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Eleições Brasil 2020
Tribuna
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Mais do que eleger mulheres, precisamos acabar com o ‘teto de vidro’ da política

Neste ano temos uma oportunidade única de levarmos mais mulheres para as Câmaras Municipais, mas nossa luta não pode terminar aí

Do plenário, parlamentares acompanham fala de deputado na tribuna da Câmara, em 21 de setembro.
Do plenário, parlamentares acompanham fala de deputado na tribuna da Câmara, em 21 de setembro.Naiara Araujo (Câmara dos Deputados)
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“Trabalho de madrugada porque não dou conta de tudo em casa”, a nova normalidade massacra as mulheres
Sao Paulo - BR - 03jun20 - Gabriela Jansen, 26, é analista de marketing de uma empresa de cosméticos francesa. Durante a quarentena ela trabalhou com a filha, Manuela, 6, e a mãe Birgit, 54, fisioterapeuta, em casa o tempo todo. As duas se revezavam nos cuidados com a menina de modo a poderem trabalhar. Com a retomada das atividades econômicas, as aulas não devem voltar, o que gera um problema sobre onde e com quem deixar a menina durante as jornadas de trabalho das duas.
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As mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto em 1932. No entanto, passados 88 anos dessa importante conquista, raramente as casas legislativas do nosso país são hoje presididas por uma mulher. Desde 2011, somente três mulheres ocuparam a cadeira de presidente das 27 Assembleias Legislativas, e nenhuma até hoje ocupou esse cargo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O fato de homens terem sido considerados os mais aptos e capazes para exercer esses importantes cargos de liderança deixa evidente que ainda temos um longo caminho pela frente para que nós mulheres tenhamos o nosso direito à participação política plenamente garantido.

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Apesar de as mulheres estarem conquistando, aos poucos, seu espaço no legislativo, e hoje representarem 13,5% dos vereadores, mulheres eleitas esbarram no chamado “teto de vidro”. Essa expressão descreve o fenômeno pelo qual as mulheres, apesar de estarem representadas em números cada vez maiores nas empresas, por exemplo, terem muita dificuldade de ocupar os postos de poder e liderança dentro dessas mesmas instituições. Essa situação é ainda mais grave na política. Uma vez eleitas, mulheres são empurradas para as margens e são sistematicamente excluídas dos principais espaços de tomada de decisão.

Prevalece na nossa sociedade uma percepção de que as mulheres, quando estão na política, devem se encarregar apenas de pautas consideradas femininas, por serem associadas aos papéis tradicionais da mulher cuidadora. Presidentes das casas legislativas e líderes partidários —que, como já vimos, são homens— não hesitam em nomear mulheres para presidir comissões focadas em promoção de igualdade de gênero e assistência social, por exemplo. Na Câmara dos Deputados, atualmente, as mulheres presidem somente quatro comissões permanentes: de Cultura, de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, de Defesa dos Direitos da Mulher e de Trabalho, de Administração e Serviço Público.

As mulheres raramente são consideradas aptas para atuarem em comissões como as permanentes de Constituição e Justiça e de Cidadania e a Comissão Mista de Orçamento, que até hoje não tiveram nenhuma deputada como presidente. Tampouco são escolhidas para relatar projetos como os das reformas tributária, administrativa e previdenciária. Não à toa, um estudo recente da ONU e PNUD ranqueou o Brasil em 9º lugar, dentre 11 países da América Latina avaliados, e deu nota 59,1 de 100 para nossa igualdade de gênero no legislativo. O relatório considera que, além do percentual de mulheres eleitas ainda ser baixo, há uma “consistente divisão sexual do trabalho político que exclui as deputadas e senadoras dos âmbitos decisórios de coordenação, perpetuando a aplicação da lógica do trabalho reprodutivo na carreira política.”

Sabemos que a baixa participação das mulheres em posições de liderança dentro das casas legislativas não é uma questão de capacidade, mas sim de barreiras culturais, além mecanismos que concentram todo o poder nas mãos de poucos. Diferentes estudos já comprovaram que mulheres elevam o QI coletivo. Ou seja, grupos com ao menos uma mulher têm um desempenho melhor em testes de inteligência coletiva do que grupos compostos somente por homens. Além disso, estudos mostram que uma maior participação das mulheres na política leva a um combate mais efetivo da corrupção, diminui a mortalidade infantil, diminui a desigualdade social e impacta o tamanho dos sonhos que as meninas têm, dentre vários outros impactos positivos para toda a sociedade. Diversidade e representatividade importam de maneiras que nem sequer podemos começar a imaginar.

Neste ano temos uma oportunidade única de elegermos mais mulheres para as Câmaras Municipais, mas nossa luta não pode terminar aí. Não podemos esperar termos 50% de mulheres nas casas legislativas para começarmos a questionar o teto de vidro, até porque ter mais mulheres em posições de liderança incentivará muitas outras mulheres a entrarem na política. Quando falamos sobre maneiras de quebrar o teto de vidro que ainda persiste nas empresas, sabemos que o caminho passa pela criação de oportunidades de crescimento e treinamento para mulheres ocuparem esses cargos, por uma discussão ampla e transparente sobre a cultura do trabalho e o valor que homens e mulheres trazem para a mesa e, por fim, pela acomodação das regras de trabalho para que as rotinas sejam mais amigáveis com mulheres que são mães, por exemplo. Na política não é diferente. Se tivermos coragem de encampar essas discussões como sociedade, acredito que poderemos ter, já no próximo biênio, mulheres não só na presidência das casas legislativas como também liderando as principais comissões e discussões do país.

Tabata Amaral (PDT-SP), Flávia Arruda (PL-DF), Margarete Coelho (PP-PI), Soraya Santos (PL-RJ) e Perpétua Almeida (PCdoB/AC) são deputadas federais.

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