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Celso de Mello retira sigilo de vídeo de reunião onde Bolsonaro menciona trocas na “segurança” para proteger família

Ministro do Supremo Tribunal Federal decidiu tornar públicas imagens de reunião ministerial citada por Sergio Moro como prova de tentativa do presidente de interferir na Polícia Federal

Gil Alessi
O ministro Celso de Mello durante sessão do STF em 2019.
O ministro Celso de Mello durante sessão do STF em 2019.Carlos Moura / SCO/ STF

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, decidiu nesta sexta-feira retirar o sigilo do vídeo da reunião entre Jair Bolsonaro e ministros, realizada em 22 de abril, dois dias antes de Sergio Moro deixar o Governo acusando o presidente de pretender interferir na Polícia Federal. No encontro, que já teve trechos divulgados na semana passada, o presidente afirmou que não esperaria alguém “foder” a família dele, ou amigo, para trocar alguém da “segurança” e fazia referências ao Rio de Janeiro, onde investigação da Polícia Federal se aproxima de seu filho Flávio. Bolsonaro afirma que se referia à segurança pessoal de sua família, mas pessoas que viram o vídeo dizem que o contexto permite assegurar que ele falava sobre a Polícia Federal. A íntegra do material poderá, portanto, representar um novo incômodo ao presidente. E, além disso, expõe diálogos pouco republicanos que seus ministros travaram na reunião, com críticas duras a ministro governadores. O vídeo já foi disponibilizado no site do STF nesta sexta-feira.

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Após a divulgação do vídeo, Moro se pronunciou através de seu perfil no Twitter sobre o conteúdo da reunião. Para ele, “a verdade foi dita, exposta em vídeo, mensagens, depoimentos e comprovada com fatos posteriores, como a demissão do Diretor Geral da PF e a troca na superintendência do RJ”. Sobre os demais temas exibidos, “cada um pode fazer a sua avaliação”, afirmou o ex-juiz e ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública.

Na reunião, além de seu descontentamento com a área de “segurança”, Bolsonaro fala sobre outras bandeiras de seu Governo, como o armamento da população. “Eu estou armando o povo porque não quero uma ditadura", diz. "Quero todo mundo armado. Povo armado jamais será escravizado”, diz. E também fala sobre a sua relação com os jornalistas. “Questão da imprensa, resolvi tudo na porta do Planalto em 20 segundos. 'Não vou falar com vocês, porque vocês deturpam’. Tem que ser o papel de cada um. Não pode um sair daqui e ir no cantinho e falar “ah foi mais ou menos assim”. Não pode falar nada. Tem que ignorar esses caras 100%. A gente está sendo pautado por esses pulhas o tempo todo. Se a gente puder falar zero com a imprensa, é a saída”, afirmou. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, também fez declarações contra o Supremo. “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF.”

Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou aos presentes que o momento, em que o Brasil é fortemente atingido pela crise da covid-19, seria uma oportunidade para mudar leis e regras que atrapalham os planos do Governo. “Nós temos a possibilidade nesse momento que a atenção da imprensa tá voltada quase que exclusivamente pra covid-19, e daqui a pouco para a Amazônia (...) para dar um pouco de alívio nos outros temas. É passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação (...) simplificando normas. De IPHAN, de Ministério da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente”, disse.

Na decisão, o ministro Celso de Mello afirmou que a defesa de Moro defendeu a divulgação do vídeo na íntegra por entender que “a compreensão dos eventos supostamente delituosos sob apuração exigiria, em respeito ao pleno exercício da ampla defesa, a liberação integral dos dados”. Ele afirmou que não há na gravação informações que possam ser consideradas como tema de segurança nacional. Ainda assim, determinou que partes que citavam países não fossem divulgadas.

