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Anvisa alega “evento adverso grave” para suspender estudos da Coronavac, embora incidente não seja relacionado à vacina

Agência não avisou Butantan, como seria de praxe, que iria interromper testes clínicos que se encontram em estágio avançado. Evento que justificou suspensão não tem a ver com a imunização, apurou o EL PAÍS

O governador João Doria e o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, seguram uma dose da coronavac.
O governador João Doria e o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, seguram uma dose da coronavac.SEBASTIÃO MOREIRA (EFE)

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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou na noite desta segunda-feira a suspensão dos estudos clínicos em seres humanos da vacina Coronavac, contra o novo coronavírus. A medida teria sido tomada após o registro de um “evento adverso grave”, que não foi detalhado pela agência. Este tipo de interrupção, relativamente comum em estudos com imunizantes, ocorre quando um voluntário ou participante do estudo morre, fica incapacitado ou apresenta alguma outra reação grave, relacionada ao medicamento ou não. A gravidez de uma voluntária ou um atropelamento, por exemplo, poderiam ser considerados um evento grave. Embora o anúncio abrupto da Anvisa tenha dado a entender que a suspensão ocorreu por algum problema relacionado aos testes com a Coronavac, o EL PAÍS apurou que a ocorrência não está ligada à utilização da vacina, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech.

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O medicamento é testado no Brasil em parceria com o Instituto Butantan em 16 centros em sete Estados do país e no Distrito Federal, envolvendo centenas de profissionais de saúde e mais de 10.000 voluntários. A notícia da suspensão chocou profissionais próximos ao estudo. É inédito que a Anvisa tome uma medida dessa natureza sem consultar o patrocinador de uma vacina, no caso, o Butantan. Especialistas de dentro souberam pelos jornais sobre a interrupção. Em nota, o governador João Doria (PSDB) lamentou "ter sido informado pela imprensa e não diretamente pela Anvisa, como normalmente ocorre em procedimentos clínicos desta natureza”.

A medicação, que já se encontra na última fase dos ensaios clínicos no Brasil, é uma das principais apostas para a imunização contra o novo coronavírus, ao lado da vacina de Oxford, parceria da universidade britânica com a empresa farmacêutica AstraZeneca. O problema nos estudos teria ocorrido em 29 de outubro, segundo a Anvisa, que não forneceu mais informações sobre o caso para preservar o sigilo dos voluntários. O Butantan divulgou nota após o pedido de suspensão na qual se disse “surpreso” com a medida e afirmou estar “apurando em detalhes” os fatos. O instituto anunciou uma coletiva de imprensa para esta terça às 11 da manhã onde vai expor sua contrariedade. A previsão inicial era de que a entidade recebesse as primeiras 120.000 doses da Coronavac em 20 de novembro, para até o final de dezembro produzir 46 milhões de doses.

Também em nota, a Sinovac informou que foi avisada pelo instituto de que a ocorrência não está relacionada ao produto em teste e que continuará em contato com o Brasil sobre o assunto. “O estudo clínico no Brasil é realizado estritamente de acordo com os requisitos do GCP [Good Clinical Practice, padrão internacional] e estamos confiantes na segurança da vacina”, afirmou.

A falta de comunicação com o Butantan levanta especulações de que a decisão esteja motivada por algum teor político. Horas antes do anúncio da Anvisa, o governador João Doria, participou do início das obras de uma nova fábrica da Coronavac, com capacidade para a produção de 100 milhões de doses por ano. “É um dia histórico para São Paulo e para o Brasil. Um passo fundamental que consolida ainda mais o Instituto Butantan, e o Brasil, na liderança mundial em desenvolvimento e inovação tecnológica para a produção de vacinas”, afirmou o mandatário antes da suspensão dos testes. Doria e Bolsonaro se tornaram inimigos políticos, ambos de olho nas eleições de 2022.

Nesta segunda, a Pfizer também anunciou que os testes da sua vacina contra a covid-19 alcançavam 90% de eficiência, segundo análise intermediária de seu ensaio de fase 3, a última etapa antes de solicitar formalmente a homologação do produto. Após a notícia mundial, o vice-presidente Hamilton Mourão chegou a dizer que a vacina poderia ser objeto de compra do Governo.

A Coronavac já era alvo da queda de braço que se instaurou no país na guerra fria entre os Estados Unidos e a China, com o presidente Jair Bolsonaro pendendo para o primeiro. No dia 20 de outubro, o Ministério da Saúde anunciou protocolo de intenções de compra de 46 milhões de doses da Coronavac, num acordo fechado entre o general Eduardo Pazzuelo e governadores. Logo após o anúncio, o presidente Jair Bolsonaro desmentiu a intenção e afirmou que não compraria a vacina, uma vez que ela teria sido desenvolvida pela China. “Com a China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá”, afirmou, emulando Donald Trump, que se refere à covid-19 como o “vírus chinês”. O próprio ministro Pazzuelo se viu em uma saia-justa com o presidente após ter anunciado que o Governo Federal iria financiar a aquisição do medicamento. Dias depois, porém, a mesma Anvisa autorizou a importação de seis milhões de doses da Coronavac, atendendo a um pedido do Instituto Butantan.

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