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Fé, café e família. A volta para casa depois de 10 dias na UTI pelo coronavírus

Curado após passar dez dias na UTI entubado para tratar a doença, engenheiro deixa hospital aplaudido pelos médicos. “O apoio da família e dos amigos foi fundamental”

Da esquerda para a direita: Gustavo, a filha Ana Julia, a esposa Celia Deina e o filho Gustavo.
Da esquerda para a direita: Gustavo, a filha Ana Julia, a esposa Celia Deina e o filho Gustavo.Arquivo pessoal
Marina Rossi

Ao telefone, o engenheiro agrônomo Gustavo Scholz, 55, fala com a voz bem rouca, como se fumasse há décadas. Mas não é o caso. “A voz fica assim porque a traqueia fica machucada depois de tanto tempo de entubação”, explica, logo no início da entrevista. A reportagem propõe então um combinado: caso ele fique cansado de falar, o que pode ocorrer devido ao pulmão ainda debilitado, a conversa será encerrada e retomada depois. Mas não foi preciso. Scholz falou por mais de meia hora sobre como foi ficar dez dias entubado na UTI de um hospital particular de Curitiba, onde foi tratado do coronavírus. Curado, deixou o hospital aplaudido pelos médicos, uma cena que, felizmente, também vem se repetindo ao redor do mundo. “Quem tem que bater palma somos nós, cidadãos e pacientes”, diz. “Eu não tenho palavras para agradecê-los”. Scholz é um dos 35.935 pacientes considerados recuperados da covid-19 até o momento no Brasil, ou 42% dos casos que já confirmados da doença.

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A patient practices re-education exercises with physiotherapists Celine Pytlak and Joao Pereira Reis Sousa at the post COVID-19 unit of the Bligny Hospital Center in Briis-sous-Forges during the outbreak of the coronavirus disease (COVID-19) in France, April 29, 2020. REUTERS/Benoit Tessier
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Assim como para milhares de pessoas que contraíram o coronavírus, Scholz narra que os sintomas chegaram de forma quase silenciosa. Ao longo de cinco dias, a única coisa que sentia era febre. “Você não sente falta de ar de uma hora para a outra”, diz. "Pode ter sido isso que tenha me enganado, porque eu não tinha tosse, só tinha febre”. Porém, na terceira ida ao hospital se queixando de febre incessante, um novo sintoma acendeu o alerta. “Percebi que, ao sair do estacionamento e subir a rampa até a recepção do hospital, tive que sentar, porque fiquei cansado, com falta de ar”. Sem saber exatamente o que tinha, o engenheiro foi internado e entubado imediatamente. “Não pude nem me despedir dele”, conta a esposa, a bancária Célia Deina Shcolz, 49.

Os dez dias que se seguiram foram de correntes de orações, mensagens de amigos se prontificando a ajudar e carinho de quem estava próximo. “Recebemos muitas mensagens, correntes de orações e de várias crenças, de reiki [envio de energias por meio das mãos] a cerimônias xamânicas”, conta a esposa. “Formou-se uma corrente, muita gente se ofereceu par ir ao mercado, à farmácia, trouxeram sopa. Sentimos a solidariedade e o carinho de todos os lados”, diz ela. Scholz reconhece que, desacordado no hospital, o sofrimento maior estava em casa. “Como a gente fica em um mundo paralelo, quem fica na angústia são os familiares”, afirma. “Por isso, eu sei que o apoio dos amigos foi fundamental. De repente você começa a perceber que para alguém você é importante, e para a família isso é muito reconfortante”.

Apesar desse conforto prestado pelos amigos, o momento é de muita ansiedade e apreensão. Com mais de 5.000 mortes notificadas em decorrência do coronavírus no Brasil, é muito difícil não pensar no pior. “Ocorreu um óbito na mesma UTI em que o Gustavo estava internado, por isso passavam milhões de coisas na minha cabeça”, conta a esposa. “Eu procurava me manter forte, mas às vezes, quando eu me deitava, batia um aperto no peito difícil de explicar e eu chorava escondida para meus filhos não verem”. A sensação, conta a esposa, é de estar com as mãos atadas. “Fisicamente a gente não pode fazer muita coisa”, diz. “Mas temos que manter a crença que vai terminar tudo bem. Tem que acreditar, porque se desanimar, tudo desanda”.

Corte de cabelo

Sem a presença do vírus no exame mais recente que fez, Scholz conta que ainda não está totalmente recuperado e nem pensa estar imune a um novo contágio. “A imagem dos meus pulmões não estão perfeitas ainda, mas eu já dei negativo para o vírus”, diz. Hoje, se recupera em casa, de onde só sai uma vez ao dia, de máscara, para fazer caminhadas ao redor da quadra do condomínio. “Na primeira semana foi difícil dar uma volta na quadra”, diz. No resto do tempo, aproveita a esposa e os dois filhos adolescentes, todos em casa devido à quarentena. Na família, somente um dos filhos apresentou sintomas muito leves, parecidos com os de um resfriado, antes de o pai ser internado.

A família, inclusive, ganhou um valor ainda maior para o engenheiro. “Hoje, depois de passar o que eu passei, a questão da família é muito salutar”, afirma. Ele diz ter saído mudado da experiência. Primeiro, em relação ao que pensa sobre a doença. “Parecia tão distante, primeiro na China, na Espanha, na Itália.... de repente bate na nossa porta”, conta. Depois, diz ter mudado diante da própria vida. “Se os valores que eu tenho de vida não mudarem agora, não sei quando iriam mudar”.

Valorizar ainda mais a família e as pequenas coisas, embora possa parecer um clichê para alguns, para ele foi uma das maiores lições tiradas da doença. Ao sair do hospital, seus primeiros pedidos foram dos mais triviais: café, pão e um corte de cabelo, pois, segundo a esposa, estava se sentindo “velho” com o cabelo tão grande. Àqueles que tem algum familiar internado com coronavírus, Scholz dá o exemplo de que é possível se curar. “Tenham fé. E quem está com saúde, se cuide”, diz. “É uma doença traiçoeira”.

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