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“É inoportuno falar em flexibilizar isolamento quando vemos subir o número de mortos”

Presidente do conselho de secretários estaduais da saúde reage à diretriz sobre o distanciamento social do Ministério da Saúde. Aplicá-la não é obrigatório, mas eleva pressão política para afrouxar quarentena

Beatriz Jucá
Um oficial de segurança mede a temperatura de um homem nesta segunda-feira em Niterói, uma das primeiras cidades do Rio de Janeiro a endurecer as medidas restritivas.
Um oficial de segurança mede a temperatura de um homem nesta segunda-feira em Niterói, uma das primeiras cidades do Rio de Janeiro a endurecer as medidas restritivas.Antonio Lacerda (EFE)

Enquanto o Brasil já soma 11.519 mortes em 168.331 casos de coronavírus e vários Estados veem seus sistemas de saúde entrarem em colapso, o Ministério da Saúde apresentou nesta segunda-feira uma nova diretriz para orientar a flexibilização do isolamento social, mesmo sob a rejeição de gestores estaduais e municipais. “É inoportuno falar de flexibilização quando vemos aumentar a cada dia o número de mortos e de casos, e de pessoas adoecendo gravemente. Estamos subindo ainda a montanha da epidemia”, afirma o presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais da Saúde (Conass), Alberto Beltrame. Os primeiros pontos do plano foi anunciado pelo ministro Nelson Teich no mesmo dia em que o presidente Bolsonaro decidiu considerar salões de beleza e academias como serviços essenciais. Embora a normativa não seja obrigatória, ela põe mais fogo na pressão política contra o distanciamento rígido que vem sendo implementado em alguns Estados para desacelerar o contágio do vírus. E também evidencia as arestas entre o Governo Federal e os secretários da saúde, que dividem a gestão do SUS em meio a uma das maiores crises sanitárias do século.

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“Estamos em plena crise sanitária, com dificuldade de abrir mais leitos de UTI, de internação, de assistência ambulatorial. Nós entendemos como um desserviço lançar uma mensagem dúbia neste momento. O momento é de socorrer vítimas, não de falar em flexibilizar isolamento”, afirma Beltrame. Gestores municipais e estaduais da saúde haviam pedido uma posição do Ministério sobre o distanciamento social. Buscavam uma unidade no discurso para estimular as pessoas a ficarem em casa e aumentar o distanciamento social, medida apontada por especialistas como fundamentais para reduzir os contágios quando hospitais estão lotados e ainda não há vacina nem medicamento para curar a covid-19.

A justificativa do ministro Nelson Teich é de que o Brasil é um país continental e que a epidemia está numa fase diferente em cada região, de maneira que não impõe uma política nacional de relaxamento do isolamento social, mas aponta uma estratégia para que os gestores avaliem os riscos e definam o nível de isolamento mais adequado. No entanto, gestores afirmam que lançá-la agora significa reforçar uma mensagem dúbia e confundir as pessoas sobre a orientação nacional, já que os próprios Estados já vinham adotando suas medidas conforme suas realidades —sem falar que, sob Luiz Henrique Mandetta, já havia uma diretriz sobre isolamento.

O ministro disse ter se reunido com secretários estaduais da Saúde no sábado e que a demanda de uma diretriz nacional sobre o isolamento teria partido deles. “Fui surpreendido hoje [que não há um consenso ]. Na semana passada, havia uma cobrança para o Ministério da Saúde se pronunciar. E hoje foi colocado que o posicionamento traria incerteza e problema”, disse o ministro, durante entrevista coletiva. Teich disse que só dará maiores detalhes sobre a diretriz do isolamento social após conversar novamente com os gestores e que tem interesse em manter o diálogo com eles. Sobre a inclusão de salões de beleza e academias como atividades essenciais por Bolsonaro, o ministro foi surpreendido com a notícia durante a coletiva e se limitou a dizer que esta é uma decisão do Ministério da Economia e do presidente. “A gente ajuda desenhando uma forma de acontecer defendendo as pessoas”, declarou.

