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Lázaro Ramos: “A diversidade é um grande mercado, é um lugar de provocação e transformação”

Homenageado no Cine Ceará, ator vive o detetive Espinosa no filme ‘Silêncio da chuva’. Ao EL PAÍS, fala sobre a expectativas para 2021, quando estreia na direção de longas metragens, e reflete sobre a produção cultural no ano da pandemia: “É possível continuar contando historias”

Ator e diretor Lázaro Ramos.
Ator e diretor Lázaro Ramos.Divulgação
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Em um ano difícil para o cinema brasileiro por conta da pandemia e marcado por uma maior visibilidade do movimento antirracista, o ator Lázaro Ramos vê pontos positivos na batalha que existe atualmente para contar histórias com mais diversidade no cinema brasileiro. Homenageado no festival Cine Ceará deste ano, o ator celebra a reinvenção da linguagem que observa nos profissionais do setor, especialmente quando trabalham a questão da diversidade ―algo que ele mesmo vem experimentando nas suas produções mais recentes.

Neste ano, dirigiu Falas negras, um especial da Globo pelo Dia da Consciência Negra, pensado para ampliar o diálogo com o público e emocioná-lo com novas formas de filmar. Lázaro Ramos também está prestes a estrear Medida provisória, o primeiro longa de ficção que dirigiu e que instiga uma reflexão sobre igualdade e preconceito racial no Brasil do futuro. Mesmo no filme Silêncio da chuva, que estreou no Cine Ceará em meados de dezembro, é possível extrair uma singela camada de reflexão sobre o assunto. “Isso é um grande mercado. E é um lugar de provocação e transformação”, diz o ator, ressaltando que o papel de entreter o público é correspondido nestas produções.

Em Silêncio da chuva, longa de Daniel Filho baseado no romance policial homônimo de Luiz Alfredo Garcia-Roza, o detetive Espinosa (Lázaro Ramos) e a policial Daia (Thalita Carauta) trabalham na investigação do crime contra um executivo que foi encontrado baleado dentro de seu carro, no Rio de Janeiro. Na trama, pessoas envolvidas no caso passam a desaparecer e dão maior complexidade à narrativa. O tema central do longa está longe da diversidade, mas em algumas cenas há um certo racismo implícito, que Lázaro considera uma camada a mais que o filme abraça num momento em que o tema ganha mais força no país. “E continuamos entretendo o público. Esse é um dos frutos do nosso tempo que eu celebro”, afirma o ator, que considerou um desafio interpretar o icônico personagem da literatura policial brasileira.

Em Silêncio da Chuva, Lázaro Ramos interpreta um dos mais icônicos personagens da literatura policial brasileira
Em Silêncio da Chuva, Lázaro Ramos interpreta um dos mais icônicos personagens da literatura policial brasileiraMariana Vianna (Divulgação)

No primeiro semestre do ano que vem, Lázaro Ramos espera enfim estrear o longa Medida provisória, filmado em 2019 e já premiado por melhor roteiro pelo Indie Memphis Film Festival. O enredo do filme traz o Brasil de um futuro distópico, no qual o Governo emite uma medida que obriga cidadãos negros a retornarem à África. Lázaro já havia dirigido a história no teatro ―um lugar de conforto para ele, que trabalha na direção teatral desde os 19 anos de idade―, mas via nela um potencial cinematográfico forte. Ofereceu-a então a vários amigos diretores, mas, diante da negativa deles, acabou decidindo dirigi-lo ele mesmo.

“O Medida reforçou muito o desejo de falar de assuntos relevantes e elaborar uma linguagem nova”, conta. O filme começa como se fosse uma comédia, mas absorve características de thriller e drama. O desafio deixou Lázaro Ramos instigado, e agora ele busca desenvolver uma identidade própria como criador e diretor de cinema. Ele diz que o fato de a temática negra estar presente nos seus primeiros trabalhos como diretor é mais que uma escolha ou uma demanda social, mas um reconhecimento do talento de muitos atores e atrizes e do potencial das histórias sobre estes temas. “Medida provisória é uma oportunidade gigante de reflexão, mas é também entretenimento pra quem assiste. A gente precisa contar estas histórias transformadoras com qualidade. O nosso país precisa e merece. Não são histórias menores, e estes profissionais não são pedintes”, ressalta.

Novas linguagens

Neste ano, a pandemia do coronavírus paralisou filmagens, adiou estreias e gerou uma crise forte no setor cultural, mas também empurrou gerações de realizadores a repensarem linguagens. A série Falas negras é um exemplo deste exercício de repensar a forma de fazer audiovisual. Inspirado no documentário Humanos e nos filmes do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, ela traz atores olhando para a câmera em um cenário simples. “O conteúdo relevante a gente já tinha, mas além de atingir o racional, a gente queria emocionar”, explica Ramos. A direção focou então em trabalhar num novo jeito de caracterizar os personagens, de fotografia e de como extrair mais emoção pela música. Tudo isso para levar a discussão racial para um lugar diferente do dia a dia. “Temos discutido em geral para achar argumentos e silenciar o outro. O Falas negras foi para provocar diálogo, para emocionar. Acho que, artisticamente falando, as pessoas começaram a elaborar este outro lugar. E por isso tem tido bons resultados”, opina o diretor.

Ramos agora trabalha em um novo filme, O papai é pop. Baseado em um livro homônimo, a história trata sobre a paternidade. “Está sendo um aprendizado criar personagens com algumas limitações espaciais, mas estamos empolgados por voltar a trabalhar”, diz. A previsão é de que o filme seja rodado majoritariamente em estúdio e poucas cenas externas. A adequação da profissão ao distanciamento social imposto pela pandemia também levou o ator a experimentar outra forma de trabalhar na série Amor e sorte, da qual participa com a esposa, a atriz Taís Araújo. A produção conta histórias de quatro casais durante o isolamento social. Eram eles mesmo os responsáveis por gravar as cenas, orientados por uma equipe que trabalhava remotamente. “Isso trouxe uma fé de que era possível continuar contando historias mesmo na pandemia.”

Possibilidades via streaming

Neste período complicado para produzir cinema, Lázaro Ramos celebra as possibilidades que têm surgido com a chegada de vários streamings no país. Diz que isso amenizou as críticas que tinha à internet e o fez passar a pensar em várias plataformas. “Há um investimento, e eles [serviços de streamings] estão reconhecendo o talento das nossas histórias. Mas não sei se são suficientes pra manter mercado aquecido como merecia”, opina.

O ator diz não conseguir apontar qual deve ser a perspectiva para o cinema nacional no ano que vem. Se por um lado há diferentes gerações promissoras, formadas em cursos audiovisuais fora do eixo Rio- São Paulo, por outro o Brasil viu minguarem os investimentos públicos desde o ano passado. “Há uma potência criativa gigantesca, mas chega neste momento que não se sabe como vai fazer. Material humano a gente tem, mas como viabilizar produções é a grande pergunta”, aponta.

É diante deste cenário difícil que ele comemora a realização de um festival como o Cine Ceará neste ano, que aconteceu entre os dias 5 e 11 de dezembro em formato híbrido. “São estes espaços que geram reflexão e realizam debates onde aprendemos sobre nosso cinema. São festas da nossa cultura”, finaliza.

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