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Preterido por fornecedores, Brasil entra em corrida contra o relógio para obter material médico contra coronavírus

Mandetta admite problemas de estoque e aponta que o isolamento social é a única solução para proteger a população antes do pico de casos, em duas semanas

Profissional colhe material para teste de coronavírus na Itália.
Profissional colhe material para teste de coronavírus na Itália.ALESSANDRO DI MEO (EFE)

Enquanto o Brasil ainda tenta ampliar a capacidade de testagem para o coronavírus e fazer um desenho mais atual e real sobre a disseminação da doença ―com suas 240 mortes e 6.836 pessoas infectadas―, o país encara a falta de insumos que vão desde os equipamentos de proteção individuais para os profissionais de saúde até os respiradores, fundamentais para garantir a sobrevivência dos casos mais graves da Covid-19. “Nós estamos muito preocupados com a regularização de estoques”, afirmou o ministro Luiz Henrique Mandetta nesta segunda-feira (1), ao expor as dificuldades que o país enfrenta para adquirir esses materiais devido à alta demanda e à disputa no mercado internacional. Sem detalhar a capacidade estocada no Brasil, o ministro garantiu que no momento os Estados ainda estão abastecidos, mas disse que a situação pode se complicar em breve. "Agora é lutar com as armas que a gente tem”, afirmou o ministro, que ainda apontou o isolamento social como a única medida para frear o contágio e evitar o colapso do sistema de saúde. Neste momento, o país corre contra o relógio para conseguir expandir o Sistema Único de Saúde (SUS) antes de entrar no pico da doença. “Movimentar nesta fase é o que podemos fazer de pior”, acrescenta Mandetta.

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29/03/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
Internações por síndrome respiratória aguda grave pressionam sistema de saúde brasileiro

O ministro informou nesta quarta-feira que o Brasil registrará um grande aumento de casos de Covid-19 até o final da semana que vem. De acordo com o ministro, se as medidas de isolamento social forem mantidas, as chances são de que 96% da população brasileira saia “bem” dessa crise sanitária. Ele ressaltou que o Brasil não fez lockdown, ou seja, o Governo não decretou quarentena total oficialmente, mas alertou de que o país “precisa redobrar o esforço”. "Se nós sairmos, se nos aglomerarmos, se nós fizermos movimentos bruscos e relaxarmos, podemos ficar com uma série de problemas em relação aos equipamentos de proteção individual, porque nós não estamos conseguindo adquirir de forma regular o nosso estoque”, afirmou, explicando que, no momento, todas as secretarias de saúde estaduais estão abastecidas.

“O nosso problema é que esse vírus foi extremamente duro. Derrubou, machucou e parou a produção dos EPIs (equipamento de proteção individual), que os hospitais utilizam no mundo todo”, lamentou Mandetta, referindo-se, principalmente, à China, maior produtora desses insumos. O ministro disse que compras de luvas, gorros, máscaras e outros materiais feitos pelo Brasil ao país asiático “caíram” quando a demanda mundial ficou hiperaquecida e depois que os Estados Unidos compraram um grande volume desses itens fundamentais no enfrentamento da crise de coronavírus.

“Hoje, os Estados Unidos mandaram 23 aviões cargueiros dos maiores para a China, para levar o material que eles adquiriram. As nossas compras, que tínhamos expectativa de concretizar para poder fazer o abastecimento, muitas caíram”, informou Mandetta. Segundo ele, fornecedores de respiradores, importantes para pacientes graves, já haviam sido contratados, mas avisaram que ficaram sem estoque.

O ministro também disse que o Governo Federal avançou na “possível compra” de 8.000 respiradores mecânicos, mas que já uma certeza em relação à entrega dos aparelhos. “Está havendo uma quebra entre o que você assina e o que recebe. Eu só acredito quando estiver dentro do país, na minha mão”, afirmou. “Quando acabar dessa epidemia, eu espero que nunca mais o mundo cometa o desatino de fazer 95% da produção de insumos que decidem a vida das pessoas em um único país”, acrescentou o ministro, referindo-se mais uma vez à China. Com o discurso, Mandetta ecoa outros Governos, como o da França, que também diz que buscará mais autonomia na produção de insumos médicos.

