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Gabriel foi preso por roubo. A única prova foi a cor de sua pele

Jovem foi detido em Salvador apenas por se enquadrar na descrição de ladrão “negro, loiro e tatuado”, segundo sua defesa. Mobilização nas redes levou Gabriel a ser solto em 24 horas

Gabriel Silva Santos, 22 anos, preso pela Polícia Militar da Bahia por suspeita de roubo
Gabriel Silva Santos, 22 anos, preso pela Polícia Militar da Bahia por suspeita de rouboReprodução Instagram (Ponte)

Ser negro, ter cabelo loiro e usar tatuagens foi o que bastou para Gabriel Silva Santos, 22 anos, ser preso pela Polícia Militar da Bahia por suspeita de roubo. Indignados, militantes negros e antirracistas criaram a campanha #SoltemGabriel e conseguiram a libertação do jovem em 24 horas.

Gabriel, que trabalhava como estoquista, havia perdido o emprego, assim como muitos brasileiros, por causa da pandemia do novo coronavírus. Na tarde de sexta-feira, ele saiu de casa para sacar o seguro-desemprego, em Salvador. Na saída do banco, enquanto falava no celular, foi abordado por uma viatura da Polícia Militar.

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Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Civil baiana, os policiais militares estavam atrás de um homem que havia roubado um carro na região em 10 de junho que estava exigindo dinheiro do proprietário para devolver o automóvel.

O único indício contra Gabriel era a descrição do ladrão como alguém negro, loiro e com tatuagens. Levado à Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos, foi colocado pelos policiais diante da vítima e do marido dela, que não o reconheceram. A família foi até lá e contou que o jovem era inocente e nem sequer sabia dirigir.

Mesmo assim, a Polícia Civil registrou a prisão de Gabriel como tendo sido em flagrante. A Justiça converteu a prisão em flagrante de Gabriel em temporária, válida por cinco dias e prorrogável por mais cinco. Na delegacia, Gabriel, que sofre de asma, ficou em uma cela com 14 presos, sendo que seis estão com suspeita de covid-19.

No sábado, familiares e amigos organizaram um protesto em frente à delegacia onde Gabriel estava detido. No mesmo dia, uma campanha nas redes sociais levantou a hashtag #soltemGabriel, que viralizou com a ajuda de militantes antirracistas de diversas partes do país.

A campanha começou quando a repórter Ashley Malia, do jornal A Tarde, que também é colaboradora da página Pretitudes, divulgou em seu Twitter a notícia da prisão. A tag chegou a ficar em primeiro lugar no Twitter. O comunicador Raull Santiago, do coletivo Papo Reto, e o engenheiro civil Levi Kaique, colunista do Mundo Negro, fizeram parte dessa mobilização.

Com a grande repercussão do caso, Gabriel foi solto na manhã deste domingo, depois que os advogados entraram com um pedido de habeas corpus. Participaram do caso os advogados Alberto Mariano, Dandara Amazzi Lucas Pinho, Filipe Pinheiro, Maria Eugenia Damasceno Pinto e Paulo Cesar dos Santos Junior.

“Existem inúmeros casos como o de Gabriel, de pessoas negras que vão presas injustamente. Apesar de a gente viver em Salvador, uma das cidades mais negras, sofremos muito com o racismo. Temos uma polícia extremamente violenta”, disse a jornalista à Ponte.

Ashley relatou a conversa que teve com Gabriel na manhã deste domingo, quando ele foi solto. “A polícia já saiu do carro atirando. Ele achou que era um assalto e deixou o celular no chão, levantou as mãos. Aí ele descobriu que estava sendo preso. Dispararam tiros perto do ouvido dele”.

“Aqui temos uma polícia extremamente violenta e violenta com pessoas negras. Vivemos em uma cidade que é majoritariamente negra, mas somos vistos como suspeitos, como alvo. Nós não temos o direito de ser inocente até que se prove o contrário. O caso de Gabriel é mais uma prova do quanto estamos diante de um Estado racista”, afirmou.

Em entrevista à Ponte, a advogada Maria Eugênia Damasceno Pinto, que também é presidente do Connegro (Coletivo Nacional de Organização Negra), comemorou a liberdade do jovem. “Se não fosse a velocidade do habeas corpus e a mobilização talvez hoje ele estaria no presídio e não em casa comendo uma feijoada com a família”.

Segundo a advogada, a prisão do jovem foi convertida sem ter passado pela audiência de custódia. "Tiraram esse direito dele”, diz. A Polícia Civil nega. Agora, ela afirma, a luta é para retirar a acusação contra Gabriel. “Precisamos que a mobilização continue, para que esse caso seja arquivado e não fique instaurado nada no nome dele. Essa denúncia foi infundada e ilegal. Ainda não marcaram a data para que isso aconteça”.

Apesar de Gabriel ter dividido uma cela com suspeitos de covid-19, a advogada afirma que a Polícia Civil não foi negligente. “Eles permitiram que levássemos comida e a bombinha da asma para o Gabriel. Os agentes civis só não liberaram o acesso às famílias porque senão teriam que liberar para os demais”.

A advogada avalia que o caso teve pontos positivos e negativos. “A parte ruim foi a prisão de um jovem, que independente do futuro dele, não sairá de seu psicológico”, opina. “O lado bom é que conseguimos unir coletivos, entidades e organizações, nacionais e internacionais, para entender que não temos que esperar mais um negro ser morto ou preso por ilegalidade. Esse manifesto tem que ser diário”, finalizou.

Outro lado

A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública da Bahia, comandada nesta gestão pelo governador Rui Costa (PT), e a assessoria da Polícia Civil para comentar sobre o caso. Em nota, a assessoria da Polícia Civil reafirmou que Gabriel foi preso em flagrante. “As perícias pertinentes foram solicitadas, pessoas ouvidas e o inquérito será concluído e remetido à Justiça”, afirmou.

O governador petista não se manifestou sobre a prisão de Gabriel.

Esta reportagem foi publicada originalmente no site da Ponte em 14 de junho de 2020.

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