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O que já se sabe até agora sobre o novo coronavírus no Brasil

São Paulo lidera o número de casos no país, que ainda luta para ampliar testagem e para garantir insumos médicos

Trabalhador voluntário desinfeta terminal de ônibus em Curitiba.
Trabalhador voluntário desinfeta terminal de ônibus em Curitiba.DANIEL CASTELLANO (AFP)
Gil Alessi

Pouco mais de um mês se passou desde a chegada do coronavírus ao Brasil, em 25 de fevereiro. Além de doentes e mortos (veja aqui os números em tempo real), a doença deixou também um rastro de insegurança, medo, ansiedade e muitas dúvidas. Devo sair ou ficar em casa? Sou jovem, estou imune? Compro cloroquina na farmácia para me prevenir? Tendo em vista o grande volume de informação (verdadeira e falsa) sendo produzida e difundida na Internet, é normal se sentir sobrecarregado e confuso. Veja aqui o que já se sabe sobre a doença no Brasil e como o país se prepara para enfrentá-la.

A evolução da doença no Brasil

O Brasil registrou seu primeiro caso de infecção pelo coronavírus em 25 de fevereiro, em São Paulo. Trata-se de um homem de 61 anos, que havia retornado recentemente de uma viagem à região da Lombardia, epicentro da epidemia na Itália. A situação escalou rapidamente. Em 13 de março o Governo do Estado anunciou que já havia transmissão sustentada em SP, ou seja, já não era possível rastrear como as pessoas estavam se contaminando (algo que ocorre, por exemplo, com uma gripe comum). A primeira morte provocada pela Covid-19 ocorreu em 17 de março, também em São Paulo. Mais de um mês depois, o país já tinha, em 1º de abril, 6.836 infectados em todos os Estados, e um total de 240 óbitos.

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Desde o dia 19 de março a epidemia começou a se espalhar a um ritmo acelerado, com uma média de 300 a 400 novos casos registrados a cada dia, até que no dia 31 houve um recorde de 1.138 confirmados em 24 horas. Ou seja, a curva de novas infecções no Brasil ainda está subindo acentuadamente, o que torna impossível prever quando atingiremos o pico da doença no país, e sua retração. O país admite que não possui estrutura para testar a maior parte dos casos suspeitos, o que provavelmente elevaria ainda mais o número de infecções confirmadas.

Até o momento foram feitos poucos estudos sobre o achatamento da curva de infecções (um indicativo da regressão da doença) no Brasil, em função do pouco tempo decorrido desde o início da pandemia. Um deles, feito pelo professor de física da Universidade de São Paulo (USP) José Fernando Diniz Chubaci e publicado na Folha de S.Paulo, afirma que São Paulo conseguiu “achatar” a curva com uma política de incentivo ao isolamento social e fechamento dos comércios não essenciais —outros especialistas e também os técnicos do Ministério da Saúde afirmam ainda ser cedo para criar uma relação causal entre as duas coisas. Dias depois da publicação do trabalho de Chubaci o Estado de São Paulo bateu recorde de novas infecções, com incremento de 54% nos casos diagnosticados entre 30 e 31 de março. Por isso, o mantra tem sido não afrouxar o distanciamento social.

Uma doença que atinge idosos, mas também jovens

Ao contrário do que afirma o presidente Jair Bolsonaro, que chegou a classificar a pandemia de coronavírus como uma “gripezinha” que ataca apenas idosos “com outras doenças”, os dados estatísticos do Ministério da Saúde apontam para uma conclusão diversa. Se a morte de pessoas com menos de 60 anos representa apenas 10% do total no país, quase a metade dos casos graves da doença ocorrem em pessoas desta faixa etária. Além disso, já foram registradas mortes de jovens sem comorbidades no Brasil (e em vários outros países), um alerta para as autoridades da área de Saúde e para o Governo Federal. Em São Paulo, quase a metade dos infectados pelo vírus tem entre 20 e 39 anos, conforme contou o repórter Breiller Pires. Mesmo que o quadro da imensa maioria destes jovens não evolua para uma situação crítica, eles podem requerer internação, o que ajuda a saturar o sistema de saúde. Além disso, todos os infectados podem ajudar a propagar a doença, ainda que não manifestem sintomas.

Chegou ao Brasil com os ricos, mas tem potencial para massacrar os pobres

Os primeiros casos de coronavírus registrados no Brasil foram de pessoas das classes média e alta que haviam retornado de viagens ao exterior (principalmente à Itália). Isso fez com que muitos considerassem a Covid-19 como sendo uma “doença de rico”. Se no início essa era uma leitura possível —incentivada em parte pelo contágio massivo de pessoas em um casamento de luxo em Itacaré, na Bahia—, o quadro atual é bem diferente. Com os reiterados pedidos de autoridades para que as pessoas fiquem em casa para evitar a proliferação da doença, boa parte das classes mais altas conseguiu aderir ao modelo de trabalho via home office. Já o trabalhador informal e o trabalhador das classes mais baixas, que não consegue realizar sua função de casa, é obrigado a ir para a rua buscar o sustento —são os entregadores, pedreiros, vendedores ambulantes entre outros. Assim, aumentam sua exposição ao vírus.

