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Cantor gospel e crítico da “ideologia de gênero”, governador interino do Rio acena ao bolsonarismo

Confirmado no cargo pelo STJ, Cláudio Castro deve indicar o procurador-geral que comandará caso da rachadinha de Flávio Bolsonaro a partir de lista tríplice da categoria

O governador interino Cláudio Castro, à direita, ao lado do afastado Wilson Witzel, no Palácio Guanabara em Laranjeiras, no Rio de Janeiro.
O governador interino Cláudio Castro, à direita, ao lado do afastado Wilson Witzel, no Palácio Guanabara em Laranjeiras, no Rio de Janeiro.Fernando Frazão/Agência Brasil
Gil Alessi
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Wilson Witzel gives a statement after a court temporarily removed the former federal judge from his office of Rio de Janeiro state Governor due to corruption charges, at the Palacio de Laranjeiras governors residence in Rio de Janeiro, Brazil, Friday, Aug. 28, 2020. Investigators accuse Witzel of participating in a scheme involving fraud in public contracts to benefit companies linked to him and others under investigation. (AP Photo/Silvia Izquierdo)
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Se Wilson Witzel tocava trompete, seu ex-vice e atual governador interino do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), também tem afinidade com a música. Membro da Renovação Carismática, uma corrente da Igreja Católica, ele é cantor gospel com dois discos solo lançados, além de ter feito parte do conjunto Em Nome do Pai. Enquanto os videoclipes nos quais ele solta a voz em louvação rendem até 15.000 visualizações em seu canal no YouTube, a seção dedicada à atuação política é mais discreta: seu discurso de posse como vice-governador foi visto por 154 pessoas. Até o afastamento de Witzel na última sexta-feira, Castro desempenhava a função de número 2 do Palácio Guanabara de forma discreta neste ano e meio de mandato. Agora, ainda mais depois de confirmado no cargo por ao menos seis meses pelo colegiado do STJ (Superior Tribunal de Justiça) nesta quarta-feira, atrai os holofotes para si.

Nascido em Santos, no litoral paulista, Castro foi eleito vereador pelo Rio em 2016, onde defendeu a proibição do aborto: “Tivemos a notícia [de um pedido] feito pelo PSOL para que o aborto seja liberado no Brasil até a 12ª semana. Você não ganha no voto e vai ao STF, chamar ele [o tribunal] para fazer ativismo jurídico! O direito inviolável à vida é cláusula pétrea da nossa Constituição”, afirmou à época na tribuna. Castro também usa o termo “ideologia de gênero”, uma muleta da extrema direita que busca atacar o conceito de identidade de gênero.

Dentro do meio político fluminense, ele é considerado um apaziguador. Serviu como interlocutor entre o Legislativo e o Executivo neste período de turbulência no Governo do Estado desde a abertura do processo de impeachment contra Witzel na Assembleia Legislativa do Rio, em junho. Como vice, coordenou o trabalho do Instituto de Segurança Pública do Rio, responsável por desenvolver metodologias e analisar os dados da área.

Desde que assumiu interinamente o cargo de chefe do Executivo estadual, Castro se esforça para dar um verniz estadista à sua atuação. Nas redes sociais fala sobre educação (“Estamos programando a reabertura das escolas do estado para alunos sem acesso à Internet”), economia (”Solicitei aos secretários de Trabalho, Fazenda e Desenvolvimento Econômico e Social a criação de um plano de retomada de empregos!”) e divulga reuniões de trabalho com o prefeito Marcelo Crivella (”Em reunião com o prefeito alinhamos que nossas equipes vão deliberar em conjunto a reabertura da economia e o retorno das atividades escolares”).

Apesar do esforço nas redes, Castro não é considerado como tendo muito capital político. Parte desta fraqueza se deve ao fato de que ele também foi citado na delação premiada de Edmar Santos, ex-secretário da Saúde que foi preso por seu envolvimento no esquema de corrupção atribuído a Witzel. Após ser preso, Santos delatou o ex-chefe e outros integrantes do Governo. A Procuradoria-Geral da República afirma haver a suspeita de que Castro, que também foi alvo da operação que terminou com o governador afastado, ajudasse a direcionar recursos da Saúde.

Uma vitória para o clã Bolsonaro

Politicamente, a decisão do Superior Tribunal de Justiça de manter o afastamento de Witzel do cargo por 180 dias, tomada nesta quarta-feira, e a manutenção de Castro no cargo de governador interino é uma vitória para o clã Bolsonaro. Castro já sinalizou que busca uma aproximação com a família do presidente após meses de atritos e acusações entre o ocupante anterior do Palácio do Guanabara com o do Planalto. A expectativa é que, com Castro no comando do Estado, as investigações que tramitam no Rio envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) por um suposto esquema de rachadinha não tragam grandes surpresas para a família presidencial. Está nas mãos do novo líder do Executivo estadual indicar o chefe do Ministério Público do Rio e da Polícia Civil, que coordenam as investigações.

Para se manter no cargo, Castro aposta em uma aproximação com os Bolsonaro. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, ele anunciou a interlocutores que estaria disposto a deixar a legenda do governador afastado (liderada pelo Pastor Everaldo, detido na sexta-feira e atualmente desafeto dos Bolsonaro), e disse que não tomaria medidas drásticas sem antes consultar o Planalto. Ainda de acordo com o jornal, o governador em exercício sinalizou inclusive que pretende ouvir o clã do presidente sobre a sucessão na Procuradoria-Geral de Justiça do Rio ―à diferença do Ministério Público Federal, Castro é obrigado, por lei, a escolher entre os três promotores indicados pela categoria. É lá que tramitam processos que envolvem a família de Jair, dentre eles o inquérito que investiga um suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro à época em que ele era deputado estadual.

Essa investigação, que chegou a respingar na primeira-dama ao surgirem informações de que ela recebeu um depósito de 89.000 de Fabrício Queiroz (ex-assessor de Flávio e pivô no escândalo), é crucial para o Planalto. O rompimento entre o clã presidencial e Witzel, que se elegeu na esteira do bolsonarismo, tem relação com estas apurações feitas pelo Ministério Público do Rio e pela Polícia Civil, bem como com o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson. Para o presidente, o governador afastado, a quem se refere como traidor, persegue tanto ele e como seus filhos via corporações do Estado. O fato que aprofundou a discórdia foi o vazamento, em outubro de 2019, do áudio da portaria do condomínio Vivendas da Barra, onde o mandatário vive. Na gravação um dos acusados de assassinar a parlamentar conversa com o porteiro, que teria dito em depoimento à polícia que o visitante iria à casa do “seu Jair”. O presidente estava em Brasília na data.

Bolsonaro se defendeu atacando: “No meu entendimento, o senhor Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil para tentar me incriminar ou ao menos manchar o meu nome com esta falsa acusação”. O presidente foi além, e creditou a eleição do governador à popularidade de sua família. “[Witzel] Colou no Flávio Bolsonaro e em mim para poder se eleger governador do Rio de Janeiro. Depois de eleito, elegeu Flávio e eu como inimigos”, afirmou. Witzel negou qualquer vazamento, e alegou não transitar “no terreno das ilegalidades”.

Os acenos de Castro foram bem recebidos em Brasília. Nesta segunda-feira, o governador interino foi às redes sociais comemorar um telefonema que teria recebido do senador Flávio. “Recebi agora há pouco uma ligação do senador, que se colocou à disposição para ajudar o Estado do Rio de Janeiro na renovação do Regime de Recuperação Fiscal. Diálogo! Todos pelo Rio!”, escreveu.

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