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Na véspera da Consciência Negra, cliente negro é espancado até a morte em loja do Carrefour de Porto Alegre

Os dois autores, um policial militar temporário e um segurança do supermercado, foram presos em flagrante. Carrefour lamentou o episódio e disse que rompeu contrato com a empresa de vigilância. Caso gerou comoção após vídeos do espancamento da vítima circularem nas redes sociais

Imagem do momento em quem João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado.
Imagem do momento em quem João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado.Reprodução (El País)

Um homem negro morreu na noite desta quinta-feira, 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra, após ter sido espancado na porta de uma unidade da rede de supermercados Carrefour por dois homens brancos em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A vítima, identificada como João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, teria discutido com uma funcionária que atuava como caixa do estabelecimento e foi conduzida pelo segurança da loja até o estacionamento, no andar inferior. A brutal sequência de agressões que resultou na morte de Freitas foram gravadas e as imagens causaram comoção nas redes socais entre a madrugada de quinta e esta sexta-feira. Um policial militar temporário e um segurança do mercado foram presos em flagrante. A investigação trata o crime como homicídio qualificado.

Segundo informações do site GaúchaZH, o espancamento aconteceu após um bate-boca entre a vítima com uma funcionária do supermercado. Ela chamou os seguranças, que o levaram para fora e o espancaram. A Brigada Militar (a Polícia Militar gaúcha), que atendeu a ocorrência, informou que a vítima discutiu com a dupla por não aceitar deixar o local. Já testemunhas que estavam no supermercado disseram que o homem foi seguido e agredido na saída, ainda segundo o GaúchaZH. Não estava claro, inicialmente, se o PM temporário trabalhava no Carrefour, pois testemunhas disseram que o policial fazia compras na unidade quando presenciou a discussão entre Freitas e a funcionária do mercado e decidiu intervir. Já a Brigada Militar informou que ele não trabalhava na função naquele momento. Os PMs temporários ingressam na Brigada Militar por meio de uma seleção diferenciada, voltada para egressos das Forças Armadas. Eles atuam por um período de dois anos, renováveis por mais dois. Entretanto, posteriormente, foi confirmada a informação de que os autores da agressão que levou à morte de Freitas atuavam como seguranças da loja.

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A man shouts "Black lives matter" during a protest against the murder of Black man Jo�o Alberto Silveira Freitas, which occurred at a different Carrefour supermarket the night before, outside a Carrefour supermarket in Brasilia, Brazil, Friday, Nov. 20, 2020, which is National Black Consciousness Day in Brazil. Freitas died after being beaten by supermarket security guards in the southern Brazilian city of Porto Alegre, sparking outrage as videos of the incident circulated on social media. (AP Photo/Eraldo Peres)
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Em uma das gravações é possível ver Freitas sendo imobilizado pelos homens e recebendo de um deles vários socos na região da cabeça, enquanto o outro tenta segurá-lo. Um deles chega a subir sobre o corpo da vítima ―o que lembra a brutal cena do assassinato de George Floyd, nos EUA, que morreu sufocado por policiais e desencadeou fortes protestos mundo afora, com o lema de Vidas Negras importam. Uma mulher também aparece nos vídeos que circulam nas redes filmando o ataque contra o cliente. De acordo com Nadine Anflor, chefe da Polícia Civil do RS, todas as pessoas que assistiam passivamente ao crime serão investigadas. A mulher que aparece no vídeo já prestou depoimento, segundo explicou Anflor em entrevista ao canal GloboNews.

A esposa da vítima, Milena Borges Alves, que o acompanhava no supermercado, afirmou em entrevista ao site GaúchaZH que estava ao lado do marido, quando ele foi abordado por cinco pessoas que atuavam no supermercado e conduzido para o estacionamento. “Estava pagando no caixa. Ele desceu na minha frente. Quando cheguei já estava imobilizado. Ele pediu ajuda, quando fui os seguranças me empurraram”, disse ao site. Ainda segunda a esposa, a vítima afirmou: Milena me ajuda, mas ela foi impedida pelos homens de se aproximar. “Seguiram com o pé em cima dele, e quando desmaiou, continuaram com o pé em cima dele”, disse Milena.

Uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) tentou reanimar Freitas depois que ele foi espancado, mas ele morreu no estacionamento. O crime é investigado pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Porto Alegre.

De acordo com o relato de Milena, o gesto que o marido fez à funcionária do Carrefour não foi “nada de demais”. “Ele só fez assim com a mão (faz um gesto de sai, sai), nada demais, era um brincalhão”, disse ao site GaúchaZH.

A torcida os Farrapos São José, da qual participava Freitas, conhecido por Beto, pediu justiça nas redes sociais. “Amanhã estaremos no Carrefour Passo D’areia o dia todo, não vai ficar assim, queremos justiça, fizeram covardia com um irmão”, diz uma publicação do grupo, no Twitter. Houve protestos pelo país nesta sexta.

Carrefour diz que romperá contrato com empresa de segurança

O Grupo Carrefour considerou a morte “brutal” e disse que “adotará as medidas cabíveis para responsabilizar os envolvidos”. Em nota, o supermercado afirmou também que vai romper o contrato com a empresa responsável pelos seguranças e que o funcionário que estava no comando da loja durante o crime “será desligado”. O grupo disse ainda que a loja será fechada em respeito à vítima e que dará o “suporte necessário” à família da vítima.

Não é a primeira vez que o Carrefour se envolve em casos de morte e violência de forte repercussão. Em agosto deste ano, um representante de vendas morreu após sofrer um infarto em uma loja da rede de supermercados em Recife (PE), que continuou a funcionar e o corpo do homem foi encoberto com guarda-sóis, tapumes e fardos de cervejas. O episódio gerou forte críticas. Na ocasião, o Carrefour disse que foi um erro não fechar a loja imediatamente. Em 2018, a morte da cadela Manchinha, vítima de agressão em uma loja do Carrefour em Osasco (Grande São Paulo), gerou protestos em frente à loja e uma investigação policial. Episódios de agressão a negros ou relatos de racismo em supermercados e lojas têm sido recorrentes em várias cidades do país.

Assassinatos de negros aumentaram 11,5% em uma década no Brasil, enquanto os de não negros caíram mais de 12%, segundo dados do Atlas da Violência 2020. Entre os negros, a taxa de homicídios no Brasil saltou de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes entre 2008 e 2018.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, se reuniu, nesta manhã com a chefe de Polícia, delegada Nadine Anflor, com o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Rodrigo Mohr Picon, e com o delegado plantonista Leandro Bodoia para se informar e cobrar rigor na apuração do homicídio. Em um vídeo publicado nas redes sociais, ele lamentou o episódio e afirmou que a apuração será feita com rigor. “Infelizmente, neste dia em que deveríamos estar celebrando políticas públicas, deparamos com cenas que nos deixam todos indignados pelo excesso de violência que levou à morte de um cidadão negro em um supermercado na capital gaúcha. Todas as circunstâncias em que este crime aconteceu estão sendo apuradas para que sejam punidos os responsáveis. Os inquéritos policiais estão sendo levados adiante com muito rigor”, afirmou o governador.

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