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Michel Temer: “Nunca traí nem Dilma, nem ninguém. Especialmente não traí a mim mesmo”

Ex-presidente diz que não pretende seguir movimentos de oposição a Jair Bolsonaro e refuta a ideia de que tenha dado início à militarização da Esplanada dos Ministérios

O ex-presidente Michel Temer, em imagem de 2019.
O ex-presidente Michel Temer, em imagem de 2019.Julián Rojas

Quando Michel Temer (Tietê, São Paulo, 1940) deixou a presidência do Brasil em 2018, parte da população o via como um golpista, um traidor da presidenta Dilma Rousseff (PT), de quem era vice até 2016. Uma elite econômica cansada do PT e protestos da centro direita culminaram com o impeachment de Rousseff e alçaram Temer à presidência. Teve apoio dessa mesma elite e do Congresso, mas sempre teve a popularidade baixa. Deixou o Governo com 7% de aprovação.

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Sucedido por Jair Bolsonaro, um radical de direita, o político do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) passou a despertar nostalgia. Com gestos suaves , aos 79 anos volta ao debate público na onda das entrevistas por videoconferências que se multiplicaram na pandemia. Diz ter participado de mais de 60 entrevistas online nos últimos meses. Em todas, evita criticar seu sucessor diretamente. Sobre seu passado, nega que tenha traído a mulher que o fez vice-presidente, ou que tenha atuado a favor de sua destituição. “Eu fiz o que pude pelo Governo”. Temer é alvo de vários processos na Justiça por suspeita de corrupção, alguns derivados de investigações da Lava Jato. Leia os principais trechos da entrevista.

Repercussão mundial da covid-19 do presidente

Houve repercussão nacional e internacional, forte popularidade do seu nome — não quero dizer se é positiva ou negativa — dele e do Brasil. Não escondeu o fato. Esperamos que ele logo melhore, adote métodos científicos para se curar, importante para ele e para o país. O país precisa saber que o presidente adotou critérios médicos. [Bolsonaro falou publicamente que toma cloroquina, medicamento sem comprovação de que funciona no combate à doença].

Por que tirou o nome de um protesto pró-democracia

Não desisti da defesa da democracia. Toda vez que falo, saliento e enalteço o papel fundamental, é a derivação da própria Constituição. Me pediram um vídeo para o movimento Direitos Já. O condutor desse projeto, Fernando Guimarães, me telefonou para dizer que estava pegando declarações de umas 100 pessoas, que iam sustentar o conceito de democracia e vida, no confronto que houve entre vida e economia [debate aberto em função da pandemia]. Eu disse que faria. Mas depois eu vi que era um movimento de oposição a Bolsonaro. Um ex-presidente tem de ser muito discreto. Digo o que é importante ao país, mas eu não quero entrar numa campanha a favor deste ou aquele. Quando vi que era um movimento contra Bolsonaro, contra o presidente, eu decidi que não ia participar. Não porque eu seja a favor ou contra Bolsonaro, mas não quero participar de nenhum movimento a favor ou contra. O [ex-]presidente Sarney também não participou, nem o presidente do Supremo. Não tem lado. O lado é a favor da democracia. Mas quando vi que era movimento de natureza política eu confesso que não me senti à vontade.

Michel Temer, durante a entrevista concedida ao jornal, transmitida ao vivo.
Michel Temer, durante a entrevista concedida ao jornal, transmitida ao vivo.

Brasil e a democracia hoje

Falar da defesa da democracia é nada mais que cumprir a Constituição Federal. Veja que no Brasil não é apenas um Estado democrático ou um Estado de Direito. Na ciência política são expressões mais ou menos equivalentes. Como constituinte, queríamos tanto reforçar tanto a ideia da democracia que dizíamos Estado democrático de Direito. Quando me perguntam se a democracia corre risco, eu confesso que não acho que corre. Acho que as instituições estão funcionando adequadamente. Enquanto for assim, não há risco para a democracia. Em síntese, temos de defender a democracia, mas eu não entro em movimento político que vise derrubar a A ou B ou C.

