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Manuela enfrenta antipetismo em Porto Alegre por chance de superar Melo e quebrar jejum da esquerda

Em desvantagem, candidata do PCdoB se mostra como comunista moderada. Já o nome do MDB, embora progressista, precisa atender base conservadora e acena ao bolsonarismo

De máscara, Sebastião Melo, do MDB, faz campanha em Porto Alegre.
De máscara, Sebastião Melo, do MDB, faz campanha em Porto Alegre.MATEUS RAUGUST (nO)
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A três dias do segundo turno das eleições municipais, a campanha eleitoral em Porto Alegre esquenta diante da melhor oportunidade que a esquerda tem de voltar ao poder em 16 anos na capital gaúcha. A pesquisa Ibope divulgada na noite de terça-feira mostra Manuela d’Ávila (PCdoB) com 42%, atrás de Sebastião Melo (MDB), que lidera com 49% da intenção de votos. Brancos e nulos somam 9%.

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No primeiro turno, o grande vencedor foi a abstenção, a maior entre as capitais brasileiras. Melo obteve 200 mil votos, Manuela 187 mil e o não comparecimento alcançou 358 mil eleitores. Também por isso, o desafio da esquerda vai além de superar o adversário nas urnas. Em sua terceira candidatura à prefeitura, e tendo no currículo o feito de ser a deputada federal mais votada da história do Rio Grande do Sul (em 2010), Manuela precisa vencer a força do antipetismo na capital gaúcha e se dissociar do fantasma que se transformou ser comunista no Brasil pós 2018.

Uma eventual vitória significaria não apenas a oportunidade de ser a primeira mulher a ocupar a cadeira de prefeita da cidade, mas pode simbolizar novos ventos para a esquerda nacional na cruzada contra Jair Bolsonaro. Por isso, ela arregimentou apoios de artistas como Caetano Veloso e Chico Buarque, além dos presidenciáveis Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Fernando Haddad (PT) ―ao lado de quem atravessou o Brasil na campanha presidencial em 2018. Em Porto Alegre, o PT é novamente seu companheiro, mas pela primeira vez em 10 eleições à prefeitura desde a redemocratização, o partido abriu mão da cabeça de chapa.

No outro palanque está Sebastião Melo, um nome respeitado do MDB gaúcho, seguidor da clássica cartilha centro-democrática que marcou a sigla forjada no combate ao regime militar. Atualmente deputado estadual, foi vereador por 12 anos e vice-prefeito. Trata-se de um sujeito popular na cidade graças à sua trajetória vinculada a movimentos comunitários, mas a quem a conjuntura de 2020 empurrou para uma aliança com a direita e a um flerte com o bolsonarismo.

“Não se pode se dizer que é uma eleição de oposição entre direita e esquerda. Melo está se apropriando do discurso antcomunista e anti-PT como estratégia para ganhar votos no segundo turno, mas não é historicamente identificado com esse segmento. E Manuela não é uma radical. As propostas dela caberiam em qualquer candidatura de centro-esquerda. Em outra situação, o próprio Melo poderia ser porta-voz de seu programa”, sintetiza Rodrigo Stumpf González, professor do departamento de Ciência Política da UFRGs.

De democrata a candidato da direita

No xadrez ideológico atual, Sebastião Melo se considera um político centrista. “Sou um democrata. Aos 18, 19 anos me alistei nas fileiras do combate à ditadura como um jovem aguerrido, lutei pela Constituinte e acredito na democracia. Acho esse debate sobre espectro ideológico uma discussão reduzida das bolhas, mas eu posso dizer que estou mais no centro”, assegura.

Mas seu vice é Ricardo Gomes (DEM), vereador e jovem político ligado ao MBL, o movimento que estremeceu as bases da República na crise que culminou com o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e a posterior eleição de Jair Bolsonaro, agora sem partido. A aliança feita na atual eleição inclui, além da sigla do vice ―que também é a do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni―, o PRTB do general Hamilton Mourão, a quem o candidato se referiu como “um grande brasileiro”.

Deputados bolsonaristas do PSL consideraram Melo mais digno de apoio da extrema direita que o atual prefeito neoliberal de Porto Alegre, Nelson Marchezan Junior (PSDB), e por isso, embora a sigla tenha indicado o vice na chapa do tucano, que terminou em terceiro lugar, desde o primeiro turno, suas principais lideranças abraçaram a candidatura do MDB.

Apesar disso, o candidato não escancara o apoio do presidente. Pelo contrário. “Não sei se o Bolsonaro me apoia, mas acho que torce por mim”, acredita. Além disso, se recusou a encontrar com Eduardo Bolsonaro, que veio a Porto Alegre participar de um evento armamentista.