A corrida para a testagem

O Brasil também corre contra o tempo para ampliar a sua capacidade de testagem ―um dos principais gargalos do país no enfrentamento da epidemia. É um dispositivo fundamental tanto para que o Governo tenha uma dimensão mais real da disseminação do vírus quanto para que os profissionais de saúde possam determinar a quarentena a familiares de infectados. O ministro Luiz Henrique Mandetta explica que, nos próximos dias, haverá uma explosão de casos por conta da demanda reprimida que aguarda há dias o resultado da testagem. O ministro reconhece que há uma fila grande de espera, mas não mensura o tamanho dela. Diz apenas que o Brasil começou a automatizar o processamento dos testes PCR para dar agilidade a esse processo e começa a utilizar os testes rápidos, sem detalhar a capacidade total de testagem do país com as novas medidas.

Os chamados testes PCR são feitos em laboratório e têm uma complexidade e uma precisão maior na identificação. O profissional de saúde coleta material das vias respiratórias do paciente e o encaminha ao laboratório, que analisa se existe a carga genética (ou RNA) do novo coronavírus neste material. “Tem uma sensibilidade muito alta, de quase 100%”, explica Mandetta. Esse teste, porém, tem um custo mais alto e exige tanto capacidade de profissionais quanto de maquinário específico.

Atualmente, o teste PRC está sendo racionado e, portanto, é aplicado apenas nos casos suspeitos mais graves, de pessoas internadas com sintomas compatíveis com a Covid-19. Mandetta diz que o Brasil já começou a ampliar sua capacidade de testagem, mas não cita dados específicos sobre quantos testes diários o país consegue processar atualmente. Na semana passada, o país processava 6.700 testes diários. E os próprios técnicos do Ministério da Saúde projetam que o país precisaria atingir um total de 30.000 a 50.000 testes diários para desenhar com mais precisão a curva epidemiológica do coronavírus no Brasil. No momento, o retrato dos casos confirmados do Brasil é sempre um recorte do passado, por causa da demora para o resultado dos testes.

É nesse contexto que o Governo optou por trabalhar também com os testes rápidos e sorológicos. Embora numa velocidade bem inferior ao que prometeu há duas semanas (quando anunciou 5 milhões de novos testes para o fim de março), o Ministério da Saúde iniciou a distribuição de um primeiro lote de 500.000 unidades desse tipo pelo país. Esses testes especificamente identificam a presença de anticorpos produzidos pelo corpo humano ao entrarem em contato com o coronavírus e, por isso, só devem ser aplicados após o sexto dia dos sintomas da Covid-19. Antes disso, o teste ―que demora menos de meia hora para dar o resultado― não seria eficaz.

O teste sorológico que começou a ser distribuído nesta sexta-feira tem uma precisão muito inferior ao PCR para um resultado fiel do coronavírus. “Eles devem ser úteis, mas precisam ser avaliados e validados no Brasil”, explica a infectologista Carol Lazari, médica-chefe do setor de biologia molecular do Hospital das Clínicas. Ela alertava sobre a necessidade de observar no Brasil quanto esses testes conseguem detectar a doença e o quanto não dá falso negativo (no vocabulário médico, a sensibilidade e a especificidade dos testes, respectivamente). O ideal era que os testes tivessem 80% de sensibilidade. Mandetta diz que o Ministério espera que a sensibilidade dos testes que começam a ser distribuídos seja de 40%. Mesmo assim, destaca que esses materiais serão utilizados corretamente e poderão auxiliar o Governo a ter uma noção maior da disseminação do vírus no Brasil.

“A nossa estratégia é dupla”, ponderou o ministro, ao explicar que os casos graves continuarão a ser testados por PCR. Os testes rápidos ―ao todo, 5 milhões, doados pela mineradora Vale― serão utilizados apenas como instrumento de triagem, aplicados em profissionais de saúde e agentes de segurança com sintomas de síndrome gripal. "Ele serve apenas para marcar se a pessoa tem ou não o anticorpo que combate o vírus. Vai mostrar se você já teve no passado, e nesse caso está imune, ou se tem o vírus no período latente da doença”, afirma Mandetta.

Outros tipos de teste estão sendo negociados pelo ministério, que diz esperar chegar a 22,9 milhões deles, mas ainda trabalha na negociação direta com fornecedores e no diálogo com a iniciativa privada, que tem anunciado doações. O Governo diz que prepara a implantação de unidades volantes, um tipo de drive thru, como os realizados na Coreia do Sul e Estados Unidos, onde as pessoas poderão fazer o teste e receber o resultado no dia seguinte por meio de um aplicativo de celular. A ideia é utilizar a ferramenta em cidades com mais de 500.000 habitantes para conter surtos, isolando mais rapidamente os pacientes infectados.

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