Comportamento de Bolsonaro

Em entrevistas, e a interlocutores do presidente que me pediam alguns palpites, eu dizia com toda franqueza que ele não podia falar na saída do Palácio da Alvorada. Ele tem 50, 100 apoiadores, para um Brasil que tem 211 milhões de habitantes. A palavra do presidente no presidencialismo é muito forte. Ela faz a pauta do país. Você não pode fazer a pauta, a agenda do país às 8h30/9h00 da manhã. Entra muitas vezes num confronto. Não faz bem ao país. Ele tem de saber que é presidente da República, a palavra dele é fortíssima e repercute em todo o país. Eu sugeri o que fiz no meu Governo. Eu tinha um porta-voz que ao final do dia, começo da noite, dizia o que foi feito. E eu dava uma coletiva uma vez por semana. Mas não pode todo dia. Segundo ponto. Não tem sentido o presidente comparecer a eventos onde uns poucos defendem o fechamento do Supremo, do Congresso, porque contradiz a Constituição. Você pode até não dizer nada contra os poderes, mas um movimento em que há faixas negativas não pode ser prestigiado. Intervenção militar? Tire isso da frente. Não há a menor possibilidade.

Forças Armadas “não têm a menor intenção de tomar o poder”

Tive muito contato com as Forças Armadas durante a presidência da Câmara, a vice-presidência, e como presidente da República. Eles não têm a menor intenção de tomar o poder. Pelo contrário, sempre me diziam que eram servidores da Constituição Federal. Em 2016, houve no final do ano muitas rebeliões de presídio, eu chamei os comandantes das Forças Armadas, juntamente com o ministro da Defesa. Falei a eles que precisaria muito deles, para haver varredura nos presídios. O [comandante do Exército, Eduardo] Villas Boas me disse. “Presidente o senhor é o comandante das Forças Armadas. Diga o que devemos fazer”. A partir daí eu verifiquei que eles eram cumpridores rigorosos do texto constitucional. Não há a menor possibilidade [de intervenção]. De uns 20 dias para cá, o presidente acabou não fazendo mais esses gestos [participando de atos antidemocráticos] porque as palavras são comprometedoras, elas comprometem a sua ação.

Militarização em seu Governo

Eu não tive militares em um número imenso no meu Governo, ao ponto de dizer que eu inaugurei uma fórmula para trazer os militares ao Governo [Temer quebrou a prática, que existia desde o Governo FHC (1995-2002) de colocar um civil como ministro da Defesa] . Quero ressaltar o seguinte, eu nunca fiz e nem faço distinção entre militares e civis. São todos brasileiros. O militar quando vai ocupar uma função civil no ministério ele está desempenhando uma atividade civil. O risco, o perigo é que ele chegue lá como militar e se comporte como militar e daí queira dar golpe como militar. Isso é perigoso. Mas se você colocar um militar preparado, ajustado à democracia, numa função civil, ele passa a exercer uma atividade civil.

Calmaria depois da detenção de Fabrício Queiroz

Se essa detenção [do pivô do investigação de corrupção contra Flávio Bolsonaro] gerou isso no presidente, acho que foi um fato positivo. Se em função disso que ele parou, melhor para ele e melhor para o país. Não ajudava o país, nem o Governo e nem ele. Nesses 20 dias, ele percebendo que a coisas melhoram com mudança de atitude creio que, por sabedoria política, ele continua no mesmo diapasão. São palpites, mas sabedoria política revela que se deu certo, vamos continuar.

Aliança com o Congresso, que antes rejeitava

Executivo tem essa denominação porque executa a vontade popular. Quem vocaliza essa vontade? É a lei. Quem produz a Lei? O Legislativo. Essa coisa de achar que presidente pode tudo é fruto de nossa política institucional que vem do Brasil Colônia até hoje, achando que concentração de poder reside na figura do chefe do Estado e de Governo. Não é assim. A Constituição diz que quem governa é Executivo e Legislativo e se houver controvérsia, quem soluciona é o Judiciário. Necessariamente, acho que ele vai ter que trazer Congresso para governar com ele.

Entrega de cargos com o Centrão

Acho que isso é um preconceito que não deve existir. Veja, quando digo trazer Congresso para governar com ele, nada impede que congressistas indiquem nomes. Quando se assume a presidência, há 450, 500 cargos para preencher. Cargos de confiança, direções. O presidente não tem 500 nomes na cabeça para colocar no lugar. Nada impede que agentes públicos indiquem nomes. Cuidados a se ter são os critérios técnicos e éticos. Quem esta no Congresso não foi levado pela centelha divina. Foi levado por quem tem poder, que é o povo. O regime é republicano porque se ancora na ideia de temporalidade de mandato. Se não der certo, elimina e coloca outro. Sou contra rótulo. Centrão, direita, esquerda. Não existe mais. O que interessa ao povo é o resultado. Se for positivo, muito bem. É questão de coerência política também. Vamos dizer que tais partidos pertencem ao Centrão. Portanto, tomo liberdade de colocar entre aspas e dizer “é gente que não vale nada”. De “não vale nada” para indicar um nome também tem que coerentemente dizer “não quero o voto dessa gente, não”. Quando tiver projeto meu lá, quando tiver conversão de medida provisória, não quero esses votos. Você imaginou o que é perder 150, 160, 170 votos no Congresso Nacional?

