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Mortes em operações policiais aumentam no Brasil, apesar da quarentena

No Estado do Rio, 290 pessoas morreram em dois meses em intervenções das forças de segurança, apesar da diminuição do crime durante a pandemia

Manifestante participa de ato contra violência policial no Rio de Janeiro, no domingo, 31 de maio.
Manifestante participa de ato contra violência policial no Rio de Janeiro, no domingo, 31 de maio.MAURO PIMENTEL (AFP)
Naiara Galarraga Gortázar

As manifestações contra a brutalidade policial nos Estados Unidos estão repercutindo no Brasil, um dos países onde as forças de segurança causam mais mortes. Ativistas e protestos chamam a atenção para essa anomalia que tem o Estado do Rio de Janeiro como epicentro e que nestes tempos de pandemia se agravou. Somente em março e abril, 290 pessoas morreram no Estado em operações policiais, embora parte da população estivesse confinada em casa por recomendação das autoridades e os crimes em geral tenham diminuído. Esse número de vítimas equivale a um terço dos mortos pela polícia norte-americana em todo o ano de 2019.

As estatísticas ainda não incluem o caso que teve maior repercussão nos últimos tempos, porque ocorreu em maio. João Pedro Pinto, 14 anos, foi a vítima mais lembrada em um ato neste domingo diante da sede do Governo do Estado do Rio e na mobilização em redes sociais sob o lema #VidasNegrasImportam.

O adolescente estava em casa no Rio, com um grupo de crianças, quando a polícia entrou atirando durante uma operação no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, para prender um traficante de drogas. Uma das quase 70 balas disparadas na casa o atingiu nas costas. Os agentes o levaram de helicóptero para uma base policial. Ao aterrissar, ele já estava morto, mas a família ficou horas sem saber de seu paradeiro. Na falta de informações, um primo de João Pedro pediu ajuda no Twitter enquanto sua família o procurava nos hospitais da cidade. Encontraram o corpo no Instituto Médico Legal (IML). João Pedro, como a maioria das vítimas de violência da polícia brasileira, era negro.

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João Pedro Matos Pinto estava dentro da casa de familiares quando foi baleado.
João Pedro, 14 anos, morre durante ação policial no Rio, e família fica horas sem saber seu paradeiro
AME3455. SÃO PAULO (BRASIL), 31/05/2020.- Partidarios y detractores del presidente brasileño Jair Bolsonaro, se enfrentaron este domingo en medio de unas violentas protestas que dejaron varios heridos en Sao Pablo (Brasil). Grupos partidarios y detractores del presidente brasileño, Jair Bolsonaro, se enfrentaron este domingo en violentos disturbios que mezclaron las crisis política y sanitaria que vive Brasil, uno de los países más afectados por el COVID-19. EFE/Fernando Bizerra
Explícito nas ruas, bolsonarismo neofascista se inspira em extremismo e anticomunismo da Ucrânia
Protesters gather to call for justice over the death of George Floyd at the Texas State Capitol in Austin on Sunday, May 31, 2020. George Floyd died while in police custody in Minneapolis on Memorial Day. (Lola Gomez/Austin American-Statesman via AP)
Estados Unidos enfrentam a maior onda de protestos raciais desde o assassinato de Martin Luther King

As 290 mortes por intervenção policial no Rio ― em dois meses marcados pelo confinamento para conter os contágios por coronavírus ― representam um aumento de 13% em relação a 2019, ano em que as mortes já foram recorde. Só em abril, o número de mortes subiu 43% em relação ao mesmo mês do ano passado. No quadrimestre, o Rio soma 606 mortes pela ação do Estado ― 8% a mais que no mesmo período de 2019, conforme dados do Instituto de Segurança Pública.

Segundo especialistas, a chegada do ultradireitista Jair Bolsonaro ao poder, com seu discurso linha-dura contra criminosos e seus planos de eximir de responsabilidades os policiais que, por medo, matem suspeitos, aumentaram a impunidade de que eles desfrutam. É raro que eles acabem no banco dos réus ou sejam condenados. O jornal Folha de S.Paulo afirmou nesta segunda-feira em um editorial que o aumento das mortes “em um cenário de ruas vazias só se explica pela combinação de falta de controle e impunidade”.

O fenômeno não se limita à cidade, que há décadas é o cartão postal do Brasil, embora oculte um submundo de crimes em seu entorno. Ocorre também em São Paulo, onde as 255 mortes em supostos confrontos com a polícia entre janeiro e março representam um aumento de 23% em relação a um ano atrás, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado.

Os movimentos antirracistas brasileiros estão tentando aproveitar os protestos que abalam os EUA pela morte de George Floyd, um homem negro desarmado, asfixiado por um policial branco ― uma cena que foi gravada e viralizou, provocando indignação ―, para chamar a atenção para a própria situação dos negros no Brasil em face do pouco interesse despertado pelas vítimas de violência nas favelas, muitas delas sob o controle de narcotraficantes ou do crime organizado. Somente quando os mortos por balas perdidas ou operações policiais são crianças, o assunto salta para os noticiários. A morte de 13 pessoas, incluindo um traficante de drogas e um de seus guarda-costas, em uma operação policial em maio passou despercebida enquanto o Brasil digeria a saída de seu segundo ministro da Saúde em um mês.

Um décimo das 57.000 mortes violentas registradas no Brasil no ano passado foi causada por agentes das forças de segurança. Uma investigação ampla publicada recentemente pelo The New York Times revela vários dados alarmantes. Seus repórteres analisaram em detalhes as 48 mortes nas mãos da polícia em um distrito da cidade do Rio de Janeiro no ano passado. Metade dos suspeitos recebeu um ou mais tiros nas costas, em 25% dos casos estava envolvido pelo menos um policial processado por assassinato, e apenas dois uniformizados ficaram feridos nas operações. Um, baleado, e o outro, por ter tropeçado.

O Brasil compartilha com os Estados Unidos uma história marcada pela escravidão. Cinco milhões dos 12,5 milhões de africanos trazidos à força para as Américas pelos europeus vieram para cá. Embora nunca tenha tido leis de segregação como os Estados Unidos, há no país um racismo estrutural que faz com que os negros sejam sistematicamente mais pobres e vivam menos.

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