Além disso existe um ponto crítico no Brasil, que diz respeito à condição precária em que mora boa parcela da população. As favelas, mas também os cortiços e ocupações em área urbana, são ideais para a propagação do coronavírus: pouca ventilação e grande densidade demográfica. Vale lembrar que as comunidades mais pobres do país são ambientes onde doenças que atacam o sistema respiratório, como pneumonia e tuberculose, já proliferam em maior escala do que nos bairros de classe média. Muitas vezes o sistema imunológico desta população de baixa renda também está enfraquecido devido à má-nutrição, o que facilita a contaminação por vírus como a Covid-19.

Sem cura nem remédio

"Aquele remédio lá, o hidróxido de cloroquina, está dando certo em todo o lugar”, disse o presidente Jair Bolsonaro em fins de março. Apesar do otimismo do mandatário, na realidade existem poucos estudos que atestem a eficiência da cloroquina e da hidroxicloroquina (duas drogas utilizadas para tratar malária e doenças auto-imunes) no tratamento da Covid-19. O Ministério da Saúde liberou seu uso para os casos de pacientes graves hospitalizados com coronavírus: “Esse medicamento já provou que tem ação na evolução do ciclo do vírus, mas os estudos em humanos estão em curso. Essa é uma alternativa terapêutica que estamos dando aos profissionais de saúde para tratarmos esses pacientes graves que estão internados”, disse o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reconhecendo, no entanto, que não existem estudos conclusivos sobre o assunto. Segundo ele, existe uma pesquisa que mostra a relação entre o uso da cloroquina e a redução no tempo de internação, mas “foi um levantamento feito em apenas um hospital”. Diversas equipes de pesquisa ao redor do mundo trabalham na elaboração de uma vacina, mas não existe previsão de quanto ela estará disponível —algumas estimativas dão conta de que entre elaboração e a fase de testes este processo levará cerca de um ano.

O retorno à normalidade

Logo após a confirmação da primeira morte pelo coronavírus no Brasil, em 17 de março, o ministro Mandetta afirmou que “vamos passar 60 a 90 dias de muito estresse (...) nós teremos aí em torno de 20 semanas, a partir do surto epidêmico, que serão extremamente duras”. A expectativa do Governo é de que o pico de casos da doença ocorra até junho, possivelmente em abril, e a partir daí o número de novos contágios comece a cair. “Agosto, setembro a gente deve estar voltando [à redução de casos] desde que a gente construa a chamada imunidade de mais de 50% das pessoas”, afirmou o ministro, que destacou que se tratam de projeções, e que não existe “bola de cristal” quando se trata de um assunto complexo como uma pandemia. A situação ainda não foi normalizada nem mesmo nos primeiros países atingidos pela crise, como a China, que identificou o casos de coronavírus em janeiro: Wuhan, epicentro da pandemia no país, ainda tem áreas em quarentena.

A falta de testes

A Organização Mundial de Saúde defende que o maior número possível de pessoas se submeta ao teste para coronavírus em todos os países. “Testar, testar e testar”, afirmou o diretor da entidade, Tedros Adhanom. A testagem permite que uma pessoa infectada, mas sem sintomas, seja colocada em isolamento domiciliar, evitando que contamine outras, além de permitir o dimensionamento correto da crise em cada país —e a consequente elaboração de políticas públicas para enfrentá-la. O problema é que, com exceção de Japão, Alemanha, Coreia do Sul e mais alguns países que produzem os reagentes e componentes utilizados nos kits de teste, o resto do mundo depende da importação de materiais.

O Brasil é uma destas nações. O Ministério da Saúde reconheceu pela primeira vez que faltam testes para diagnóstico de coronavírus em 17 de março. Sem ter como realizar a testagem massiva da população (uma das razões do sucesso da Coreia do Sul no combate à doença), o país acumula uma fila de pacientes aguardando o exame. Até mesmo alguns óbitos com suspeita de coronavírus também não são confirmados, como informa a repórter Marina Rossi. Apenas em São Paulo, o Governo de João Doria (PSDB) afirmou que mais de 12.000 pessoas estão na fila para serem testadas para a doença, mas que apenas 50 destes casos são graves. Para tentar contornar a situação, Mandetta afirmou no dia 30 que já foram comprados 5 milhões de testes, e que “receberemos 500.000 nos próximos dias”.

Prova de fogo para o SUS

Seja como for, o consenso é correr contra o relógio para aumentar a capacidade de reação do SUS. “Claramente, em final de abril nosso sistema de saúde entra em colapso”, afirmou o ministro Mandetta em 25 de março. A afirmação, feita no contexto de apelar às medidas de isolamento social, reflete a realidade de que as redes de saúde não são estruturadas para lidar com pandemias e com o aumento em massa e ao mesmo tempo da demanda. E isso vale para o Sistema Único de Saúde, o SUS, um dos maiores e mais consolidados sistemas públicos do mundo.