Protesto contra reforma

Eu nunca tive povo na rua contra mim, né? Você vê as denúncias que houve, não havia um brasileiro na frente do Congresso Nacional. Houve, sim, na reforma da Previdência, que nós brigamos por ela. E tanto brigamos que conseguimos convencer o país e o Congresso de sua indispensabilidade, que no começo do Governo Bolsonaro nós conseguiram aprovar a reforma da Previdência. Ali, sim, houve movimentos o pretexto era o de que a reforma, falsamente se alardeou que nós íamos tirar direitos dos mais pobres, quando, na verdade, quem fez aquele movimento, foram os privilegiados do serviço público. Foram aqueles que ganhavam 30.000, 40.000, 50.000 [reais] e não queriam reforma da Previdência de jeito nenhum. Naquele período, sim, houve um movimento de rua. Mas não era contra o meu Governo, era contra a reforma da Previdência.

O movimento Fora Temer

O que era o Fora, Temer? Era um movimento político. Com muita legitimidade, até. Eu que sou um democrata, eu digo, é natural de quem perdeu o poder. Tem de combater mesmo que está no poder. Então, eu aceitava com maior naturalidade. Em uma das últimas entrevistas que eu dei antes de sair da Presidência, um colega de vocês me perguntou: “O que você vai mais sentir falta da Presidência?”. Eu vou sentir falta do Fora, Temer. Porque eu já estarei fora, mesmo. Quando eu estava aqui ainda tinha o fora, Temer.

O impeachment de Dilma

Às vezes querem insinuar que a ex-presidente Dilma é incorreta, eu faço questão de, nas entrevistas, dizer que a presidente Dilma no plano pessoal era extremamente honesta. Ela não tem uma desonestidade a macular a vida dela. Aqui no Brasil, a pessoa, quando está no outro lado, quer destruir o outro. Isso é muito ruim para a nossa cultura. Eu faço essa observação positiva em relação à senhora ex-presidente. É claro que ela teve problemas, as pedaladas [fiscais], as dificuldades com o Congresso, as milhões de pessoas [em protestos] nas avenidas. Porque quem derruba presidente não é o Congresso Nacional. Quem derruba é o povo nas ruas. O povo nas ruas sensibiliza o Congresso, e daí o Congresso derruba o presidente.

A atuação na destituição da presidenta

Ela [Dilma] vai se recordar que eu fui uma vez ao Palácio da Alvorada. O presidente da Câmara [Eduardo Cunha] tinha me procurado e dito: “O PT está me apoiando, portanto eu vou arquivar todos os pedidos de impeachment”. Eu fui a ela e disse: “Presidente, durma tranquila. O presidente da Câmara acabou de me dizer isto, etc., etc., etc.” Ela disse: “Ô, coisa boa, Temer. Excelente”. Até chamou um outro ministro para contar isso. Mas tempos depois o PT começou a fustigar o presidente da Câmara e o presidente que, tinha me dito que havia um dos pedidos que era quase impossível negar sequência, que ele achava que ia dar questão judicial, ele abriu o pedido de impeachment. Ou seja, com isto quero evidenciar que, evidentemente, não trabalhei pelo impedimento. Tem mais, quando começou o processo de procedência da acusação na Câmara dos Deputados, eu vim para São Paulo. Fiquei aqui um bom período. Só voltei uns três ou quatro dias antes da votação porque estava começando a pegar mal aquela história de eu não estar em Brasília. Em várias oportunidades eu era chamado exatamente para isso, e só para isso. Eu era chamado quando havia dificuldades junto ao MDB. Eu ia lá e acertava a situação toda. Portanto, apoiando o Governo. Eu fiz o que pude pelo Governo.

- Poderia ter feito algo mais?

Não sei o que poderia fazer. Vou dizer a vocês. Uma ocasião, o presidente Lula me ligou durante o processo [para falar] sobre o MDB. Eu disse: “Presidente, eu vou examinar”. Até encontrou-se comigo em Congonhas. E eu chamei o pessoal do MDB. Mas a coisa tinha tomado tal vulto que eu percebi que seria quase impossível segurar aquilo lá [o impeachment].

