma investigação interna poucos dias antes do Natal”. E que órgãos de inteligência dos Estados Unidos teriam detectado que militares colombianos estavam fazendo uso ilegal de equipamentos técnicos doados por esse país. Holmes não se pronunciou sobre as denúncias, mas já chovem críticas e exigências de responsabilidade política. “O país precisa saber se o presidente Duque tinha conhecimento dessa informação quando demitiu como um herói e com elogios o à época comandante do Exército, general Nicacio Martínez”, disse o senador do Aliança Verde, Antonio Sanguino.

Durante uma visita a comunidade de Bojayá, onde foi denunciada a ligação entre paramilitares e membros do Exército, Duque disse que “há tolerância zero com qualquer conduta de qualquer membro da Força Pública que atente contra a Constituição”, ainda que tenha afirmado que não se referia pontualmente às denúncias de escutas ilegais. “O general Martínez me deu razões pessoas que entendi”, repetiu Duque.

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