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Após promessas, Governo de São Paulo diz que Coronavac é eficaz mas adia divulgação de dados

Butantan agora afirma que contrato com laboratório chinês não permite liberação imediata de estudos clínicos. Governador João Doria cancela licença após seu vice testar positivo para covid-19

Pesquisadora exibe seringa com a vacina Coronavac
Pesquisadora exibe seringa com a vacina CoronavacEmrah Gurel (AP)

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Durante semanas, o Governo do Estado de São Paulo anunciou que iria apresentar nesta quarta-feira (23) os dados do estudo clínico fase 3 da vacina Coronavac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em conjunto com o Instituto Butantan, do Governo paulista. No entanto, durante coletiva de imprensa nesta tarde, as autoridades se limitaram a afirmar que os testes mostram que o imunizante atingiu “o limiar da eficácia” pedido tanto pela agência sanitária federal, a Anvisa, quanto pela OMS, o que “permite o processo de solicitação de uso emergencial”. O número de eficácia exigido por essas instituições é de 50%. No entanto, não foram divulgados os dados numéricos registrados pelos estudos da Coronavac.

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De acordo com Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, os números não foram apresentados por uma previsão no contrato entre o Governo de São Paulo e a Sinovac. Segundo ele, os dados dos diversos países que testam a vacina devem ser divulgados de forma unificada, para evitar dados conflitantes ―algo que jamais havia sido citado antes pelas autoridades paulistas, quando das promessas de divulgação dos números. Covas diz que que os dados do estudo paulista, feito junto a 13.000 voluntários, foram enviados à China e que a divulgação dos indicadores deverá se dar em um prazo de até 15 dias. “Nós vamos respeitar essa data, mas acreditamos piamente que ela será adiantada”, afirmou o diretor.

Do ponto de vista político, no mesmo dia, pouco antes da coletiva, o governador João Doria (PSDB) anunciou que cancelaria uma licença de dez dias e retornaria ao Brasil após seu vice, Rodrigo Garcia, testar positivo para o coronavírus. A informação de que Doria havia viajado para Miami gerou repercussão negativa nas redes sociais. O governador não participou do anúncio do adiamento dos números do estudo clínico.

Mudança de estratégia

Em novembro, o ensaio da Coronavac atingiu o número mínimo de voluntários infectados no Brasil para a apresentação de resultados preliminares. O ensaio da Coronavac superou os 151 infectados entre os grupos que receberam placebo ou o imunizante e chegou a 170 voluntários infectados ― o que supõe mais robustez aos resultados. Estes dados preliminares seriam apresentados inicialmente no dia 12 de dezembro, mas o Governo de São Paulo mudou de estratégia e disse que apresentaria dados consolidados para pedir o registro definitivo e não mais a autorização para uso emergencial à Anvisa. Nos dias seguintes, porém, voltou atrás e disse que solicitaria as duas autorizações. O objetivo era conseguir iniciar a vacinação no dia 25 de janeiro. A data, segundo as autoridades paulistas, está mantida, apesar da não apresentação dos resultados publicamente. O secretário da Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, afirma que haverá tempo para registrar a Coronavac junto à Anvisa, mesmo esperando pelo retorno dos estudos enviados à China. “Se o quiséssemos, já poderíamos dar entrada na agência regulatória com o pedido de uso emergencial”, diz. “Mas vamos respeitar os trâmites, os compliances, que fazem parte das tratativas comerciais”.

Segundo Dimas Covas, a Coronavac tem um “perfil excelente” se segurança, novamente sem apresentar estudos de comprovação. O diretor do Butantan disse que houve poucos efeitos colaterais entre os voluntários, sendo o mais comum deles dor no local da injeção. Já “sintomas sistêmicos, como febre, aconteceram apenas numa porcentagem muito pequena dos casos”. O ensaio clínico da Coronavac foi realizado em 13.000 voluntários no Brasil e iniciado em julho. A vacina já havia demonstrado ser segura e capaz de provocar resposta imune em até 97% dos participantes nas primeiras etapas do estudo, realizadas na China.

Imunizante foi ao centro da disputa política

A Coronavac foi jogada ao centro da disputa política e ideológica que tomou a corrida pelas vacinas contra a covid-19 no Brasil. O presidente Jair Bolsonaro chegou a comemorar uma paralisação nos ensaios clínicos da Coronavac em curso no país em novembro por conta do falecimento de um voluntário, mas a morte não tinha relação com o imunizante e os testes foram retomados. Bolsonaro, adversário político de Doria depois de um breve período de aliança, também chegou a afirmar que não compraria “vacinas chinesas” e, em outubro, desautorizou seu ministro a assinar um acordo para uma futura compra do imunizante da Sinovac. O discurso, porém, mudou para o de que o país não comprará vacinas sem a aprovação da Anvisa.

No plano de imunização apresentado sob pressão de gestores, pesquisadores e até da Justiça, o Ministério da Saúde enfim afirmou diretamente sua intenção de incluir o imunizante da Sinovac na estratégia nacional. O ministro Eduardo Pazuello diz que esta vacina nunca esteve descartada e há um memorando de entendimentos assinado com o instituto Butantan para a aquisição de 46 milhões de doses.

Governo Federal diz que negocia mais 54 milhões de doses

O Governo agora trabalha para ampliar este quantitativo de doses para 100 milhões, conforme informou nesta terça-feira (22) o secretário de Vigilância da pasta, Arnaldo Medeiros. Segundo Medeiros, a previsão é de que o Ministério da Saúde receba 9 milhões de doses do Butantan em janeiro, 15 milhões em fevereiro e 22 milhões em março, somando as 46 milhões previstas no primeiro acordo. Nesta quarta-feira, Dimas Covas destacou as “boas notícias” sobre a intenção do Governo Federal em efetivar contratos para a aquisição da Coronavac.

O Supremo Tribunal Federal também liberou que governadores e prefeitos adquiram imunizantes caso a Anvisa não cumpra o prazo legal de 72 horas para conceder a autorização emergencial ou se houver atrasos para pôr em marcha o plano nacional de vacinação. Diante disso, 1.000 municípios e 14 Estados já firmaram memorando de entendimentos com o Butantan para adquirir a Coronavac, segundo o presidente do instituto, Dimas Covas. Os termos do acordo estão condicionados à não aquisição pelo Governo Federal e ao compromisso dos gestores de começar a aplicação em profissionais de saúde, que estão no primeiro grupo prioritário da estratégia nacional.

O Butantan também diz estar em negociações com outros países. Um dos mais avançados seria a Argentina, que pode anunciar uma aquisição nos próximos dias. Nesta quinta-feira, um novo carregamento de matéria-prima suficiente para 5,5 milhões de doses deve chegar ao aeroporto de Guarulhos, vindo do país asiático.

O Governo de São Paulo afirma que deve chegar a 10 milhões de doses da vacina até o fim do ano e planeja o início da vacinação no Estado no próximo dia 25 de janeiro, mesmo que a campanha nacional não tenha iniciado. Pazuello disse nesta quarta-feira que o melhor cenário é para iniciar a campanha nacional no dia 20 de janeiro, mas uma data só poderá ser de fato definida quando houver um imunizante com aval da Anvisa.

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