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TCU suspende anúncios do Banco do Brasil em sites de notícias falsas

Publicidade foi exposta pelo movimento Sleeping Giants, que gerou mais de 600.000 posts no Twitter e uniu direita rompida com Governo Bolsonaro e oposição, mostra estudo da FGV

Banco do Brasil voltou atrás sobre retirada de anúncios de sites com histórico de 'fake news'.
Banco do Brasil voltou atrás sobre retirada de anúncios de sites com histórico de 'fake news'.EFE

Na esteira do recente e barulhento desembarque do Sleeping Giants no país, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que nesta quarta-feira que o Banco do Brasil suspenda parte de suas campanhas digitais em sites, blogs e redes sociais, atendendo a um pedido do Ministério Público de Contas para abertura de investigação sobre suposta interferência na entidade por parte do secretário de Comunicação do Planalto, Fabio Wajngarten, e do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. Na semana passada, ambos haviam protestado contra a decisão do BB de retirar anúncios do Jornal da Cidade Online, site reconhecido por propagar notícias falsas. Após as manifestações, o setor de marketing da empresa, comandado por Antonio Hamilton Rossell Mourão, filho do vice-presidente Hamilton Mourão, voltou atrás e dispensou o veto a propagandas na página.

Em sua decisão, Bruno Dantas, ministro do TCU, explica que a restrição de publicidade se refere a sites que disseminam boatos e desinformação. Ele considera “gravíssima” a acusação do Ministério Público de Contas de que recursos do banco, que investe 120 milhões de reais em propaganda online, “estão sendo drenados para financiar sites, blogs e redes sociais que se dedicam a produzir conteúdo sabidamente falso e disseminar fake news e discurso de ódio”. O ministro aponta que a suspensão dos anúncios deve prevalecer até que a Controladoria Geral da União (CGU) institua um grupo de autorregulamentação, formado por representantes de entidades da sociedade civil, como Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), para definir regras de destinação das verbas publicitárias do banco. O órgão tem 90 dias para formar o grupo.

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Dantas ainda protocolou o encaminhamento do processo ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o ministro Alexandre de Moraes é relator de um controverso inquérito a respeito de fake news. Também nesta quarta, pela manhã, uma operação da Polícia Federal determinada pelo STF cumpriu 29 mandados de busca e apreensão com o objetivo de investigar “notícias fraudulentas, falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal”. Entre os alvos dos policiais estão o blogueiro Allan dos Santos, do site de ultradireita Terça Livre, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-SP), o empresário Luciano Hang, dono da Havan, e a ativista bolsonarista Sara Winter.

A decisão do TCU é uma demonstração de força do movimento Sleeping Giants Brasil, que iniciou a exposição de empresas, a exemplo do BB, contribuem para financiar sites de notícias falsas e extrema direita por meio de anúncios de mídia programática do Google. Criado há menos de duas semanas, o perfil já acumula mais de 300.000 seguidores e não para de arrebatar marcas e companhias adeptas à retirada de publicidade dos canais de fake news. “Hoje está sendo um dia muito importante na luta contra a desinformação e o discurso de ódio. Lembrando que estamos apenas começando”, publicou a conta ao saber da ordem imposta ao Banco do Brasil pelo Tribunal de Contas da União.

Direita liberal se une à oposição em apoio ao movimento

De acordo com levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, somente em uma semana, entre os dias 20 e 27 de maio, o Sleeping Giants Brasil gerou 627.000 menções no Twitter. Os picos de postagens coincidem com a junção entre os tuítes em apoio à iniciativa, uma insólita coalizão entre perfis de direita liberal rompidos com o Governo e a esquerda, e as contraofensivas da militância bolsonarista que tem pregado boicote a empresas que aderiram ao movimento e retiraram seus anúncios do Jornal da Cidade Online. O mais expressivo envolveu a Dell, uma das primeiras a suspender publicidade no site. A empresa foi a mais citada durante o período de análise, com quase 160.000 menções. Em seguida aparecem o Banco do Brasil e a Brastemp, que, na noite desta terça-feira, chegou ao assuntos mais comentados da rede com a hashtag #BrastempApoiaOComunismo, puxada por influenciadores de extrema direita.

Análise da FGV registra debate provocado pelo movimento Sleeping Giants.
Análise da FGV registra debate provocado pelo movimento Sleeping Giants.

Uma delas é a youtuber bolsonarista Paula Marisa, que qualificou o Sleeping Giants como “perfil comunista” e liderou protestos de boicote à Brastemp. Em um vídeo gravado antes de se encontrar com o presidente Jair Bolsonaro, a influenciadora explica a seus seguidores que a tática de contragolpe ao movimento consiste em focar em uma empresa e atribuir à sua marca rótulos como “nazista”, “abortista” e “genocida”. “Temos que desgarrar a ovelha do rebanho e atacar só esse perfil, subir para os tops mundiais de forma agressiva”, diz Marisa. Pelo lado do Governo, o secretário Fabio Wajngarten, ao criticar a operação da PF que apreendeu computadores e celulares de suspeitos de propagar notícias falsas, voltou a defender o que chama de “jornais independentes”. “Enquanto isso, alguns veículos continuam produzindo fake news diariamente sem serem perturbados”, escreveu.

“As empresas foram muito mais elogiadas do que condenadas nas redes sociais, beneficiando-se da atuação de influenciadores de outros campos políticos, como o youtuber Felipe Neto, que também cobrou respostas das companhias. Mesmo a Dell e a Brastemp, enquanto foco de oposição, acumularam forte engajamento positivo e de defesa em outros grupos da rede”, diz o estudo da FGV.

Além da ação no TCU, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão já havia solicitado, na semana passada, investigação sobre os gastos em campanhas publicitárias executados pela pasta chefiada por Wajngarten. O órgão do MPF aponta a escolha de veículos para propaganda por parte da Comunicação da Presidência em razão de afinidades ideológicas, além de acusar a Secom de direcionar verbas para sites alinhados a Bolsonaro e censurar mídias críticas ao Governo. Procuradores ainda reivindicam a análise de uma ação de improbidade administrativa contra Wajngarten. Ele é acusado de favorecer, com direcionamento de recursos da Secom, emissoras de TV que possuem contratos com sua agência de marketing. Os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP) incluíram em uma representação ingressada na Procuradoria-Geral da República o pedido para que o secretário seja investigado por descumprir o princípio da impessoalidade ao prometer intervir em decisão do Banco do Brasil.

Nesta quarta, o Sleeping Giants divulgou um balanço sobre a atuação no Brasil desde o início da conta. Segundo o perfil, a desmonetização do Jornal da Cidade Online brecou a captação de 340.000 reais em um ano, contando com a adesão de aproximadamente 150 empresas. O movimento ainda destaca outro triunfo recente. Após mobilização de usuários, a Vakinha, plataforma de arrecadação virtual, derrubou uma campanha de financiamento dos “300 do Brasil”, descrita pelo Ministério Público como uma “milícia armada”. Sua organizadora, Sara Winter, é uma das investigadas no inquérito das fake news do STF. “Nosso jurídico concluiu uma nova análise, facilitada pelos eventos recentes [busca e apreensão pela PF], e recomendou a retirada da vaquinha”, informou a empresa em resposta ao Sleeping Giants.


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