O plano do ministério envolve vários níveis, desde um isolamento mais brando até o distanciamento mais duro (ou lockdown) e cria um sistema de pontos para avaliar os riscos. O gestor teria que responder um questionário com informações que vão desde a incidência de casos e mortes pelo coronavírus até a capacidade instalada para assistência (como hospitais, profissionais em atuação, profissionais afastados, número de leitos e suas taxas de ocupação). Também consideram informações sobre mobilidade urbana e a capacidade de ter todos esses dados atualizados em tempo real.

“Cada região vai ter uma abordagem diferente”, explica o ministro. “Para cada região, a gente vai definir qual é o risco e qual é a política. Como ressaltei, essa decisão cabe aos Estados e municípios. É uma ferramenta que o gestor vai dispor para tomar sua decisão”, diz o ministro, que defende que uma revisão sobre as medidas precisam ser feitas frequentemente. O problema é que, na ponta, gestores sequer querem discutir essa abertura de forma nacional agora, quando a curva de contágio ainda está numa crescente e os sistemas de saúde colapsam. Beltrame diz que os técnicos dos conselhos nacionais de secretários municipais e estaduais de saúde participaram da elaboração da ferramenta, mas que a maior demanda neste momento é de conseguir expandir o SUS para salvar vidas.

“É uma matriz complexa de preencher. O momento não é de preencher planilhas, mas de tentar ser útil. Continuamos com as mesmas deficiências de sempre, e o ministério não tem mandado os equipamentos todos que precisamos. Então me parece inadequado falar em relaxamento. Seguimos em um momento de cautela, de intensificar cuidados com as pessoas e de mandar uma mensagem clara sobre o isolamento social”, defende Beltrame. O presidente do Conass diz que o Brasil têm dificuldades de projetar quanto poderá encarar o pico da epidemia, que segundo ele pode vir no final de maio.

Também nesta semana, o secretário executivo do Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello, apresentou um balanço nesta segunda-feira dos milhares de equipamentos de proteção individual, leitos de UTI habilitados e distribuição de respiradores para enfrentar a pandemia. Ainda assim, gestores afirmam que a capacidade de expansão é lenta diante da alta demanda pela propagação da doença. Beltrame cita como exemplo a previsão de entrega de 14.000 respiradores por quatro empresas nacionais num cronograma que considera 180 entregas por semana. “É uma conta simples: 14.000 dividido por 200 dá 70 semanas. Isso é insuficiente pra demanda que temos agora”, diz.

Alberto Beltrame, presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde.
Alberto Beltrame, presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde.CONASS

Pazuelo afirmou durante entrevista coletiva que as empresas vêm aumentando suas capacidades de entrega e que, até o fim de maio, 2.600 respiradores devem ser entregues. Também disse que novos negócios estão sendo fechados com mais cinco empresas nacionais para ampliar a capacidade de produção e que representantes do Governo estão indo a países produtores de insumos médicos para agilizar as compras de insumos no exterior, sem atravessadores. “Estamos acompanhando empresa por empresa. Não perdemos tempo algum entre ser produzido e ser entregue”, pontuou, nomeando a situação brasileira como “extrema”.

Falta diálogo entre ministro e gestores da saúde

Na ponta, secretários da Saúde estão descontentes com a liderança nacional em meio à pandemia. Há semanas, eles vinham pedindo mais diálogo com Teich, depois de terem sido até barrados na posse do ministro. Os gestores dizem que o Ministério da Saúde está distante dos gestores locais e que, embora haja reuniões com a alta cúpula da pasta, eles não participam efetivamente das decisões. Ainda esperam que o sistema tripartite de gestão do SUS seja retomado. Beltrame diz que Teich tem se mostrado “afável e gentil”, mas que os secretários da saúde não são ouvidos na tomada de decisões.

“Em 30 anos, tivemos vários embates. Sempre construímos consensos. A melhor forma de enfrentar a grave crise de saúde que estamos vivendo é diálogo e construção de consensos. Não somos subalternos nesse processo”, defendeu, argumentando que Estados e municípios gerenciam hoje 98% das redes de serviços públicos de saúde e não podem ficar fora da tomada de decisões em meio à crise. “Há interlocução, mas o que a gente discute não tem acontecido na prática. Nós estamos vivendo um momento em que o ministro não tem pleno domínio do que é o SUS, e isso cria dificuldades adicionais. Ele é muito afável e gentil, mas as coisas têm fluido muito lentamente", emenda.

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