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PSD de Kassab sai vitorioso no xadrez político das eleições enquanto PT segue ‘juntando os cacos’

Com a conquista de 648 prefeituras no primeiro turno, partido do ex-prefeito de SP comandará 21 milhões de brasileiros. Petistas perdem espaço, mas conquistam cidades fortes

Presidente do PSD, Gilberto Kassab sai do primeiro turno das eleições como um dos principais caciques políticos do país.
Presidente do PSD, Gilberto Kassab sai do primeiro turno das eleições como um dos principais caciques políticos do país.Valter Campanato (Ag. Brasil)
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Gilberto Kassab está rindo e não é à toa. Fechadas as urnas e contados os votos, já é possível dizer que o PSD é a sigla mais vitoriosa no primeiro turno destas eleições para as prefeituras, confirmando o centro do espectro político como grande fiel da balança, ao lado de MDB e PP. O partido criado e comandado pelo ex-prefeito de São Paulo para acomodar políticos de centro-direita que buscavam uma aproximação com o primeiro governo da petista Dilma Rousseff alinhou-se no Congresso e na Esplanada ao governo de Michel Temer após o impeachment e tem se aproximado do governo Bolsonaro neste ano. Com essa ideologia nublada e que resiste a definições tradicionais — “não é de direita, nem de esquerda e nem de centro”, nas palavras de Kassab quando fundou a agremiação —, o PSD vem crescendo de forma constante ao longo das últimas eleições principalmente nas cidades pequenas e médias. Neste ano ganhou 107 prefeituras a mais que em 2016, atingindo um total de 648 nessa primeira rodada eleitoral.

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Levando em conta os números do primeiro turno, o partido governará as cidades onde moram 9,82% da população do país, ou 21 milhões de brasileiros, o maior número de eleitores sob influência direta de uma sigla até a próxima eleição, em 2024. O MDB ganhou em 771 cidades mas, quatro anos atrás, eram 1044. Governará 9,14% da população. O PP obteve 678 municípios, um grande avanço sobre 183 municípios em relação a 2016, chegando a governar 7,15% da população no âmbito municipal. As três siglas centristas são as únicas que até agora atingiram o patamar dos 10 milhões de votos em seus candidatos a prefeito neste ano.

Personagem central

O quadro coloca (ou reafirma) Kassab como um dos principais caciques políticos do centro — mais ainda se for considerado o relativo controle que ele dispõe de sua máquina partidária ao redor do país, frente à fragmentação de “feudos” comandados por lideranças regionais do MDB, PP e PSDB — e uma figura importante nas eleições presidenciais de 2022. Com a capilaridade nacional recém ampliada, capacidade de coordenação e farta verba pública para campanhas, embora sem um candidato competitivo próprio até o momento, o apoio do PSD e especificamente de Kassab pode desequilibrar daqui a dois anos. Procurado pela reportagem do EL PAÍS, Kassab não respondeu.

Nas capitais, o destaque do partido foi a reeleição fácil no primeiro turno de Alexandre Kalil em Belo Horizonte, com 63% dos votos válidos. Recém-filiado ao PSD de Minas Gerais, Kalil foi um reforço importante para os quadros da sigla e garantiu a conquista da capital do segundo maior colégio eleitoral do país. Credencia-se desde já como um dos favoritos na disputa pelo governo de MG daqui a dois anos.

Nomes tradicionais

Mais à direita, outro grande vencedor nestas eleições é o DEM — que fortaleceu-se ao atrair o voto de conservadores que neste ano não embarcaram em candidaturas que tentaram surfar o tsunami populista conservador que varreu as urnas em 2018, algumas com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, e os “outsiders” e gestores que prevaleceram em 2016.

O eleitor conservador preferiu apostar em nomes já conhecidos da política nacional como Eduardo Paes, que levou o DEM ao segundo turno no Rio de Janeiro com 37% dos votos válidos, ou Rafael Greca, reeleito pelo partido no primeiro turno em Curitiba com 59% dos votos válidos. A sigla também elegeu com facilidade no primeiro turno em Salvador Bruno Reis com 64% dos votos válidos, candidato de ACM Neto, que deixará a prefeitura após dois mandatos.

