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Saída de Sergio Moro inflaciona preço cobrado por Centrão para blindar Bolsonaro de impeachment ou ação penal

Grupo de parlamentares que negocia postos no Governo em troca de apoio almeja Ministério da Infraestrutura, que controla obras e chave na retomada, mas já garantiu postos de segundo escalão na Esplanada

Bolsonaro no dia 27 na rampa do Palácio do Palnalto.
Bolsonaro no dia 27 na rampa do Palácio do Palnalto.UESLEI MARCELINO (Reuters)

A crise envolvendo a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça elevou o preço do apoio do Centrão ao Governo Jair Bolsonaro (sem partido). Se, antes da queda de Moro, apenas cargos de segundo e terceiro escalão eram alvo do grupo fisiológico que se aproxima cada vez mais do presidente, agora, ele está de olho em ao menos um ministério, o da Infraestrutura. O preço do Centrão sobe proporcionalmente ao enfraquecimento do presidente da República. Pesquisa da consultoria Atlas Político mostra que 54% da população estaria a favor de seu impeachment, na primeira vez que a maioria dos brasileiros defende a saída dele do cargo de acordo com a consultoria. No Datafolha, 45% apoiam o impeachment, enquanto 48% rejeitam a ideia —na prática, um empate por causa da margem de erro de três pontos percentuais no levantamento.

Mais informações
Brazil's President Jair Bolsonaro arrives for a press conference in Brasilia, Brazil, on April 24, 2020. - Brazilian Minister of Justice and Public Security, Sergio Moro, announce his resignation on Friday after Brazilian President Jair Bolsonaro dismissed the head of the Brazilian Federal Police, according to sources close to the popular former anti-corruption judge. (Photo by EVARISTO SA / AFP)
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Apoio ao impeachment de Bolsonaro alcança 54% e aprovação de Moro vai a 57% após sair do Governo

O Centrão reúne hoje cerca de 160 deputados. É uma bancada que, aliada a um grupo de bolsonaristas-raiz (alguns membros do NOVO, PSL, PSC, MDB e de legendas nanicas), é capaz de frear um eventual processo de impeachment ou do prosseguimento de denúncias pelo Ministério Público. Para impedir a abertura de um processo de destituição presidencial são necessários 172 votos entre 513 deputados. Mesmo número para barrar uma acusação formal, como a que a Procuradoria-Geral da República pode fazer após o Supremo Tribunal Federal autorizar uma investigação contra o presidente embasada na delação feita pelo ex-ministro Moro.

Desde o segundo Governo Fernando Henrique Cardoso, no início dos anos 2000, o Centrão esteve no poder. Foi um dos responsáveis, por exemplo, por derrubar a presidenta Dilma Rousseff (PT), mesmo ocupando cargos em sua Esplanada, e por impedir a destituição de Michel Temer (MDB), que respondia a duas acusações de corrupção enquanto presidia o Brasil. Internamente, foi fundamental para as eleições de Eduardo Cunha (MDB) e Rodrigo Maia (DEM) como presidentes da Câmara.

As lideranças do Centrão também têm outra razão para se aproximar de Bolsonaro, querem evitar uma possível assunção de seu vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), com quem têm pouca ou nenhuma afinidade. Bolsonaro tem a bagagem de 28 anos de parlamento e relações próximas com vários dos deputados e ex-deputados que hoje o cortejam. Enquanto que Mourão é considerado por esses políticos um outsider, nunca ocupou nenhum cargo político antes de ser vice e estaria menos aberto às negociações. O vice tem melhor relacionamento com militares, embaixadores estrangeiros e empresários do que com parlamentares, governadores e prefeitos.

Atualmente, o alvo do Centrão, o Ministério da Infraestrutura, está sob o comando de Tarcísio Freitas, um ex-militar e servidor de carreira da Câmara dos Deputados, que é considerado técnico. O principal interessado no ministério é o Partido Liberal, que tem como articulador e eminência parda o ex-deputado Valdemar Costa Neto, um condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão do PT. Em princípio, Bolsonaro não pretende demitir Tarcísio.

Ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, o ministro da Infraestrutura é um dos que tenta frear a sanha do Centrão. Caso ele siga no Governo, terá de lidar com uma disputa pelo comando do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT), um braço da infraestrutura que por anos foi um dos principais focos de corrupção no planalto central. Inclusive quando foi comandada por aliados de Costa Neto. Também tentam entrar na Valec, a empresa responsável pela construção de ferrovias que está em processo de fusão.

