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Em vitória para o movimento negro, Bolsonaro é condenado a indenizar jornalista difamada nas redes

Bianca Santana foi acusada pelo presidente de divulgar fake news durante live no Facebook. Mesmo se desculpando, o mandatário deverá pagar 10.000 reais. Decisão é da primeira instância e cabe recurso

Felipe Betim
A jornalista Bianca Santanta
A jornalista Bianca Santanta, que representou 19 entidades em processo contra Jair Bolsonaro na ONU.João Benz

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deverá pagar 10.000 reais de indenização a título de danos morais para a jornalista Bianca Santana, colunista do portal UOL, segundo decidiu nesta quinta-feira o juiz Cesar Augusto Vieira Macedo, da 31ª Vara Cível do Tribunal de Justiça São Paulo. A condenação ocorre porque em maio deste ano, o mandatário acusou injustamente a jornalista durante uma live no Facebook de divulgar fake news. O ataque aconteceu na mesma semana em que Santana escrevera um artigo mostrando a relação entre a família e os amigos de Bolsonaro com os acusados de assassinar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes. No dia 30 de julho, quando Santana já havia levado o caso para a ONU e para a Justiça brasileira, o mandatário pediu desculpas. A decisão ocorre em primeira instância e o presidente poderá entrar com um recurso para revertê-la. O Palácio do Planalto não se pronunciou sobre o assunto.

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Santana faz parte da UNEafro e milita na Coalizão Negra por Direitos, que vem respaldando a jornalista em seu litígio contra Bolsonaro e que classificou a decisão judicial como “uma vitória para o movimento negro”. O grupo também assinou, junto com outras 18 organizações, a denúncia contra o presidente na ONU por seus ataques a Santana e mais de 50 mulheres jornalistas. A colunista do UOL foi escolhida para falar em nome delas na 44ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 7 de julho. Trata-se também da primeira vez em que Bolsonaro é condenado por atacar publicamente uma jornalista —algo que vem sendo rotineiro desde que assumiu o poder, em janeiro de 2019.

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A jornalista Bianca Santanta
Por que Bolsonaro pediu desculpas a Bianca Santana, face da ação de jornalistas mulheres contra ele na ONU
BRA01. RIO DE JANEIRO (BRASIL), 01/12/20. - Fotografía tomada el 23 de noviembre que muestra la pintura de la concejala Marielle Franco, la famosa activista por los derechos de mujeres, homosexuales y negros cuyo asesinato a tiros en 2018 tuvo amplia repercusión mundial en Río de Janeiro. Un proyecto artístico para retratar personalidades negras en diferentes muros de Río de Janeiro busca ofrecer referencias de figuras afrobrasileñas en una ciudad repleta de calles, estatuas y monumentos en homenajes a personajes blancos, algunos de ellos considerados racistas y esclavistas. EFE/Antonio Lacerda
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“É muito importante que a justiça brasileira não seja conivente com tais violações à Constituição e aos direitos humanos. Há de haver responsabilização para que se suste essa violência e propagação de fake news que fragiliza nossas instituições democráticas”, afirmou Sheila de Carvalho, advogada que acompanha o caso de Santana, em nota divulgada pela Coalizão Negra por Direitos. De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas, Bolsonaro cometeu 299 ataques à imprensa entre janeiro e setembro de 2020, sendo 38 agressões diretas a jornalistas profissionais.

Fake news

Bolsonaro mencionou o nome de Santana na semana de uma ação do Instituto Marielle Franco e da Coalizão Negra por Direitos contra a federalização do caso que investiga o assassinato da vereadora. Além de participar da ação, Santana escrevera um artigo intitulado “Por que querem federalizar as investigações do assassinato de Marielle?”, questionando as relações da família Bolsonaro com acusados de participar do crime. O presidente acusou Santana em sua live de espalhar fake news durante sua live semanal no Facebook. Diante da visibilidade que seu nome ganhou, a jornalista decidiu entrar com uma ação de indenização por danos morais contra o mandatário. Quando na ação foi solicitado uma retratação do presidente, ele reconheceu como foi infundada a sua acusação em outra transmissão nas redes sociais. Diante disso, foi solicitado o julgamento antecipado da demanda.

Em sua denúncia na área civil, Santana pediu a retirada do trecho do vídeo em que Bolsonaro a menciona, uma retratação pública, a abstenção de imputar à jornalista textos que ela não tinha escrito e uma indenização por danos morais de 50.000 reais. No dia 30 de julho, quando a denúncia por danos morais já havia sido feita, Bolsonaro reconheceu a acusação injusta em outra live no Facebook. “Não era da jornalista Bianca Santana, minhas desculpas por esse equívoco nosso. Inclusive já mandei retirar toda a live do ar. Da nossa parte não tem problema em se desculpar quando erra”, afirmou.

Esse mea culpa de Bolsonaro fez com que o juiz julgasse “parcialmente procedente o pedido” de Santana, fixando um valor da indenização em 10.000 reais. Para ele, “o valor da reparação deve atender aos princípios da proporcionalidade e da vedação ao enriquecimento ilícito, e ainda ser suficiente a amenizar o desassossego sofrido pela vítima”, escreveu o magistrado, destacando o fato de que Bolsonaro se desculpou de forma espontânea. “Há que se considerar que o réu se retratou espontaneamente, como noticiado pela própria autora em suas redes sociais”.

O juiz também argumentou que “não há nos autos nenhum elemento” que indique que o ataque de Bolsonaro tenha se tratado de um mero equívoco. “Embora a autora afirme que ‘a menção ao meu nome não foi meramente um erro’, e fundamente tal afirmação com a suposição de que seu nome não estava escrito na folha de papel que o réu lia na hora, a inscrição poderia estar em algum outro papel entre os diversos que havia sobre a mesa, ou algo que tenha sido lido pelo réu pouco antes da gravação”.

Feitas essas observações, o magistrado considerou procedente a ação movida por Santana. Além dos 10.000 reais de indenização, proibiu Bolsonaro de imputar à jornalista a autoria de textos que ela não escreveu, “seja pela necessidade de preservação da honra subjetiva da autora, seja pela necessidade de se reprimir a disseminação de fake news no cenário atual”. O magistrado se absteve de determinar a exclusão do vídeo e uma retração uma pública uma ”pois foram realizados pelo réu de forma espontânea”.

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