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Retorno do comércio em São Paulo provoca aglomerações. Especialista critica ‘quarentena ioiô’

Doria recua na região de Ribeirão Preto, Barretos e Presidente Prudente e impõe volta de restrições. Para médico sanitarista, “ciência foi subordinada” e abre-e-fecha é prejudicial

Gif reabertura São Paulo
Raoni Maddalena

O primeiro dia em que os comércios de ruas voltaram a abrir na capital paulista desde o início da quarentena imposta pela pandemia do coronavírus foi de intensa movimentação em algumas regiões da cidade. Na região central, causou até aglomerações. Vestindo uma máscara vermelha e um protetor facial de plástico, a vendedora Vanessa passou o fim da manhã e o início da tarde desta quarta-feira controlando a entrada e saída de pessoas de uma loja de utensílios domésticos na rua Teodoro Sampaio, na zona Oeste da capital paulista. Com uma calculadora, ia registrando quantos clientes adentravam a loja de 700 metros quadrados para evitar qualquer tipo de aglomeração. “Quando entram 30, preciso segurar os clientes aqui fora. Hoje já segurei algumas vezes. E todos precisam passar álcool em gel. Um senhor não quis, então não permiti que ele entrasse. É para a segurança de todos”, explica a vendedora, que afirmou ter sentido um pouco de medo de estar em contato com tantas pessoas novamente. “Mas sou mãe solteira e preciso trabalhar”, disse.

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A poucos metros dali, em uma loja de roupas, o entra e saí de clientes também era intenso. Muitos só queriam dar uma olhadinha e matar a saudade de poder experimentar uma peça, já que partir desta quarta-feira, os comércios foram autorizados a abrirem das 11h às 15h, respeitando o distanciamento adequado dentro dos estabelecimentos e também o uso de máscara. "A vida precisa voltar ao normal, as pessoas precisam voltar a trabalhar", disse Arthur Elife ao sair do estabelecimento usando máscara. Uma vendedora da loja, entretanto, afirmou que nem todos os clientes estão confiantes em visitar o local. "Muitos ficam com medo de experimentar, as pessoas ainda estão com medo de pegar o vírus", disse.

Funcionário mede a temperatura de cliente na entrada de loja na região central de São Paulo.
Camila Svenson

O receio tem justificativa. A reabertura ocorre em um momento em que a cidade passa dos 86.000 infectados pela covid-19 e acumula mais de 5.000 óbitos notificados em decorrência da doença —a cidade ainda investiga outras 4.642 mortes suspeitas de terem sido provocadas pelo coronavírus. Na avaliação de Sérgio Zanetta, médico sanitarista e professor de Saúde Pública do Centro Universitário São Camilo-SP, o retorno das atividades comerciais só poderiam ser permitidas caso já houvesse uma redução de casos sustentada há 14 dias, a taxa de isolamento fosse de 55% nesse período e a ocupação dos leitos de UTI disponíveis fosse menor que 60%. “E não é o que está acontecendo. O próprio Governo estava trabalhando com esse diagnóstico e agora não o está seguindo. Houve uma pressão econômica tão grande que os critérios técnicos foram substituídos pelos econômicos. A ciência foi subordinada e quem ganha é a ganância”.

O professor alerta que o retorno das atividades comerciais e da circulação intensa de pessoas, com utilização de transporte público, propiciará o aumento da transmissão da doença, sobretudo pelas pessoas com sintomas leves, que são a maioria dos casos. Zanetta ressalta, ainda, que os shoppings, que estão autorizados a abrirem a partir desta quinta-feira na capital, possuem estruturas difíceis de compatibilizar seus sistemas de ventilação com o controle de propagação do vírus.

Já o secretário municipal de Saúde de São Paulo, Edson Aparecido, sustenta que a cidade apresenta um crescimento de casos em baixa velocidade e afirmou que o sistema de saúde da capital já não corre mais o risco de colapsar pela pandemia de coronavírus.

Na rua Teodoro Sampaio, tradicional via de comercio do bairro de Pinheiros, várias lojas abriram nesta quarta-feira.
Na rua Teodoro Sampaio, tradicional via de comercio do bairro de Pinheiros, várias lojas abriram nesta quarta-feira. Raoni Maddalena

Governo anuncia primeiro recuo de abertura da quarentena

Nesta quarta-feira, dia em que o Estado de São Paulo bateu recorde de mortes pelo coronavírus pelo segundo dia seguido ― com 340 óbitos notificados em 24 horas, o que não quer dizer que todos faleceram nesse período ― o governador João Doria anunciou seu primeiro recuo no plano de abertura econômica em meio à pandemia. As regiões de Ribeirão Preto, Barretos e Presidente Prudente tiveram que voltar à zona mais restrita da quarentena, a vermelha, que autoriza apenas o funcionamento de atividades essenciais, após o crescimento de internações e óbitos pela covid-19. O Plano São Paulo classificou as regiões administrativas do Estado segundo cores entre vermelho, laranja, amarelo e verde, sendo que a primeira indica restrição total da economia e a última quase abertura integral. A região de Ribeirão Preto, por exemplo, teve que voltar a fechar os comércios após registrar um aumento de 100% no total de óbitos nesta semana em relação à semana anterior. “O que nos levou a retornar para a primeira fase foram os indicadores de ocupação de leitos e número de mortes nos últimos setes dias”, disse o prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (PSDB).

Doria disse que o cenário atual da pandemia confirma o que já havia sido previsto pelo Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo e indica uma expansão da covid-19 para o interior do Estado. O governador informou, por outro lado, que todas as cidades da região metropolitana da capital, assim como os municípios da Baixada Santista e do Vale do Ribeira, avançaram na fase de fase na quarentena e poderão reabrir o comércio de rua, os shoppings centers, as concessionárias de veículos, as imobiliárias e os escritórios a partir de segunda-feira. Doria anunciou ainda um novo período de quarentena no Estado, que passa a valer entre a próxima segunda-feira (15) e o dia 28 de junho (domingo).

Quarentena ioiô

Para o médico sanitarista Sérgio Zanetta, São Paulo, hoje epicentro da doença no país, está abrindo suas atividades arriscando a sorte e a vida de milhares pessoas indo contra todas as evidências. Segundo o professor, todos os países que adotaram estratégias baseadas no isolamento social intensivo, redução de casos sustentada por no mínimo 14 dias e disponibilidade de recursos assistenciais para atender aqueles que vão adoecer, como no caso de Portugal, puderam retomar as atividades com prudência e segurança e manter essa condição.

Zanetta acredita que o movimento de abertura e recuo será bastante prejudicial para combater a disseminação da doença no país. "Não estamos lidando com uma torneira que você simplesmente abre e fecha. Cada vez que se inicia um processo eu tenho um nível de autoridade e credibilidade que precisa ser respeitado, o grande problema é perder credibilidade. As pessoas ficam cada vez mais confusas e, além de perder vidas, um fechamento de forma abrupta pode ser a única solução".

A estimativa do Governo do Estado é que o número de mortes por coronavírus possa dobrar até o fim do mês. “A perspectiva de óbitos que talvez nós cheguemos no final do mês se continuar nessa mesma proporção, na faixa de 20 mil óbitos, variando de 16 mil a 22 mil, sempre mantendo essa taxa de isolamento”, disse o infectologista Carlos Carvalho, que coordena o comitê contra o coronavírus em São Paulo. De acordo com números da Secretaria de Saúde estadual, São Paulo tem 156.316 casos confirmados da covid-19, doença respiratória causada pelo novo coronavírus, com 9.862 mortes provocadas pela doença.

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