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Ofensiva de Aras e decisão de Toffoli que blinda Serra jogam Lava Jato contra as cordas

Procurador-geral acusa forças-tarefas de manter "caixa de segredos" e une esquerda e bolsonarismo anti-Moro. Presidente do STF paralisa investigações contra tucano

Gil Alessi
O procurador-geral da República, Augusto Aras, em sua casa em abril.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, em sua casa em abril.Pedro Ladeira (Folhapress)

Primeiro, o revés veio do procurador-geral da República, Augusto Aras. Na noite de terça-feira, ele fez seu ataque mais duro à Lava Jato desde que tomou posse no cargo, em outubro de 2019. Durante uma transmissão ao vivo realizada com advogados do grupo Prerrogativas, do qual fazem parte juristas e defensores críticos à operação e que representam políticos e empresários alvos da força-tarefa, ele insinuou que os procuradores de Curitiba, liderados por Deltan Dallagnol, possuem uma “caixa de segredos” com dados de mais de 38.000 pessoas. “Não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos, com caixas de segredos”, afirmou. A investida de Aras contra a Lava Jato traz uma novidade no cenário político: coloca parte do bolsonarismo que já estava ressentida com a saída de Sergio Moro do Governo e as acusações feitas por ele ao presidente ao lado de partidos de oposição que sempre criticaram os excessos da operação —principalmente os cometidos contra o ex-presidente Lula e outros petistas. Para completar a má semana da Lava Jato, nesta quarta-feira veio à tona a notícia de que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Antonio Dias Toffoli, decidiu paralisar parte do braço mais ativo atualmente da operação, o de São Paulo. Toffoli suspendeu duas investigações em curso contra o senador tucano José Serra.

Na terça, tudo no movimento do procurador-geral foi simbólico. Durante pouco mais de duas horas, Aras participou de um debate com alguns dos maiores críticos da Lava Jato, algo sem precedentes desde o início da operação. Alguns dos organizadores da live, por exemplo, irão lançar em agosto um livro com críticas à atuação de Moro à frente da Lava Jato. Intitulado O Livro das Suspeições: o que fazer quando sabemos que Moro era parcial e suspeito?, a compilação contará com textos de juristas e advogados críticos ao ex-juiz. Todo o tema é um nó para Bolsonaro, porque, apesar de rompido com Moro, ele foi eleito com discurso de defesa da operação e contra a “velha política”. Aras e o presidente, por sua vez, tem outros interesses cruzados. O procurador-geral é cotado para uma vaga no Supremo, segundo o próprio Bolsonaro. É também responsável por processos sensíveis para o mandatário, como o inquérito que investiga fake news contra ministros da Corte e que já afeta bolsonaristas e pode esbarrar nos filhos do presidente. É ele também que conduz uma investigação contra Bolsonaro, acusado por Moro de interferir na Polícia Federal.

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Durante o debate, Aras afirmou que “todo o MPF, em seu Sistema Único, tem 40 terabytes [medida de armazenamento de dados]. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba tem 350 terabytes e 38.000 pessoas com dados depositados [no banco]. Ninguém sabe como foram escolhidos, quais foram os critérios”, disse, referindo-se também ao que chamou de “MPF [lado] B”. Ele cobrou transparência, e questionou: “Quem controla o controlador? Quem fiscaliza o fiscal?”. “Agora é a hora de corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure. Mas a correção de rumos não significa redução do empenho no combate à corrupção”, afirmou. Segundo Aras, sua atuação à frente do MP tem como objetivo mudar a imagem do “MP punitivista”. “Mudamos o perfil punitivista para modernizar o MP, para que ele aja preventivamente”, disse.

Em nota de repúdio divulgada nesta quarta-feira, os procuradores da Lava Jato reagiram e chamaram os ataques de Aras de “genéricos e infundados”. “A ilação de que há ‘caixas de segredos’ no trabalho dos procuradores da República é falsa, assim como a alegação de que haveria milhares de documentos ocultos (...) É falsa a suposição de que 38.000 pessoas foram escolhidas pela força-tarefa para serem investigadas”, informaram no texto. O ex-juiz da operação em Curitiba e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, seguiu a mesma linha e rebateu no Twitter as acusações do procurador-geral. “Desconheço segredos ilícitos no âmbito da Lava Jato. Ao contrário, a operação sempre foi transparente e teve suas decisões confirmadas pelos tribunais de segunda instância e também pelas cortes superiores, como STJ e STF”, escreveu. Um processo que pede a suspeição de Moro no julgamento do ex-presidente Lula será julgado no Supremo após o término da pandemia.