Promessas e impeachment

Se ainda não conseguiram adentrar nessas engrenagens, já há a sinalização de que entrarão no Porto de Santos. O cargo de direção da entidade, vinculada ao Ministério da Infraestrutura, foi oferecido ao Solidariedade, presidido pelo deputado Paulo Pereira da Silva. Mas ele diz que o momento não é de ter cargos no Governo. Costa Neto já prepara sua indicação para a função.

Inicialmente, Bolsonaro tinha desenhado a seguinte estrutura para os principais partidos do centrão: o PL ficaria com o Banco do Nordeste; o Progressistas, sob a batuta dos investigados pela Lava Jato, o senador Ciro Nogueira e o deputado Arthur Lira, ficaria com o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação; e o PSD, do ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, caberia a Fundação Nacional de Saúde. Ainda seria preciso acomodar indicados pelo PTB, PROS, Avante e Republicanos.

A aproximação com os membros do Centrão foi descrita como algo que era necessário, pelo vice-presidente Mourão. “É importante esse movimento que o presidente está fazendo numa efetiva construção de uma base parlamentar que dê suporte às ideias do Governo isso irá operar para redução das tensões e facilitar para que a gente supere essa etapa final do combate ao coronavírus”, disse o general em entrevista ao analista político Murillo de Aragão, da consultoria Arko Advice.

As movimentações no primeiro escalão podem resultar também na queda da deputada federal Tereza Cristina (DEM) da pasta da Agricultura. Não para acomodar alguém do Centrão. Mas para punir o partido dela, que já teve três ministérios e não tem sido o aliado que Bolsonaro esperava no Congresso. Pelo contrário.

Nas últimas semanas, Bolsonaro tem dito que Rodrigo Maia, presidente da Câmara e a principal liderança do DEM, tem se articulado para derrubá-lo do cargo. Na prática, contudo, Maia já disse que, no momento, não pensa em dar andamento a nenhum dos quase 30 pedidos de impeachment de Bolsonaro que tramitam na Câmara. “Acho que a Câmara deve manter o seu foco no que é o principal, que é o enfrentamento ao coronavírus”, afirmou o deputado em entrevista coletiva nesta segunda. Um mandado de segurança no Supremo acusa Maia de omissão e pede que os pedidos sejam analisados —até o momento, o presidente da Câmara só foi a instado a se pronunciar sobre o caso, sem qualquer prazo imposto para análise.

O parlamentar também avaliou que não seria o momento de se instalar comissões parlamentares de inquérito para investigar se Bolsonaro quer interferir politicamente na Polícia Federal, conforme delatou o ministro Sergio Moro ao deixar o cargo. “Não podemos, de forma nenhuma, deixar que o Parlamento seja mais um instrumento de crises e incertezas que tem ocorrido no nosso país”.

Para se preservar enquanto tentava se afastar das crises do Planalto, Maia colocava ali a responsabilidade por eventuais apurações contra o presidente no colo do Judiciário. Citou diretamente um dos dois pedidos de investigação feitos pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, no qual quer apurar se Bolsonaro queria de fato interferir na Polícia Federal.

Rodrigo Maia impeachment Bolsonaro
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, durante entrevista coletiva.Najara Araújo/Câmara dos Deputados

Na semana passada, o procurador pediu para, primeiramente, ouvir Moro sobre os eventuais delitos de crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada que teriam sido cometidos por Bolsonaro. Caso não se comprovem esses delitos, o ex-ministro responderia por denunciação caluniosa e crime contra a honra. Na noite de segunda-feira, o ministro decano do STF, Celso de Mello, autorizou essa investigação e determinou que Moro tem de ser interrogado em até 60 dias.

Enquanto isso, Bolsonaro emplaca aliados de primeira hora tanto na PF como em substituição de Moro. O presidente oficializou o advogado André Mendonça como seu novo ministro da Justiça e Segurança Pública e o delegado Alexandre Ramagem como novo diretor-geral da Polícia Federal. Amigo dos filhos de Bolsonaro, Ramagem chega sob desconfiança no cargo, depois que Moro afirmar que o presidente queria no cargo alguém para quem pudesse ligar para obter informações da polícia. A reação, até o momento, foi apenas da oposição de centro-esquerda, que tenta derrubar as nomeações na Justiça.

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