Em todo o caso, em uma campanha feita sob rígidos protocolos sanitários que reduzem o contato com o eleitor, a imagem que permanece é a do político próximo das lideranças comunitárias. Morador do bairro Sarandi, o mais populoso de Porto Alegre, Ervandil Schiavon, defende o voto em Melo porque foi em sua gestão como vice-prefeito (2013-2016) que o problema das inundações decorrentes de um arroio local foram enfrentados pela primeira vez. “Ele esteve muito presente aqui naquela época”, atesta o líder comunitário.

Mas a obra não resolveu a questão de forma definitiva e o Sarandi segue vulnerável em dias de chuvarada. Por isso Manuela lança mão das imagens de obras previstas para a Copa do Mundo de 2014 que ainda não foram concluídas na cidade para criticar seu adversário.

Em busca dos votos de centro

Desde a redemocratização, PDT, PT e MDB se alternaram no comando da prefeitura de Porto Alegre até que Nelson Marchezan Júnior (PSDB) rompeu essa constante em 2016. “Foi um ponto fora da curva. Porto Alegre nunca foi uma cidade de direita. É um eleitorado que se movimenta da esquerda para o centro”, analisa a cientista política Maria Izabel Noll, professora da Pós-Graduação em Políticas Públicas da Ufrgs e estudiosa da história política local.

Na batalha por esse eleitor moderado, Manuela também ampliou o espectro de alianças no segundo turno, incorporando à sua campanha as vozes das duas mulheres derrotadas no primeiro turno: Fernanda Melchionna (PSOL), cujas propostas são mais incisivas no enfrentamento dos poderosos, e Juliana Brizola (PDT), que em 2016 foi candidata a vice justamente de Sebastião Melo. A síntese dessa aliança ficou expressa nas palavras do ex-prefeito e ex-governador Alceu Collares (PDT), que aos 93 anos gravou um vídeo em apoio à comunista: “Me perguntam se a Manuela é radical, e eu respondo: ela é radical sim, como eu sou radical... na luta contra as injustiças sociais e no compromisso com o nosso povo”.

Manuela é a representante natural da recém eleita bancada negra, uma novidade na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, que até a atual legislatura era majoritariamente branca, masculina e idosa. Mas em 2020, a mais votada foi uma mulher negra, Karen Santos (PSOL), que terá companhia de outros quatro vereadores pretos, sendo três mulheres. Todos de esquerda. Uma composição que ganhou mais potência depois do assassinato de Beto Freitas em um Carrefour da cidade. “Nosso papel é sermos porta-vozes da denúncia do racismo estrutural, institucional e político. E o programa do estado mínimo é explicitamente racista porque representa a diminuição de direitos”, argumenta a vereadora.

Mas a candidata da esquerda também acena aos empresários com um modelo aplicado no Maranhão por Flávio Dino (PCdoB), que garante, segundo sua campanha, a abertura de novos negócios em seis horas. Em debates no rádio e na televisão, tem reforçado que votou a favor de um projeto que previa a possibilidade de parcerias público privadas no município, quando era vereadora.

E se beneficia de uma retórica natural da disputa, ao colocar-se como uma voz crítica a Bolsonaro e advogar, por exemplo, pela compra direta de uma vacina para o coronavírus na hipótese de que o governo federal fique em cima do muro. “O tema da pandemia é o principal assunto da eleição, é um símbolo para os que se colocam contra Bolsonaro ―e felizmente hoje esse espectro é muito mais amplo politicamente do que a esquerda. Não é pouca coisa eu ter o apoio de vários prefeitos desde a redemocratização”, observa a candidata da esquerda.

No plano concreto, a campanha eleitoral tem oferecido ao cidadão atento propostas diferentes para a cidade, condizentes com o espectro político que cada candidato representa. Melo defende a participação da iniciativa privada no saneamento básico e avalia privatizar a Carris ―companhia pública de transporte municipal centenária, que já foi referência de qualidade no Brasil. Manuela advoga pela prestação dos serviços pelo poder público e sugere recontratar os 1,2 mil servidores da saúde que serão desligados do município em dezembro por força de uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

Resta saber se, no diapasão eleitoral de 2020, em Porto Alegre vai se sobressair o já histórico antipetismo ou o emergente antibolsonarismo. “Acredito que o PCdoB seja um elemento perturbador da candidatura da Manuela. Melo acaba caindo melhor no gosto da classe média assustada. Hoje, o que poderia trazer alguma desvantagem a ele seria se as alas mais radicais de sua candidatura aparecessem”, acredita Maria Izabel Noll. “Mas parece que as pessoas não estão fazendo muita questão de ver”, complementa a cientista política.

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