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Bolsonaro indica Mendonça para a Justiça e Ramagem para a PF, sob a desconfiança de querer interferir em investigações

Governo faz troca após barulhenta saída de Sergio Moro que acusou o presidente de pressionar por “colher relatórios de inteligência”. Novo comandante da Polícia Federal é próximo da família Bolsonaro

O novo ministro da Justiça, André Mendonça.
O novo ministro da Justiça, André Mendonça.José Cruz/Agência Brasil
Carla Jiménez

O presidente Jair Bolsonaro confirmou no Diário Oficial desta terça André de Almeida Mendonça, da Advocacia Geral da União, para o lugar do agora ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. Depois do terremoto político que significou na última sexta-feira a saída de Moro, após a troca do comando da Polícia Federal, Mendonça assume a pasta sob o manto de desconfiança que significou a demissão de seu antecessor. Ele assume já com um nome definido para a direção-geral do órgão de investigação: Alexandre Ramagem, atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), entra no lugar de Maurício Valeixo, que foi exonerado por Bolsonaro à revelia de Moro. A queda de Valeixo foi a gota d'água para Moro, que disparou acusações graves contra Bolsonaro em seu discurso de saída. “O presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele [na Polícia Federal], que ele pudesse ligar, colher relatórios de inteligência. Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm que ser preservadas”, afirmou Moro.

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Logo após a acusação, em um pronunciamento à imprensa ainda na sexta-feira, Bolsonaro reconheceu e legitimou o direito de querer ter alguém com quem possa ter contato direto na Polícia Federal, a exemplo do que já faz com outros órgãos de inteligência do Governo. “Quero um delegado com quem eu possa interagir. Por que não?”, questionou, ressaltando que tinha este tipo de relação com a Abin, que era, até agora, dirigida por Ramagem.

É depois dessas revelações públicas de alta voltagem que Mendonça e Ramagem assumem suas novas posições no Governo, agravadas ainda pela divulgação de notícias que mostram investigações comprometedoras que envolvem seus filhos, Carlos e Flavio Bolsonaro. Carlos, vereador no Rio, é apontado como um dos cérebros de um esquema criminoso de notícias falsas que beneficia a narrativa do seu pai. A investigação é da Polícia Federal dentro do inquérito conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Já Flavio, senador, é apontado pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro como nome chave num esquema de financiamento de imóveis da milícia no Rio, a partir de dinheiro obtido de rachadinhas, o confisco de salários de seus funcionários de gabinete dos tempos em que foi deputado estadual. Nas redes sociais, Ramagem foi acusado de ser próximo da família Bolsonaro e uma foto em que ele aparece ao lado de Carlos viralizou. No domingo, questionado nas redes sociais sobre a imagem que circulava e a aproximação de seu filho com Ramagem, Bolsonaro soltou um “E daí?” nas redes sociais. Na segunda-feira, voltou a dizer à imprensa que não via problemas na aproximação.

As trocas ocorrem no momento em que o Supremo Tribunal Federal autorizou um pedido de investigação feito pelo procurador-geral, Augusto Aras, sobre as acusações de Moro a Bolsonaro por suposta tentativa de interferência política na Polícia Federal e por falsificar a assinatura de seu então ministro da Justiça, na exoneração de Valeixo feita do Diário Oficial —Moro afirmou que não sabia da confirmação da demissão e que, apesar de seu nome aparecer no documento, não o assinou.

Mendonça, o novo ministro da Justiça, foi convidado para assumir o cargo na segunda-feira. Ele é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília e pode ser a escolha do presidente para ocupar no final deste ano uma vaga no STF —Bolsonaro já havia dito que queria alguém “terrivelmente evangélico” para este lugar. O nome dele não era o mais cotado para o ministério inicialmente. No final de semana, o secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, chegou a ser anunciado para o cargo pela imprensa. Apesar de não ter existido uma confirmação oficial, seu nome era o que circulava nos bastidores. Oliveira tem ligação estreita com Bolsonaro e sua família. Advogado e major da reserva da Polícia Militar, ele chegou a chefiar o gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro em seu primeiro mandato como deputado. Apesar de a relação de Mendonça com a família não ser tão próxima, ele é visto como um homem fiel ao presidente.

Ramagem, por sua vez, foi chefe de segurança do então candidato a presidente durante a campanha eleitoral e goza da confiança dos filhos. É delegado da Polícia Federal, e atuou na coordenação da segurança de eventos em 2014 e 2016, para a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil, respectivamente. Ambos ficam sob a pressão de atuar a favor das instituições ou do personalismo do presidente, que se vê cada dia mais acossado por críticas diante da administração bélica que promove no campo político em meio a uma pandemia que já matou, oficialmente, mais de 4.543 brasileiros, fora o que a subnotificação não consegue constatar.

Sem rumo claro no campo da Saúde com outra substituição ruidosa, de Henrique Mandetta por Nelson Teich —que ainda não disse a que veio—, e sinais controversos na economia, Bolsonaro agora entrega a Justiça e a Polícia Federal a nomes que podem reforçar seu autoritarismo em mais um retrocesso perigoso para o Brasil, na visão de especialistas. “A Polícia Federal vai voltar a ser o que foi antes da Constituição, quando era uma polícia política de perseguição a adversários a mando do presidente e de proteção dos amigos”, afirmou Pedro Abramovay, diretor para a América Latina da Open Society Foundations, ao repórter Felipe Betim.





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