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Bolsonaro disse que sua família era perseguida pela PF e cobrou mudanças, relatam espectadores de vídeo

Mandatário, no entanto, disse que jamais mencionou a Polícia Federal no encontro com ministros e diz que seus familiares não são investigados. Advogado de Moro defende divulgação da íntegra da gravação

Na rampa do Planalto, Bolsonaro fala com jornalistas.
Na rampa do Planalto, Bolsonaro fala com jornalistas.Joédson Alves (EFE)

O avanço na apuração de supostos crimes comuns cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro impulsionaram uma guerra de versões nesta terça-feira. Enquanto interlocutores do ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmam que o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril confirma que o mandatário queria interferir na superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro para proteger seus familiares, o presidente diz que a informação é falsa. Apenas os envolvidos no inquérito que apura as acusações de Moro assistiram à apresentação que foi feita como uma espécie de sessão de cinema na sede da PF, em Brasília. Dois espectadores do material relataram extraoficialmente ao EL PAÍS que Bolsonaro disse na reunião que sua família estava sendo perseguida pela PF. As imagens, no entanto, não vieram a público até o fim da tarde desta terça.

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Ex-comandante da missão de paz no Haiti, o general Augusto Heleno é considerado o principal estrategista de Jair Bolsonaro. Foi ele quem coordenou uma equipe de 50 profissionais que elaboraram o plano de Governo do então candidato. Chegou a ser anunciado como ministro da Defesa, mas o presidente eleito decidiu que o queria mais próximo de seu gabinete e o “promoveu” ao GSI. Será o responsável por todas as atividades de inteligência da gestão federal.
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Em nota oficial, o advogado Rodrigo Sánchez Rio, defensor de Moro, limitou-se a dizer que o material “confirma integralmente as declarações do ex-ministro”. E, que, ao contrário do que o Palácio do Planalto afirma, não há “menção a nenhum tema sensível à segurança nacional”. Por essa razão, Sánchez Rio defende a divulgação do vídeo. “É de extrema relevância e interesse público que a íntegra desse vídeo venha à tona”.

Quando essa descrição passou a circular, Bolsonaro se dirigiu à rampa do Palácio do Planalto para “tomar um ar e ver” os jornalistas, conforme relatou aos repórteres que o interrogavam. Ele queria dar a sua versão dos fatos. “Não existem as palavras superintendente ou Polícia Federal [na reunião]”, disse o presidente. E seguiu: “A Polícia Federal nunca investigou ninguém da minha família. Isso não existe no vídeo. Vocês estão sendo mal informados”. O presidente ainda disse que sempre esteve preocupado com seus familiares. “A preocupação minha, sempre foi, depois da facada, de forma bastante direcionada para a segurança minha e da minha família”.

Em um primeiro momento, Bolsonaro chegou a anunciar que ele mesmo divulgaria em suas redes sociais o vídeo do encontro. Mas foi orientado a não fazê-lo, já que, na interpretação de seus aliados, havia temas de relações exteriores e de segurança nacional sendo tratados no encontro com o Conselho de Ministros. Aos jornalistas, o presidente disse que, geralmente, vídeos como esses são destruídos depois que algumas imagens são editadas para registro. “O vídeo não é oficial, mas é meu. Eu poderia não entregar o vídeo”. Na sequência diz que decidiu entregar uma cópia do registro ao Supremo Tribunal Federal “para exatamente evitar falarem que eu sumi com o vídeo porque ele era comprometedor”.

Campo minado no Rio e caso Adriano Nóbrega

Quando decidiu deixar o Ministério da Justiça, em 24 de abril passado. Sergio Moro fez uma espécie de pronunciamento-delação ao afirmar que o presidente tinha interesse em interferir politicamente na PF, o que o ex-juiz da Lava Jato dizia que não aceitaria. Repetiu os mesmos termos no depoimento do dia 2 de maio, em Curitiba. Desde o fim de abril, há um inquérito na PF que investiga se Bolsonaro cometeu cinco crimes: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça. Enquanto Moro, caso se comprove que mentiu, pode ser enquadrado em outros três delitos: corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra.

Na ocasião da demissão do ministro, especulou-se que o objetivo do presidente era proteger seus familiares, principalmente o vereador Carlos Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro. Nenhum deles é oficialmente investigado pela PF, no entanto. Contra o vereador, há suspeita de que ele comandaria uma rede de disseminação de boatos que atua a favor do presidente. Ele é um dos alvos da Comissão Parlamentar de Inquérito das fake news que está em funcionamento no Congresso Nacional. Já o senador é investigado pela Polícia Civil do Rio por apropriação irregular de parte dos salários de seus antigos assessores na Assembleia Legislativa do Rio, o esquema batizado como rachadinha.

A PF do Rio, no entanto, comanda temas sensíveis, como um inquérito sobre o porteiro do condomínio de Jair Bolsonaro que citou o presidente no caso Marielle Franco, e depois recuou, por exemplo. A própria PF também investigou a atuação da Polícia Civil para investigar o assassinato da vereadora do PSOL. Além disso, em seu depoimento na segunda-feira, o ex-diretor da PF, Maurício Valeixo, foi perguntado, por exemplo, se havia recebido pedidos específicos a respeito do miliciano Adriano da Nóbrega, ligado ao gabinete de Flávio Bolsonaro. Nóbrega, que apareceu na apuração do Caso Marielle, foi morto numa operação das polícias civis do Rio e da Bahia no começo do ano no interior baiano. O ex-diretor da PF disse ter recebido um pedido de apoio para a operação, por um canal “não apropriado”. “Que houve uma consulta à Polícia Federal, não pelo canal apropriado, que se deu via Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça (SEOPI) e através do dr. Jairo, superintendente da PF no Espírito Santo, de um apoio aéreo a uma operação na Bahia”, disse o delegado, de acordo com a Folha de S. Paulo. De acordo com a versão de Valeixo, ele pediu que a solicitação fosse feita oficialmente, o que jamais chegou a acontecer.

A exibição do vídeo é um dos capítulos mais esperados dentro do inquérito na PF que corre com autorização do Supremo Tribunal Federal. Se for divulgado, seu conteúdo pode ser uma pressão a mais sobre o procurador-geral , Augusto Aras, que terá de decidir se há ou não elementos suficientes para denunciar criminalmente Bolsonaro —caso decida que sim, o processo tem que ser autorizado por dois terços dos votos da Câmara dos Deputados.

Ao longo da tarde desta terça, os três generais-ministros com assento no Palácio Planalto também depuseram aos investigadores e procuradores. Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Walter Braga Netto, da Casa Civil, foram arrolados como testemunhas do processo e não podem mentir, sob o risco de serem processados pelo delito de falso testemunho. Segundo Moro, esses ministros acompanharam a pressão de Bolsonaro sob Moro para demitir Maurício Valeixo, então diretor da PF que foi o pivô da exoneração do então ministro da Justiça.


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