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Artistas pintam a Paulista após assassinato de homem negro em supermercado, enquanto Governo nega racismo

A frase #Vidas Pretas Importam foi pintada na avenida-símbolo da capital paulista durante a madrugada. Bolsonaro e o vice, Mourão, não trataram caso como racismo

vidaspretasimportam
Reprodução/Globonews

Um coletivo de artistas de São Paulo deixou estampado na avenida Paulista o que o Governo do presidente Jair Bolsonaro não conseguiu expressar após o assassinato cruel de João Alberto Silveira Freitas, negro, de 40 anos, em um supermercado de Porto Alegre: vidas negras importam. A frase foi pintada por profissionais de vários segmentos e voluntários na principal avenida da capital no início da noite de sexta-feira (20), dia da Consciência Negra, e terminou por volta das 5h da manhã deste sábado (21). Eles contaram com o apoio da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que fechou parte da avenida para que as pessoas pudessem trabalhar durante toda a madrugada.

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O ato se soma a tantos outras manifestações realizadas nas redes sociais e em várias locais do país desde a notícia da morte de Alberto Silveira, conhecido por Beto, que foi espancado por mais de cinco minutos até a morte por dois seguranças brancos no estacionamento de uma unidade do Carrefour na capital gaúcha. A vítima chegou a ser atendida pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas não resistiu. As análises iniciais do Instituto Geral de Perícias do RS (IGP-RS) apontam para a possibilidade de asfixia como causa da morte. Ele foi enterrado neste sábado em Porto Alegre. A vítima fazia compras com a esposa quando teria ocorrido um desentendimento com uma funcionária do local, que chamou a segurança do local. Os dois agressores – o policial militar Giovane Gaspar da Silva, de 24 anos, e o segurança Magno Braz Borges, de 30 – foram presos em flagrante e tiveram a prisão preventiva decretada na tarde desta sexta.

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No Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão - em 1888 - cerca de 55 por cento da população se identifica como negra ou parda. Mas embora os brancos ganhem 74% mais do que os negros em média, um debate nacional sobre desigualdade racial só começou há relativamente pouco tempo.
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A vítima era um homem negro, que morreu na noite desta quinta-feira, 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra, após ter sido espancado na porta de uma unidade da rede de supermercados Carrefour por dois homens brancos em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
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Na capital do Rio Grande do Sul, a manifestação começou no início da tarde de sexta-feira, em frente à loja onde aconteceu o crime. Com cartazes e bandeiras, milhares de manifestantes exigiram justiça pelo assassinato. Na capital paulista, manifestantes se concentraram, justamente, no vão do Masp. Cerca de duas horas depois do ato, um grupo de mais de 600 pessoas iniciou uma caminhada em direção ao Carrefour que funciona na rua Pamplona. Alguns manifestantes arremessaram pedras contra os vidros do supermercado. No Rio de Janeiro, dezenas de manifestantes fizeram um protesto no supermercado Carrefour da Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio. Aos gritos de “Assassino, Carrefour”, alguns protestaram dentro do supermercado, pedindo para que a unidade fechasse. Em Brasília e Belo Horizonte houve também atos.

Bolsonaro e Mourão negam racismo

Após as manifestações antirracistas serem registradas em algumas cidades brasileiras, o presidente Jair Bolsonaro se manifestou sobre o caso no Twitter e afirmou que os problemas do Brasil “são muito mais complexos e que vão além de questões raciais”. “Não adianta dividir o sofrimento do povo brasileiro em grupos. Problemas como o da violência são vivenciados por todos, de todas as formas, seja um pai ou uma mãe que perde o filho, seja um caso de violência doméstica, seja um morador de uma área dominada pelo crime organizado”, escreveu. Bolsonaro começou o fio de declarações feitas na rede social exaltando a miscigenação no Brasil e depois citou tensões “entre nosso próprio povo”. “Existem diversos interesses para que se criem tensões entre nosso próprio povo. Um povo unido é um povo soberano, um povo dividido é um povo vulnerável. Um povo vulnerável é mais fácil de ser controlado. E há quem se beneficie politicamente com a perda de nossa soberania”, afirmou o presidente. “Como homem e como Presidente, sou daltônico: todos têm a mesma cor. Não existe uma cor de pele melhor do que as outras. Existem homens bons e homens maus”, completou.

Antes das declarações de Bolsonaro, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, classificou como “lamentável” a morte de João Alberto, mas negou que o Brasil seja um país racista, ainda que a vítima seja negra e os autores do crime sejam brancos. “Eu digo para você com toda tranquilidade: não tem racismo. Eu digo isso para vocês porque eu morei nos Estados Unidos. Racismo tem lá. (...) Aqui o que existe é desigualdade”, afirmou.

Foi a mesma linha adotada por Bolsonaro já neste sábado, durante encontro do G20, o grupo das maiores economias dos mundo. Falando por videoconferência com líderes estrangeiros, o presidente afirmou que “há tentativas de importar para o Brasil tensões alheias à nossa história”.

Para Bolsonaro, a miscigenação de raças produziu um povo que conquistou a simpatia do mundo ―sem citar a escravidão ou o racismo estrutural da sociedade. ”Contudo, há quem queira destruí-la, e colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças, sempre mascarados de “luta por igualdade” ou “justiça social”. Tudo em busca de poder”, afirmou.

Percepção sobre discriminação contra população negra aumentou

Enquanto o presidente do Brasil e seu vice relativizam as questões raciais no país, a percepção sobre preconceito e discriminação contra a população negra aumentou entre os moradores de São Paulo, de acordo com levantamento realizado pela Rede Nossa SP e pelo Ibope Inteligência, divulgado na última quinta-feira.

Segundo a pesquisa, 83% dos paulistanos consideram que o preconceito contra negros se manteve ou aumentou na cidade nos últimos 10 anos. No ano passado o valor era de 70%. Essa percepção é ainda maior entre as pessoas que se declaram pretas ou pardas. Destas, 58% dizem que a discriminação contra a população negra aumentou e 30% afirmam que se manteve, totalizando 88%.

Para 74% das pessoas entrevistadas, as pessoas pretas e pardas têm menos oportunidades do que as pessoas brancas no mercado de trabalho. Ja 21% acreditam que elas têm a mesma oportunidades. A maioria das pessoas (82%) avaliam ainda que declarações com conteúdo racista ou preconceituoso feitas por políticos estimulam o racismo ou preconceito. Já 13% defendem que esse fato não influencia.


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