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Internações por síndrome respiratória aguda grave dobram no Brasil e já pressionam sistema de saúde

Neste ano, 16.879 pacientes foram internados por SRAG, uma complicação tanto da gripe comum quanto da Covid-19. Só 4% foram confirmados com coronavírus em meio a limitação da testagem

Paciente em atendimento num hospital.
Paciente em atendimento num hospital.Ziv Koren (Europa Press)
Beatriz Jucá

O número de pessoas hospitalizadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), uma complicação causada tanto por vírus gripais já conhecidos no Brasil como pelo novo coronavírus, dobrou neste ano. A quantidade de internações já chega a 16.879 no país, quando no mesmo período do ano anterior eram 7.761. Mas apenas 4% destes casos (ou 757 pacientes) tiveram o diagnóstico confirmado para a Covid-19, segundo o Ministério da Saúde, que não informa quantos outros deram positivo para outros tipos de gripe, nem quantos foram testados ao todo. Diante do gargalo de testagem no país, mesmo dentre os casos graves —únicos testados atualmente pela necessidade de se racionar os materiais—, os dados são um indício de que o número de contaminados por coronavírus pode ser ainda maior que os 4.579 casos e 159 mortes confirmados até a última segunda-feira. E apontam para a “tempestade perfeita” que está se formando na rede de saúde do país, segundo alertas feitos pelo próprio ministério: a já atual sobrecarga do sistema não apenas pela agressiva Covid-19, mas também por outros vírus, como o próprio H1N1, que aterrorizou o mundo por sua alta taxa de mortalidade em 2009. Como há imunização para as demais doenças, a pasta adiantou a campanha de vacinação, que começou para os idosos na semana passada e segue até maio para os grupos de risco.

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As hospitalizações por Síndrome Aguda Respiratória Grave ganharam uma velocidade exponencial neste mês de março, mais concretamente cerca de duas semanas depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil, no dia 25 daquele mês (14 dias é o limite do tempo de incubação do vírus). Esse aumento da demanda nas unidades de saúde ―um fator importante na equação sobre a sobrecarga na rede hospitalar e o risco de um colapso do sistema de saúde― levanta duas hipóteses: ou há um aumento desenfreado de Influenza e outros vírus gripais no país ou uma massiva parte dessa demanda vem mesmo do coronavírus (e neste caso, o gargalo da testagem esconde os impactos reais da Covid-19 no sistema de saúde).

“A hipótese mais forte é de que o aumento é pelo coronavírus”, diz o pesquisador Daniel Vilella, que faz um monitoramento regular da gripe no Brasil pela Fiocruz, usando como base de informação o mesmo sistema dos dados apresentados pelo Ministério da Saúde. Ele explica que a curva de Influenza, por exemplo, tem um padrão sazonal e costuma se agravar no inverno. Em alguns anos, essa curva começa a crescer um pouco mais cedo. “Este ano, a curva estava acima desde o início do ano. Mas nas últimas três semanas, esse aumento foi bem maior e coincide com a transmissão sustentada de coronavírus no Brasil”, acrescenta Vilella.

Outra pista sobre o impacto do coronavírus nessa conta de internações apontada pelo pesquisador diz respeito à faixa etária dos pacientes com síndrome aguda respiratória grave. “Habitualmente, a SRAG tem sido mais frequente na faixa de 0 a 4 anos. Mas nas últimas semanas, foi mais frequente para indivíduos na faixa acima de 60 anos”, explica. Pessoas com mais de 60 anos são estatisticamente mais propensas a evoluir para um caso mais grave de Covid-19, segundo especialistas.

Os casos de síndrome aguda respiratória grave são contabilizados e o material dos pacientes é colhido e enviado aos laboratórios sentinela para identificar a causa. Inicialmente são feitos testes para influenza A, B e outros vírus. Caso negative esses, o protocolo é fazer o teste específico para o coronavírus. Até a conclusão desta reportagem, o Ministério da Saúde não respondeu ao EL PAÍS qual o percentual de pacientes hospitalizados por síndrome aguda respiratória grave foi realmente testada para diagnosticar a Covid-19. O país enfrenta problemas tanto com a escassez global de testes quanto na demora para o seu processamento. Há relato de atraso de até dez dias para o resultado, o que também influencia os dados finais.

“O protocolo é testar, mas isso não é exaustivo. Pode terminar sem conclusão”, afirma Daniel Vilella, em referência à citação feita no sistema sobre os casos cuja causa acaba sem identificação. “[O aumento] é um alerta para a gente ampliar a nossa capacidade de testagem”, afirma. O Ministério da Saúde tenta trabalhar nisso, em meio a uma limitação mundial de testes. Tem dito em entrevistas coletivas que o país consegue processar atualmente 6.700 testes diários de coronavírus, mas que precisaria chegar de 30.000 a 50.000 testes por dia. As próprias autoridades de saúde afirmam que dificilmente atingirão essa meta, uma vez que há recurso, mas não há fornecedores suficientes de teste. No entanto, o Governo diz que ampliará a capacidade com mais testes de laboratórios e um suporte de testes rápidos (menos conclusivos), mas que podem ser usados em triagem.

A infectologista Rosana Paiva acredita que o aumento exponencial de internações por síndrome aguda respiratória grave é um reflexo importante da presença do coronavírus no Brasil, mas pondera que outros fatores podem influenciar nesta conta, relacionados aos protocolos na ponta das unidades de saúde. Como a Covid-19 é uma doença nova e tem uma rápida evolução para casos graves, tanto a população quanto os profissionais de saúde estariam redobrando os cuidados sobre casos suspeitos ―que incluem também os casos de gripe, já que os sintomas iniciais são semelhantes.

Paiva diz que tanto há uma busca maior das unidades por pacientes com alguma dificuldade respiratórias quanto os médicos têm sido mais criteriosos para interná-los. “A maior parte dos casos suspeitos não tem teste. Mesmo se for uma infecção pulmonar causada por outros agentes, os médicos não conseguem afastar o diagnóstico (do coronavírus). Tem muita gente internada e não temos testes. Então os médicos não têm segurança e acabam internando mais, porque a Covid-19 evolui muito rápido”, explica.

A testagem não influencia no tratamento de pessoas com a Covid-19. Sem medicamentos comprovados para o tratamento da doença, o trabalho dos médicos é basicamente o de dar suporte para que a pessoa enfrente as dificuldades em casos mais graves (com respiradores e entubação) até recuperar a capacidade respiratória. As internações especificamente nas UTIs por coronavírus podem durar três vezes mais que as internações por outras gripes. O receio é de que o sistema de saúde, que já sente a demanda elevada, entre em colapso. Ou seja, que mesmo com recursos, não consiga atender a uma grande demanda de pacientes. Por isso a importância do isolamento social, já que ele pode ajudar a espalhar o número de infectados ao longo de um período maior de tempo, como frisou o ministro Luiz Henrique Mandetta nesta segunda-feira (30). Ele diz que o Ministério da Saúde trabalha para expandir o SUS e ampliar a capacidade de uma nova demanda. “O vírus ataca o sistema de saúde mundial. É mais dramático do que as grandes guerras”, afirmou.

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