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México eleva para 60.000 o número de desaparecidos na ‘guerra às drogas’

Após anos sem dados oficiais, Governo atualiza a estimativa, mesmo faltando informações de vários Estados

Pablo Ferri
Cidade do México -
Fechamento das valas comuns de Colinas de Santa Fe, em Veracruz, no ano passado.
Fechamento das valas comuns de Colinas de Santa Fe, em Veracruz, no ano passado.cuartoscuro
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Sem estabelecer uma cifra definitiva, o Governo mexicano elevou para 60.053 o número de pessoas desaparecidas durante a guerra ao narcotráfico. Trata-se de um aumento de 50% com relação a cálculos anteriores. A cifra, que conta os casos denunciados entre 2006 e 2019, poderia ser ainda maior. Dos 31 Estados mexicanos, pelo menos 10 continuam em “processo de entrega de informação”, outros oito “seguem atualizando a informação e revisando a informação histórica”, e 13 estão “revisando informação histórica”.

As frases entre aspas são de Karla Quintana, que desde o final de 2018 é a comissária nacional de busca de pessoas desaparecidas no México. Quintana se encarregou de apresentar os dados nesta segunda-feira ao lado do subsecretário de Direitos Humanos da Secretaria do Governo (Casa Civil), Alejandro Encinas, e da titular dessa pasta, Olga Sánchez Cordero. “A informação certamente variará”, observou Quintana.

A incógnita agora diz respeito ao tamanho da defasagem dos Estados atrasados. Ou, melhor dizendo, dos Ministérios Públicos estaduais, que são os encarregados de reunir e sistematizar a informação. Entre os dez que ainda continuam em processo de entrega de informação aparecem por exemplo Guanajuato e Morelos, que há anos vivem um recrudescimento dos homicídios.

A cifra oferecida pelo Governo é, em todo caso, o primeiro dado concreto de pessoas desaparecidas durante os seis anos do mandato presidencial anterior, quando a estimativa rondava os 40.000 indivíduos sem paradeiro determinado. Familiares de desaparecidos e organizações recordaram ao Governo, entretanto, que a contagem não é perfeita, e não só por causa do atraso nos dados de alguns Estados. A organização Dados Cívicos, que acompanha de perto o processo de criação do registro de desaparecidos e o mapeamento de fossas clandestinas em todo o país, criticou na segunda-feira a falta de explicações do Governo em relação à metodologia empregada na contagem.

O relatório apresentado pela Administração de López Obrador discrimina por gênero e faixa etária, e também por anos. Três quartas partes dos 60.053 desaparecidos são homens. A maioria tinha entre 15 e 39 anos. Das mulheres desaparecidas, mais de um terço são meninas e adolescentes de 10 a 19 anos.

Outro dos aspectos preocupantes revelados pelas cifras é que 2019 e os três anos imediatamente anteriores foram os piores em termos de pessoas desaparecidas, com mais de 22.000 casos.

Um novo mapa de valas comuns

O Governo atualizou o mapa nacional de valas comuns clandestinas, diferenciando as que foram encontradas desde o início da guerra contra os cartéis das drogas, em 2006, e as achadas desde a posse de Andrés Manuel López Obrador. Entre 1º de dezembro de 2018 e 31 de dezembro de 2019 foram encontradas 874 valas com restos de 1.124 corpos. Só 395 foram identificados, e 243 foram entregues a familiares. O número de valas comuns clandestinas chega a 3.631 desde 2006.

Além da violência, os números de valas e corpos ilustram um dos principais problemas do país, a falta de meios ao alcance de promotores e peritos policiais. Encinas apontou isso várias vezes desde que chegou ao cargo. Não se trata apenas de um problema de corrupção, mas também de capacidade técnica. Há anos, Ministérios Públicos de Estados como Veracruz e Jalisco, entre os mais populosos do país, carecem dos recursos para fazer análises e identificar milhares de fragmentos achados em valas dos seus territórios.

As denúncias por amontoamento e tratamento inadequado dos corpos desenhavam uma situação que chegou às raias do surreal. Foi o caso, por exemplo, dos trailers cheios de cadáveres, meio abandonados em um município da periferia de Guadalajara no final 2018. O IML do Estado não dava conta, e os caminhões viraram necrotérios portáteis. Só após as denúncias dos moradores e da imprensa o Ministério Público local concordou em analisar e identificar os cadáveres às pressas.

O Governo de López Obrador toma 2006 como data de referência. Foi então que o presidente Felipe Calderón, do partido direitista PAN, pôs o Exército na rua para combater o crime organizado. A mobilização militar ocorreu principalmente em Estados do centro e norte: Michoacán, Chihuahua, Coahuila, Nuevo León e Tamaulipas. Apesar de contenções pontuais, os assassinatos e desaparecimentos não pararam de aumentar. O ano de 2019 terminou como o mais violento no México desde que há registros.

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