Por fim, a Associação Nacional dos Procuradores da República também saiu em defesa da Lava Jato. “As forças-tarefas se constituem em modelo internacional de sucesso nas grandes e complexas investigações realizadas e, por isso, vêm sendo utilizadas com bastante êxito no MPF nas últimas décadas”, diz a nota. Mais à frente o texto diz que “no que concerne especificamente à Operação Lava-Jato (...) apesar dos trabalhos correcionais [de fiscalização] efetivados, nenhuma irregularidade restou identificada”.

Lava Jato de São Paulo e julgamento de Dallagnol

Algumas das críticas do procurador-geral foram feitas diretamente à força-tarefa de São Paulo, responsável pela denúncia contra o senador José Serra no início do mês. A ação contra o tucano foi considerada por críticos como “espetaculosa”, e teria sido feita para criar uma “falsa ideia” de que a Lava Jato não é partidária. De acordo com Aras, estes procuradores construíram uma “metodologia de distribuição [dos processos] personalizada em que membros escolhem os processos que querem”. Em nota o braço paulista da Lava Jato rebateu a acusação, e informou em nota que “a distribuição dos processos (...) segue exatamente os mesmos critérios adotados para qualquer feito que dê entrada na Procuradoria da República em São Paulo”.

Horas depois, no entanto, viria o novo revés pelas mãos de Toffoli, com a paralisação de duas apurações que correm contra Serra na Justiça Eleitoral e na Justiça Federal paulistas. O ministro do Supremo acatou o argumento de defesa do tucano de que a operação de busca e apreensão em seu gabinete, ocorrida em 3 de julho, feriu o princípio de foro privilegiado. Agora, nenhum investigador pode usar nada apreendido ou usar a quebra de sigilo bancário solicitada até que Gilmar Mendes, relator do caso na Corte, decida a respeito, o que só deve ocorrer após o recesso do Judiciário.

Nesta quarta, procuradores da Lava Jato em São Paulo debatiam o alcance da decisão de Toffoli. No entendimento deles, Toffoli só blindou Serra das ações específicas decorrentes da operação de dia 3 de julho. Ou seja, todo o resto do processo segue como estava. O tema não é menor porque justo nesta quarta-feira a Justiça Federal acatou a denúncia do MPF e tornou o senador e filha dele, Verônica, réus por lavagem de dinheiro.

A espera pelas definições sobre o caso de Serra se misturam à outra contagem regressiva, a para o julgamento de Deltan Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público, previsto para 18 de agosto. As falas de Aras sobre abusos da Lava Jato alimentam a tensão porque o processo em curso pede o afastamento de Dallagnol da força-tarefa justamente por acusá-lo de agir de forma inapropriada. Existe a expectativa de que o procurador-geral apresente durante a sessão eventuais irregularidades encontradas nos bancos de dados da operação.

Outras peças também se moveram rápido no tabuleiro. Em uma amostra da força da coalizão anti-Lava Jato, em entrevista à Rádio Bandeirantes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), saiu em defesa do procurador-geral. Ele disse que Aras “tem muito mais informações do que nós temos para fazer a crítica e o alerta”. Ele também criticou algumas das ações recentes das forças-tarefas, como a que mirou o senador José Serra: “Está se fazendo buscas e apreensões de coisas de 2010 em 2020. Coisas que geram apenas constrangimento”. O deputado concluiu, dizendo que “o Ministério Público é um órgão fundamental para nosso País (...) mas a impressão que me dá é que não gostam de ser fiscalizados muitas vezes”. Maia também deferiria um golpe indireto à Lava Jato ao anunciar que colocará em votação um projeto para impedir que juízes ou membros do Ministério Público se candidatem por até oito anos após deixarem seus cargos. A intenção declarada é evitar que eles usem processos contra políticos como trampolim, mas, se aprovado, o texto cairia como uma luva para barrar Sergio Moro ou Dallagnol em 2022, por exemplo.

A ofensiva do PGR contra operação, no entanto, não começou nesta terça-feira. Os conflitos entre procuradores da Lava Jato e Aras ganharam força em maio, depois que ele solicitou às forças-tarefas de Curitiba, São Paulo e Rio todas as bases de dados completas da operação. Em um episódio que elevou o grau de atrito entre as partes, a coordenadora da Lava jato no Supremo Tribunal Federal, Lindôra Araújo, foi enviada por Aras a Curitiba, mas teve negado o acesso ao material. Procuradores acionaram a corregedoria afirmando que se tratava de uma “busca informal” por parte de Araújo. Semanas depois o presidente do STF, Dias Toffoli, determinou que a força-tarefa envie à PGR todos os dados das investigações, uma grande derrota política para a Lava Jato. Além disso, ganha força no MPF uma ideia encampada por Aras que propõe a criação de um órgão central de combate à corrupção, a Unidade Nacional Anticorrupção (Unac), à qual ficariam subordinadas as forças-tarefas.

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