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Pesquisadores advertem que reabertura em São Paulo é precipitada e que pode haver rebote de casos

Prefeito anuncia a medida da reabertura do comércio ainda com poucos detalhes e especialistas afirmam que população terá de se proteger ainda mais

A avenida 23 de Maio quase totalmente vazia durante a quarentena na capital.
A avenida 23 de Maio quase totalmente vazia durante a quarentena na capital.Lela Beltrão
Marina Rossi

Com quase 57.000 casos confirmados do novo coronavírus e 3.719 óbitos notificados na cidade de São Paulo, o prefeito da capital Bruno Covas (PSDB) foi à imprensa nesta quinta-feira para detalhar as medidas de retomada da economia anunciadas no dia anterior pelo governador João Doria (PSDB). Os detalhes, porém, foram poucos. Covas reforçou que o processo será feito em etapas e que os primeiros setores liberados para abrirem as portas – comércio em geral, além de escritórios e imobiliárias – deverão apresentar um plano com medidas de higiene e precaução para, a partir de 1 de junho, iniciar as negociações de reabertura. O prefeito argumenta que as taxas de contaminação, óbitos e de ocupação da UTI estão estáveis na cidade e que por isso é possível começara a planejar uma reabertura gradual. Nesta quinta, 83% dos leitos de UTI dedicados a pacientes com a covid-19 estavam ocupados na capital, um percentual que, de acordo com ele está dentro de uma média “desde 5 de maio”.

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FOTO: MÒNICA TORRES/ EL PAÍS
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Roberto Kraenkel, professor do Instituto de Física da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro do Observatório Covid BR, afirma que a cidade, de fato, vem apresentando índices de contágio que poderiam ser piores, como mostra o portal do observatório. “Até tivemos um achatamento da curva de contágio na cidade de São Paulo”, diz. “O número de casos hoje é muito menor do que se não tivesse feito o distanciamento social. Mas isso comparado a uma situação em que não teríamos feito nada, e nenhum lugar do mundo não fez nada”.

Para ele, portanto, o passo que a cidade mais populosa do país dá, enquanto o Brasil soma mais de 438.238 casos e mais de 26.000 óbitos ―mais 1.156 notificados só nesta quinta-feira—, é precipitado. “Se estamos tirando o isolamento social, é preciso perguntar: que medida será colocada no lugar?”, questiona. Ele defende que seja implantada uma política de testagem em massa para mitigar a pandemia. “É preciso ter uma quantidade de testagem suficiente para que você consiga sufocar os focos, assim como em um grande incêndio”.

Ainda assim, a reabertura é vista como incerta pelo pesquisador. “Ainda é um pulo no escuro”, diz. “A estagnação da economia é um problema, mas é um problema no mundo inteiro. E para realizar a retomada, é preciso cumprir alguns requisitos, como a taxa de contaminação menor que 1 por duas semanas e que o número de novos casos por dia seja pequeno. Tão pequeno que seja possível rastrear as pessoas que tiveram contato com o infectado”. A taxa de contaminação mede quantas pessoas cada portador da covid-19 contamina, em média. De acordo com o Observatório Covid BR, atualmente essa taxa na capital é de 1 para 1. “Mas é preciso estar bem abaixo disso para falarmos em reabertura”, diz Kraenkel.

A expectativa da prefeitura, no entanto, é otimista. “A expectativa é de ter um RT [taxa de contágio] menor que 1 na semana que vem”, afirmou o prefeito nesta quinta-feira. Mas os números em uma cidade com 12 milhões de habitantes nunca são absolutos. Desde o início da pandemia, é clara a diferença da velocidade do contágio e dos óbitos entre os bairros centrais e a periferia. O mapa da cidade mostra que o número de doentes, suspeitos e óbitos é muito maior nas franjas da cidade. E, até o momento, não houve nenhum aceno da prefeitura no sentido de medidas específicas voltadas para essas regiões, nem antes e nem durante a reabertura da economia.