“Nunca traí nem a presidente, nem ninguém”

Essa palavra traição eu nunca ouvi no PT. Eu ouvi a palavra “golpe”. Eles até têm certa consideração por mim. Eles nunca individualizam demais. Quando falam em golpe, entendem que foi um golpe de vários partidos. Um golpe parlamentar, etc. Traíra, confesso que é a primeira vez que eu ouço a palavra. Eu nunca traí nem a presidente, nem ninguém. Especialmente não traí a mim mesmo, as minhas convicções.

Oposições aos presidentes

Qual foi o Governo que não teve um “fora presidente”? Eu não me lembro de nenhum, seja num governo autoritário, seja num governo democrático que não tenha tido um movimento fora fulano. Eu sei que essas coisas que eu digo as pessoas não levam a sério. Porque aqui no Brasil instalou-se muito essa coisa do punitivismo, do ódio contra ódio. Muitas coisas que eu digo, eu digo pensando o seguinte: quem está me ouvindo está achando que eu vivo em Marte.

Papel do Governo Bolsonaro

O papel do Governo Bolsonaro, e ele vinha fazendo, era dar sequência ao meu Governo. Você sabe que ele, em várias oportunidades até, ele critica os governos anteriores. Mas no meu Governo ele diz: se não fosse o Governo Temer ter feito isso, aquilo, etc., etc., etc. Ele deu sequência ao meu Governo. Ele levou para a Infraestrutura uma pessoa formidável, que me ajudou muito na Presidência, o Tarcísio de Freitas, que era o secretário-executivo do PPI (Programa de Parceria e Investimentos). Tempos atrás ele me disse: olha presidente, nós estamos fazendo as coisas que estavam pré-datadas no seu Governo. O meu Governo não foi de quatro anos, de oito anos. Foi um governo de dois anos e meio. Um Governo curto. Eu acho que ele estava dando sequência. E tanto é verdade que vocês viram que a inflação continuou estável, ficou em 3,75%, os juros continuaram a cair. O Governo ia caminhando. Aí, veio a pandemia. A pandemia, realmente, estragou tudo. Vai precisar começar do zero.

Centro não se une

Se formos nos ater a esses conceitos, de siglas, sabe o que acontece com o centro, ele é muito atomizado, ele não consegue se unir. Cada um quer tomar o seu caminho. Para voltar ao campo dos rótulos, a esquerda é muito unida. Quando ela consegue se unir, ela vai em frente. A extrema direita também consegue se unir. O centro, não. Pode pegar as figuras hoje detectáveis como “centráveis”. Pode verificar que cada um tem o seu projeto. Está difícil. Talvez, para ficar no campo dos rótulos, tivesse um de extrema esquerda, um de extrema direita e um de centro. Isso seria a razoabilidade eleitoral. Neste momento eu não vejo o centro capaz de ter essa unidade desejável, mas de difícil execução.

Justiça parcial ou imparcial a partir da Lava Jato

A Lava Jato é um vocábulo que se deu para uma coisa que a Constituição proíbe. A Constituição proíbe a improbidade administrativa. Resolveu-se rotular-se cinematograficamente, jornalisticamente aquele combate à impunidade como Lava Jato. Se for restringir-se à ação do pessoal que trabalhou na Lava Jato. De fato, a Justiça imparcial é uma coisa fundamental. Sabe para que existe o Judiciário? Para que não seja parte interessada no litígio. Isso é parte do sistema democrático. Você é um cidadão comum, você tem um problema qualquer, você sabe que pode bater às portas de um poder qualquer, o Judiciário, que é imparcial. O risco que eu corro aqui é dizer: Temer é contra a Lava Jato. Eu não sou contra a chamada Lava Jato. Tenho desprezo pelo vocábulo, mas não tenho desprezo pela ideia de combate à impunidade. Pelo contrário, acho que eles prestaram um papel. Eles despertaram bastante fortemente a ideia de combate à improbidade, à corrupção. Isso foi útil. Agora, quando começa a se tratar diferentemente pessoas da área pública, especialmente, é claro que fere esse princípio da imparcialidade.

Legado imediato do Governo Temer

Não é daqui a dez ou vinte anos, não. Eu estou sendo lembrado atualmente como um presidente que fez reformas no país, que recuperou a economia, ainda que palidamente. Eu espero que, mais adiante, realmente, as pessoas possam dizer que eu fiz as reformas indispensáveis ao país. Uma crítica que faço ao Governo Bolsonaro, não uma crítica, uma observação, é de ele ter juntado os ministérios da Justiça com o da Segurança Pública.

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