Presidente Bolsonaro deixa local de votação no Rio de Janeiro no domingo: candidatos apoiados por ele não tiveram sucesso na maioria dos casos neste ano.
Presidente Bolsonaro deixa local de votação no Rio de Janeiro no domingo: candidatos apoiados por ele não tiveram sucesso na maioria dos casos neste ano.RICARDO MORAES (Reuters)

“Não se pode dizer que os partidos dessa centro-direita saíram vencedores das eleições pois permaneceram onde sempre estiveram, apesar do avanço: no centro do poder na maioria das cidades”, afirma cientista político Francisco Fonseca, professor da Fundação Getúlio Vargas. “Agora, aquela candidatura outsider, da direita mais populista, os delegados, majores, tenentes, o empresário e o gestor, esse perfil perdeu espaço e mostra a retração do campo político bolsonarista. O presidente é o grande perdedor nessas eleições”, diz Fonseca.

Dos 13 candidatos a prefeito para os quais o presidente pediu voto nessas eleições, nove não foram eleitos e dois disputam o segundo turno. No Rio de Janeiro, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) caiu para segundo mais votado, com cerca de 30.000 votos a menos que em 2016. A grande exceção fica por conta d prefeito Marcelo Crivella, que foi ao segundo turno com 21% dos votos válidos contra Paes e se tornou a principal aposta do presidente para o segundo turno. Em São Paulo Celso Russomanno ficou em quarto lugar com 10% dos votos válidos.

Renovação

Para Fonseca, o resultado obtido até agora pode ser considerado positivo também para a esquerda de uma forma geral. “As duas últimas eleições, em 2018 e 2016, aconteceram sob o signo da Lava Jato, que foi massacrante para o PT principalmente. Esta é a primeira eleição livre dessa dominação, e trouxe resultados interessantes”, diz o professor. Para ele, apesar de o PT ter perdido pelo menos 76 cidades em relação a 2016, mostrou vigor em locas importantes e ainda comanda 250 municípios. “A Marília Arraes no Recife e o bom desempenho em cidades grandes fora das capitais, como Guarulhos e Diadema, mostram que o PT está ‘juntando os cacos’ e se reorganizando, apesar de ainda bastante combalido”, diz.

O desempenho de Guilherme Boulos, que pela primeira vez levou o PSOL ao segundo turno em São Paulo com 20% dos votos válidos, e de Manuela D`Ávila com o PCdoB e seus 29% dos votos válidos em Porto Alegre, mostram também uma renovação de nomes competitivos nesse campo político e o surgimento de novas lideranças capazes de superar a hegemonia do PT. Em São Paulo, o petista Jilmar Tatto conseguiu apenas 8% dos votos válidos.

Tanto PT como PSDB seguem vivos em disputas de segundo turno. O PT está presente em 15 dos 57 pleitos que terão o turno adicional para decidir o vencedor. O PSDB, em 14. Como todas essas cidades possuem mais de 200 mil habitantes, são centros urbanos politicamente importantes para a recuperação de eleitores e espaço nacional pelas siglas.

O PSDB perdeu 287 prefeituras em relação a 2016 e hoje comanda 512, mas mostrou-se forte na cidade de São Paulo. Bruno Covas chega ao segundo turno com 32% dos votos válidos e favorito para conseguir reeleger-se.

Doutor em ciência política, o escritor Vinícius Do Valle vê ainda o PDT voltando a disputar votos na centro-esquerda, no mesmo espaço do PSB, e uma reorganização descentralizada na esquerda. “O PT foi muito mal nas disputas do Executivo, mas foi bem em legislativos importantes”, diz. Em São Paulo o PT elegeu 8 vereadores, incluindo o mais votado, Eduardo Suplicy, que recebeu 167.552 votos. “Outro destaque foram as candidaturas identitárias que vieram muito fortes na esquerda esse ano, principalmente no PSOL: chapas coletivas, de minorias, mulheres negras e outras tiveram resultados expressivos”. Sobre o papel do presidente no pleito, Valle pondera que ele não está derrotado. “É um erro achar que Bolsonaro sai combalido dessa eleição. O presidente, afinal, aliou-se ao centrão, o grande vencedor, e participa dessa vitória de alguma forma”, finaliza.

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