Questionado durante a entrevista coletiva sobre como seria feita a articulação com o transporte metropolitano na capital, Covas apenas afirmou que as empresas terão de aumentar as suas frotas. Sobre a reabertura do comércio, o prefeito disse que os setores e seus representantes terão de elaborar os protocolos que passarão por uma avaliação da Vigilância Sanitária da Prefeitura. Se aprovados, aí sim estarão liberados para abrir, o que deve ocorrer somente por volta do dia 15 de junho. Mas não disse como fará para fiscalizar se lojas e escritórios estarão de fato cumprindo com as medidas apresentadas. “Vamos continuar a fiscalizar na cidade não só aqueles que só podem abrir na fase 2, como também aqueles que só poderão abrir nas fases seguintes”, afirmou, sem mais detalhes.

Seja como for, os especialistas defendem medidas mais duras no lugar do afrouxamento. O professor do Instituto de Matemática da Unicamp, Hyun Mo Yang, e a médica Ariana Campos Yang formam parte de um grupo de pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp) que desenvolveu uma modelagem da propagação da covid-19 e os efeitos do isolamento social sobre a pandemia. Entre números e gráficos, eles mostram que a cada nova medida de proteção anunciada, como a quarentena decretada em 24 de março, ou a obrigatoriedade do uso de máscara, a curva de contaminação apresentava uma pequena, mas importante, queda. Ainda assim, eles são enfáticos: “Ainda não estamos no momento de falar em afrouxamento”, diz Ariana Yang. “Para falar em afrouxamento, vai ser preciso que as medidas de proteção aumentem consideravelmente entre as pessoas, com o uso de máscara e medidas de higiene, por exemplo”.

“Surpresa e indignação”

A retomada da economia é um plano anunciado por Doria para todo o Estado. Dividido por 17 regiões, cada uma delas terá de apresentar índices como leitos de UTI para cada 100.000 habitantes e taxa de contaminação para que seja classificada pelo Governo em uma das cinco etapas de retomada – do isolamento como é hoje, à abertura total como era antes da pandemia. Embora a capital esteja se preparando para entrar na fase 2, com a reabertura de alguns setores, a Grande São Paulo permanece na fase 1. E essa é uma questão que preocupa e indigna prefeitos das cidades que formam a região.

A entidade que reúne prefeituras da região do ABC, por exemplo, divulgou uma nota afirmando “profunda surpresa e indignação” diante do novo conjunto de regras para quarentena anunciado pelo governador. “O Consórcio Intermunicipal Grande ABC, representado pelas sete cidades da região, esclarece que recebeu com profunda surpresa e indignação, nesta quarta-feira (27), o comunicado feito pelo Governo do Estado de São Paulo de que a cidade de São Paulo teve uma análise separada da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) na nova fase do plano de retomada econômica do estado”, diz a nota. A entidade promete se reunir nesta sexta para discutir medidas e busca entender por qual razão a capital foi analisada separadamente do restante da região.

Os questionamentos também foram feitos pelo prefeito de Guarulhos, a segunda maior cidade do Estado, e colada à capital. “O prefeito de Guarulhos, Guti [Gustavo Henric Costa, do PSD], recebeu com estranheza os critérios utilizados para liberar apenas a capital, em detrimento dos demais municípios da Região Metropolitana. Ele informa que Guarulhos apresenta índices de casos confirmados e mortes, proporcionais à população, muito inferiores aos registrados em São Paulo”, afirmou a prefeitura, em nota.

Com poucos detalhes de como será essa retomada na capital, muitos prefeitos se preocupam com o trânsito de pessoas de São Paulo para as cidades vizinhas e vice-versa, já que muitas vivem em um município e trabalham em outro. À GloboNews, Guti afirmou estar preocupado com o trânsito de pessoas da capital para Guarulhos e vice-versa, com a reabertura de São Paulo. “Isso vai criar um problema porque o maior movimento pendular do Brasil é entre São Paulo e Guarulhos. Temos 38 quilômetros de área fronteiriça”, afirmou.

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