Um dos principais agravantes é que as internações de pessoas com quadros graves da Covid-19 podem durar mais de 20 dias, saturando completamente os leitos de terapia intensiva.Há 32.000 leitos de UTI para adultos no país, divididos praticamente ao meio entre os sistemas público e privado, mas já funcionavam com mais de 80% de ocupação antes da pandemia. Para liberar espaço, a recomendação é que cirurgias eletivas sejam adiadas, por exemplo. O Governo federal já anunciou que vai adquirir mais 2.000 leitos de tratamento intensivo. No final de contas, tudo depende da efetividade das medidas de controle da doença e isolamento social para evitar a transmissão do vírus e o consequente “colapso” do sistema. Algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, aproveitaram o gramado de estádios como o Pacaembu e o Maracanã para montar hospitais de campanha, com capacidade para 200 e 400 leitos, respectivamente, como contou o repórter Diogo Magri.

Bolsonaro, a “gripezinha” e o isolamento político

Desde o início da pandemia do coronavírus o presidente Jair Bolsonaro tratou a grave crise de saúde pública como uma “gripezinha”, o que lhe valeu o apelido de “líder negacionista do coronavírus” na revista americana The Atlantic. Confrontado com a alta mortalidade da doença, ele reagiu afirmando que “infelizmente algumas mortes terão, paciência, acontece, e vamos tocar o barco”. Além da retórica considerada irresponsável por especialistas e governadores, o mandatário faz questão de se expor e participar de eventos que incluam aglomerações, uma prática desestimulada pelas autoridades de Saúde. Primeiro o presidente participou de um protesto contra o Legislativo, cumprimentando apoiadores e posando para fotos, em 15 de março, quando já haviam sido registrados 200 casos de coronavírus no país. No dia 29, com o vírus já tendo alcançado todos os Estados do país, Bolsonaro foi às ruas novamente para cumprimentar simpatizantes, sem máscara ou luvas, em um pequeno tour pelas cidades satélites de Brasília.

As ações do presidente na condução da crise fizeram com que ele ficasse isolado não apenas no cenário internacional (onde pouquíssimos líderes mundiais tratam a pandemia de forma leviana), mas também no Brasil. Até mesmo alguns aliados de primeira hora de Bolsonaro anunciaram o rompimento com o mandatário, como ocorreu com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Em meio à perda de apoio político, alguns pedidos de impeachment chegaram a ser protocolados, nenhum com grandes chances de prosperar no momento -apesar do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello enviar um deles para a Procuradoria-Geral da República analisar. Acuado, Bolsonaro calibrou o tom em seu pronunciamento em cadeia de rádio e televisão na noite do dia 31: deixou de lado os ataques à imprensa, aos governadores e referências à pandemia como sendo uma “gripezinha”.

A economia em primeiro lugar e o "isolamento vertical"

Um dos grandes temores do presidente Bolsonaro e de seu ministro Paulo Guedes em meio à pandemia é com relação à deterioração da situação econômica do país —que vinham em lenta recuperação antes mesmo do coronavírus. Com boa parte da força de trabalho em isolamento social voluntário (seguindo, muitas vezes, as orientações dos governadores), e com comércios não essenciais e parte das indústrias fechadas, a expectativa é de que haja uma retração maior no Produto Interno Bruto. No dia 26 o Banco Central projetou um PIB zerado para este ano: se antes da Covid-19 o estimado era um crescimento de 2,1%, agora passou para 0,2%. Esta piora nos indicadores econômicos é esperada em quase todos os países que adotaram o confinamento como forma de deter a pandemia.

Para tentar minimizar o custo financeiro (e político) de um agravamento da crise econômica, o presidente se posicionou de forma contrária às recomendações da OMS e de especialistas em saúde, e tentou alavancar a campanha “O Brasil não pode parar”, estimulando a população jovem a seguir trabalhando como se não houvesse uma pandemia em curso. “Se a economia parar vamos perder muito mais vidas”, disse. Bolsonaro então passou a defender publicamente o fim do isolamento, e a adoção de uma outra modalidade de isolamento, chamado de vertical. Este método, cuja eficácia carece de comprovação científica e é visto com ceticismo pela comunidade médica, consiste em manter os jovens trabalhando normalmente e isolar apenas os idosos ―ignorando o fato de que em algum momento estes grupos entrarão em contato. Ao defender esta tese Bolsonaro entrou em rota de colisão com os governadores, que, em sua imensa maioria, determinaram o fechamento de todas as atividades comerciais não essenciais e estimularam a população a ficar em casa.

O Congresso aprovou uma renda básica emergencial para os mais vulneráveis. Entenda aqui como funciona.

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