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Em um mês de combate ao coronavírus, Brasil corre contra subnotificação e tenta unificar protocolo

Ministério da Saúde admite limitação de testagem disponível e das estatísticas atuais. Pasta teme convergência temporal com influenza e dengue

Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, terceiro maior aeroporto do Brasil com pouca movimentação de passageiros
Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, terceiro maior aeroporto do Brasil com pouca movimentação de passageirosMarcello Casal

Um mês depois da confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, o Governo Federal começa a traçar um mapa mais nítido de como a Covid-19 avança no país. Com 2.915 casos e 77 óbitos confirmados, o país segue a velocidade de disseminação dentro do limite com o qual trabalhava o Ministério da Saúde no início da crise: de um aumento diário de 33% dos infectados. Mas os números representam apenas a ponta do iceberg: o país não consegue testar uma parcela grande de sua população e enfrenta um problema de subnotificação de casos. O Brasil também tem um desafio a mais. Ao mesmo tempo em que atua para conter o coronavírus, enfrentará outras duas epidemias já conhecidas ―de dengue e de influenza. As três doenças levam pacientes aos hospitais e contribuem para a sobrecarga do sistema de saúde. É nesse contexto que o Ministério da Saúde precisa se sobrepor à guerra política travada entre os entes federados e correr atrás de afinar a comunicação com os gestores da ponta (secretários de saúde de Estados e municípios) e de estabelecer novos protocolos coordenados.

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Esse diálogo é crucial para conseguir aproveitar a vantagem que a capilaridade do SUS pode trazer para coordenar melhor as ações sobre a crise. As falhas nessa comunicação ficaram evidentes no processo de construção de dados sobre a evolução da pandemia no país neste primeiro mês. As informações sobre os casos confirmados da doença e a quantidade de óbitos eram colhidas diariamente por telefone, o que gerava desatualização e até mesmo subnotificação, como admitiu o Ministério da Saúde. Nesta quinta-feira (26), a pasta lançou uma nova plataforma para dar transparência sobre a disseminação do vírus no país, e as secretarias de saúde passarão a atualizá-la diretamente. “Vimos a necessidade de aprimorar o fluxo de notificação. Ainda temos uma dificuldade muito grande com o registro da informação, por isso lançamos a plataforma”, diz o secretário de vigilância do Ministério, Wanderson de Oliveira.

O Governo espera que essa plataforma passe a dar mais transparência, além de desenhar um retrato mais atualizado da crise no país. O Ministério da Saúde também se prepara para ampliar sua capacidade de testagem, mas pondera que dificilmente chegará na capacidade necessária de 30 a 50 mil testes diários, já que há limitação global sobre esses insumos. “Nós temos orçamento pra comprar, o que falta é o fornecedor”, afirma João Gabbardo, secretário executivo do Ministério da Saúde.

Sem conseguir testar expressiva parcela da população, o Ministério da Saúde recomenda o isolamento horizontal da população para evitar que muita gente fique doente ao mesmo tempo e colapse o sistema de saúde. O Brasil tem hoje 205 pacientes comprovadamente com Covid-19 internados em enfermarias hospitalares e 194 em unidades de terapia intensiva (UTIs), somando dados do SUS e da rede privada, segundo dados do Ministério da Saúde. Mas essa quantidade pode estar mascarada num contexto de limitação e demora para o resultado dos testes de coronavírus no Brasil.

Um monitoramento do InfoGripe, um sistema da Fiocruz, mostra que o número de internações hospitalares por síndrome aguda respiratória grave (uma complicação da Covid-19, mas também de outras gripes), teve aumento histórico em fevereiro e março deste ano. “É um número dez vezes maior do que a média histórica, de cerca de 250 casos de hospitalização nos meses de fevereiro e março, em anos anteriores”, diz o pesquisador Marcelo Ferreira da Costa Gomes à Folha de S. Paulo.

Em coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira, o secretário Gabbardo afirmou que “os próximos 30 dias serão a fase crítica” do contágio por coronavírus no Brasil, mas não concretizou o número de casos esperados. “Não vamos fazer previsão de quantos casos nem quantas mortes. Isso vai depender da transmissão e do número de testes. Vamos fazer o possível para ter os menores números entre 30 e 60 dias”, afirma.

O secretário pondera, no entanto, que a conjuntura não é fácil e que o país enfrentará uma “tempestade perfeita”, já que o período de outono e inverno acumulará no sistema de saúde casos de influenza e de Covid-19, além de dengue em algumas regiões do Brasil. Essa é uma preocupação dos gestores de saúde municipais e estaduais, que pedem que a população aproveite o isolamento domiciliar para acabar com os focos de dengue e que os grupos prioritários não deixem de se vacinar contra a gripe. A lógica é que, imunizados para a influenza, deixarão de ir às unidades de saúde.

Enquanto isso, os secretários de Saúde tentam costurar com o Governo Federal apoios e ações coordenadas para turbinar suas redes hospitalares. O Brasil é um país continental, com estruturas de atenção à saúde muito assimétricas entre cada Estado e também entre capitais e cidades do interior. O SUS já tem uma divisão de regionais e locais de referência estabelecidos que devem seguir funcionando da mesma forma diante da pandemia. Mas, sem uma coordenação maior do Governo Federal, Estados e municípios atuam por sua conta e gera disputas individuais por insumos sem levar em consideração os riscos de cada localidade.

Nesta quinta-feira (26), o ministro Luiz Henrique Mandetta e o corpo técnico do Ministério da Saúde se reuniram online com secretários de saúde de Estados e municípios brasileiros. Decidiram que tanto os insumos para atendimento (como por exemplo os equipamentos de proteção individual) quanto a estrutura para ampliar os leitos de retaguarda passarão a ser distribuídos sob novos critérios. Se num primeiro momento a divisão do reforço do Governo Federal tentava compensar uma estrutura mínima de atendimento para cada Estado, agora pesará na balança a situação epidemiológica das localidades e o número de profissionais de saúde, por exemplo.

Volta dos médicos cubanos

“Tanto os leitos quanto os kits de testes e insumos vão ser distribuídos aos Estados e municípios pela maior necessidade e concentração da doença”, explica o presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Wilames Freire. Gestores de saúde cobram maior agilidade do Ministério da Saúde para preencher novamente as vagas que decidiu fechar do Mais Médicos neste contexto em que a força de trabalho desses profissionais são um ponto crucial. O Governo trabalha para contratar cerca de 5.800 médicos durante um ano para auxiliar na emergência de saúde. Nesta quinta, publicou edital para readmitir os médicos cubanos, ex-Mais Médicos, que ainda se encontrem no país.

O Ministério da Saúde também mudou as regras para disponibilizar um total de 1 bilhão de reais para auxiliar Estados e municípios nas medidas para enfrentar a crise de saúde. Atendeu a demanda dos gestores, que decidirão como serão repartidos esses recursos. Cada Estado e município receberá recursos conforme sua participação na gestão de unidades de alta e média complexidade. Isso porque há Estados em que são as prefeituras que gerenciam os hospitais e, portanto, não faria sentido transferir recursos ao Estado. Inicialmente, a ideia do Ministério era repassar 400 milhões de reais às secretarias estaduais de saúde e 600 milhões às municipais. “A gente fazia monitoramento das ações do ministério. A proposta agora é a gente participar mais ativamente. Não dá pra esperar a burocracia normal para tomar as decisões na ponta. Então queremos estar sentados na mesa o tempo todo, fazendo a co-gestão com o Governo Federal”, diz Hisham Hamida, diretor financeiro do Conasems.

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