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Bolsonaro nega interferência na PF, mas diz querer nome com quem possa “interagir”

Presidente ataca ex-ministro em pronunciamento rodeado de ministros. PGR abre inquérito para investigar acusações de ex-juiz da Lava Jato

Bolsonaro, em pronunciamento.
Bolsonaro, em pronunciamento.Eraldo Peres (AP)

Cercado de ministros e de alguns deputados, Jair Bolsonaro atacou em um pronunciamento Sergio Moro, seu ex-ministro da Justiça e Segurança Pública que pediu demissão na manhã desta sexta-feira e acusou o presidente de interferência política na Polícia Federal. Ele disse estar “decepcionado e surpreso” com a fala de Moro e afirmou que o ex-juiz da Lava Jato teria “compromisso apenas consigo próprio, seu ego, e não com o Brasil”. O presidente negou ainda que tenha agido para interferir na entidade, mas disse que pretende colocar alguém no cargo “com quem possa interagir”. Bolsonaro afirmou ainda que “implorou” para que a entidade investigasse a facada que quase tirou sua vida durante as eleições. “A PF se preocupou mais com Marielle do que com seu presidente”, disse, em referência ao assassinato da ex-vereadora do Rio.

A fala foi uma reação ao pedido de demissão do ex-juiz da Lava Jato, que horas antes afirmou em um discurso duro que deixava o cargo porque o presidente insistia para trocar o comando da instituição com o objetivo de nomear alguém para quem “pudesse ligar para colher informações”. Nesta manhã, o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, foi exonerado. Moro afirmou ainda que o presidente disse estar preocupado com investigações em andamento.

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“Não são verdadeiras as insinuações de que eu desejaria saber de investigações em andamento, a não ser no caso do Adélio, do porteiro [de seu condomínio] e de meu filho 04 [Renan]”. Em seu longo pronunciamento, ele explicou que pressionou Moro para acelerar as apurações sobre o mandante da facada que levou, dada por Adélio Bispo de Oliveira, durante a eleição. Também disse que questionou o depoimento do porteiro de seu condomínio, que havia afirmado que, no dia da morte de Marielle, um dos acusados de assassiná-la, Elcio Queiroz, teria interfonado na casa do presidente, mas acabou indo para a residência do vizinho de Bolsonaro, Ronnie Lessa, também preso pela morte da ex-vereadora. E que procurou saber mais sobre afirmações feitas durante a investigação do caso de que a filha de Lessa teria namorado seu filho mais novo, Renan. Apesar de repetir que não pretendia interferir nos trabalhos de investigação, ele também confirmou que gostaria de colocar na chefia da entidade alguém com quem pudesse ter uma relação. “Quero um delegado com que eu possa interagir. Porque não?”, questionou, ressaltando que tem interação com agências de inteligência do Governo, entre elas a Abin.

No momento de seu discurso, que durou mais de 45 minutos, a Procuradoria-geral da República pedia ao Supremo Tribunal Federal a abertura de um inquérito para investigar as acusações feitas por Moro. As acusações do agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública causaram um terremoto político no país, além de impactos negativos na Bolsa e no dólar.

Diante do desgaste que sofreu em sua base após as afirmações, observado especialmente nas redes sociais, seu feudo, Bolsonaro afirmou que Moro busca uma maneira de separá-lo do povo brasileiro. Ainda em uma sinalização a seus apoiadores, que tinham o ex-juiz como um símbolo da luta anticorrupção no Brasil, insinuou que Moro não compactuava com as visões de seu Governo, era desarmamentista e lembrou que ele tentou nomear para o Conselho Nacional de Política Criminal Illona Szabó , que “defende o aborto e a ideologia de gênero”. O presidente também disse que Moro concordou com a troca do diretor-geral da PF, mas apenas após novembro, quando queria ser indicado para uma vaga para o Supremo Tribunal Federal. Moro negou que tenha feito tal pedido.

A crise envolvendo Moro começou na quinta-feira, quando foi tomada a decisão de demitir Valeixo. Militares ainda tentaram agir para evitar a saída do superministro e o próprio ex-ministro afirmou que poderia indicar outro nome técnico para continuar o trabalho do então diretor-geral. A proposta, segundo ele, não foi aceita e a exoneração foi publicada, sem a ciência de Moro, em uma edição extra do Diário Oficial. Horas depois, o ex-juiz anunciou seu pedido de demissão perante a imprensa.

Em sua fala, Moro afirmou que desde meados do ano passado era pressionado pelo presidente para efetuar a troca de cargo. A justificativa, segundo ele, era a preocupação com investigações em curso. "O presidente me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no STF e a troca seria oportuna da Polícia Federal por esse motivo. Também não é razão que justifique a substituição. É algo que gera uma grande preocupação”, ressaltou. A PF é responsável por investigações que podem envolver o presidente e seus três filhos: um inquérito que apura a organização das manifestações favoráveis à ditadura militar ocorridas no último domingo, dia 19, e endossadas por Bolsonaro, que compareceu ao ato em Brasília; o inquérito da fake news do STF, que apura a disseminação de notícias falsas em redes sociais e que podem envolver Carlos e Eduardo; e a suspeita de desvio de recursos de antigos assessores de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio.

“O presidente queria alguém que ele pudesse ligar, colher informações, relatório de inteligência. Seja o diretor, seja o superintendente. E, realmente, não é o papel da Polícia Federal se prestar a esse tipo de função”, afirmou Moro em sua fala à imprensa. “Havia interesse em trocar superintendentes também. Novamente o do Rio de Janeiro, também o de Pernambuco, sem que me fosse apresentada uma causa, uma razão para que essas trocas fossem aceitáveis", disse. “Eu falei para o presidente que isso seria uma interferência política e ele disse que seria mesmo”, concluiu.


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