"Também não constato ofensa ao direito à intimidade dos agentes públicos que participaram da reunião ministerial em questão, mesmo porque inexistente quanto a tais agentes estatais, qualquer expectativa de intimidade, ainda mais se se considerar que se tratava de encontro para debater assuntos de interesse geral, na presença de inúmeros participantes, circunstância que afasta qualquer obstáculo à disclosure [revelação] da integralidade do que se contém na mídia digital em referência”. O ministro ressaltou ainda que a divulgação responde ao “princípio democrático da publicidade e da transparência dos atos governamentais e o seu pleno conhecimento por parte dos cidadãos desta República democrática”.

Na decisão, Celso de Mello diz ainda que “constatou, casualmente, a ocorrência de aparente prática criminosa” por parte do ministro da Educação ao falar que os ministros do Supremo deveriam ser colocados na cadeia. Ele considerou “gravíssima” a afirmação, que “põe em evidência, além do seu destacado grau de incivilidade e de inaceitável grosseria, que tal afirmação configuraria possível delito contra a honra (como o crime de injúria)”. A íntegra da fala foi encaminhada para os demais ministros da Corte, para que eles tomem as providências que considerarem adequadas.

O encontro da cúpula do Governo Bolsonaro passou a fazer parte do inquérito aberto para apurar se o presidente pode ter cometido crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação e obstrução de justiça. O ex-ministro da Justiça, também é investigado por suspeita de corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Finalizadas as oitivas e análise de provas, a PGR pode apresentar denúncia contra o presidente ou não. Caso o faça, a matéria iria para a Câmara dos Deputados, que decidiria se autoriza a investigação, o que culminaria no afastamento de Bolsonaro. Se não houver o aval para o seguimento do caso por parte dos parlamentares, a denúncia fica suspensa até o término do mandato. Nas últimas semanas, Bolsonaro tem costurado acordos com o centrão para assegurar uma base mais firme no Congresso.

Ao sair do Governo, Moro afirmou em uma coletiva de imprensa que o mandatário brasileiro tentou obter informações de inquéritos que envolviam seus familiares e amigos, além de realizar trocas no comando da PF no Rio para protegê-los. Ele pediu sua exoneração do cargo logo após o presidente ter demitido o então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, sem que ele soubesse, afirma. Depois da saída do ex-juiz da Lava Jato, Bolsonaro indicou Alexandre Ramagem para a chefia da PF, mas a decisão foi anulada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que alegou desvio de função na nomeação, uma vez que Ramagem é amigo da família do presidente. Vencido nesta questão, o mandatário indicou Rolando Alexandre de Souza para o cargo. Uma das primeiras medidas do novo diretor foi substituir o superintendente da PF no Rio, Carlos Henrique Oliveira, realizando assim o desejo de Bolsonaro.

Na semana passada, quando a AGU entregou ao STF a transcrição de parte da reunião, um pedaço da conversa tornou-se público. Em certo momento, o presidente dá a entender que pretende fazer mudanças na “segurança": “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura”, afirmou o mandatário. Em seguida, deixa claro que está disposto até mesmo a derrubar um ministro para ter sua vontade acatada. ”Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe? Troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira”.

A divulgação da reunião é apenas uma parte dos problemas de Bolsonaro. Nesta quinta-feira, o ministro Celso de Mello encaminhou à Procuradoria-Geral da República um pedido protocolado por partidos da oposição (chamado de notícia-crime) relacionado ao mesmo inquérito que apura se houve tentativa de interferência do mandatário na PF. Entre os pontos que devem ser analisados por Aras estão a apreensão para perícia do celular de Carlos Bolsonaro, do presidente, do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e do ex-diretor geral da Polícia Federal Maurício Valeixo. Após um parecer de Aras, caberá ao decano da Corte decidir sobre as medidas a serem tomadas. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, divulgou nota repudiando a possível apreensão do celular presidencial. Na leitura do general, seria uma “afronta máxima ao Poder Executivo”, de consequências “imprevisíveis para a estabilidade nacional". A declaração, com contornos golpistas, foi duramente criticada pela oposição.

Leia a íntegra da decisão de Celso de Mello:

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