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Com 39 mortos e 41 desaparecidos, tragédia na Baixada Santista pode ser três vezes maior que Mariana

Porta voz dos Bombeiros envolvido nas buscas fala em “evento sem precedentes" com chuvas e deslizamentos no litoral. Corporação perdeu dois integrantes que trabalham no resgate

Diogo Magri
Um dos morros afetados pelo deslizamento no Guarujá, na Baixada Santista.
Um dos morros afetados pelo deslizamento no Guarujá, na Baixada Santista.Andre Penner (AP)

A tragédia da vez no Brasil está dentro do Estado mais rico do Brasil. A última atualização da Defesa Civil e Corpo de Bombeiros de São Paulo contabiliza 39 mortos e 41 desaparecidos nas enchentes que atingiram a região da Baixada Santista, no litoral sul de São Paulo, no início da semana. Entre as cidades afetadas, Guarujá se destaca com o maior número de vítimas, 27 no total, e é lá que estão os 41 não localizados, todos moradores de comunidades em regiões populares da cidade que é um dos destinos mais desejados por turistas no litoral de São Paulo. Os números tornam o desastre natural pior do que a tragédia na barragem de Mariana, em 2015, que vitimou 19 pessoas em Minas Gerais, e é até agora o mais impactante no verão chuvoso deste ano que já causou enchentes em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro.

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As três cidades atingidas, Guarujá, Santos e São Vicente, são também as três mais populosas da Baixada Santista e exibem realidades sociais diferentes, mas todas marcadas pela desigualdade e precariedade urbana nas zonas mais pobres. Na última quarta-feira, o governador de São Paulo, João Doria, declarou estado de emergência em Santos (o sexto maior índice de desenvolvimento humano do país) e na mais modesta São Vicente, as duas maiores cidades. Na primeira, são oito óbitos, enquanto a segunda contabiliza três vítimas. Há também 253 desabrigados no Guarujá e 185 em Santos.

No momento, o Corpo de Bombeiros trabalha com um ponto de busca em cada cidade, mas o de Santos, segundo o porta voz tenente André Elias, o ponto onde o Corpo trabalha é o local mais perigoso para o resgate em toda a Baixada. “A encosta é muito íngreme, pequena e de difícil acesso, com risco de novo desmoronamento. O trabalho precisa ser manual e sensível”, argumenta o bombeiro.

O Corpo de Bombeiros perdeu dois de seus integrantes na manhã de terça-feira, a primeira de trabalho nas buscas pela região. Cabo Moraes e Cabo Batalha tentavam resgatar uma mãe e um bebê no Morro dos Macacos, no Guarujá, quando foram atingidos por um segundo deslizamento. O primeiro foi socorrido e não resistiu, mas o segundo segue desaparecido. “Não há preparo profissional que não deixe a tropa abalada [com as mortes]”, confessa o tenente André Elias. “As buscas persistem para dar uma resposta a todos os familiares”, completa. O Morro dos Macacos foi um dos locais com maior número de vítimas, assim como a Barreira João Guarda, também no Guarujá, o local atingido com a maior extensão métrica e, por consequência, com maior número de desaparecidos. Os dois morros abrigam comunidades populares, que são avistadas de longe pelos turistas que lotam as procuradas praias da cidade litorânea, a mais turística da região e com IDH maior que a média nacional. “Não sei nem avaliar a regularidade das ocupações atingidas. A grande maioria de pessoas afetadas é de classe baixa”, comentou o porta voz.

Com cerca de 380.000 habitantes, Guarujá calculou no mês de janeiro, sob pedido da Prefeitura, que irá receber quase 175.000 turistas durante todo o ano de 2020. Graças às belas praias, a cidade rivaliza com Ubatuba, no norte do Estado, como principal destino turístico do litoral paulista. Os bombeiros ainda trabalham em dois pontos de busca, no Morro dos Macacos e na Barreira João Guarda. Doria declarou estado de calamidade pública na cidade. Ao todo, foram arrecadadas 30,5 toneladas de material para ajuda humanitária, entre colchões, cobertores, cestas básicas e kits de higiene. Apesar de mais afetada, Guarujá acumulou 11 toneladas de materiais, contra 15,6 em Santos.

Um dos maiores desastres que o Estado já presenciou

O tenente André Elias classifica as enchentes na Baixada Santista como um “evento sem precedentes” na região, “um dos maiores desastres que o Estado já presenciou”. Somando mortos e desaparecidos das três cidades, o número de 70 vítimas é quase quatro vezes maior que o deixado pelo rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais, em novembro de 2015. Ele ainda é maior que os 53 mortos deixados por uma série de deslizamentos causados por chuvas tropicais na região turística de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, no Reveillón de 2009, mas não ultrapassará o maior desastre climático em número de mortos do país: as enchentes e deslizamentos de terra que assolaram a região serrana do Rio em janeiro de 2011, deixando 917 óbitos nas cidades de Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto e Bom Jardim. O segundo na lista aconteceu no litoral paulista, em Caraguatatuba, quando as chuvas vitimaram 436 pessoas em março de 1976.

O desastre na Baixada Santista aconteceu quase simultaneamente às chuvas que atingiram o Rio de Janeiro. Desde o fim de semana, um temporal deixou cinco mortos e ao menos 5.000 desabrigados nas zonas norte e oeste da capital, além de algumas cidades na Baixada Fluminense. Cariocas e santistas não foram os únicos no Sudeste a sofrerem com o verão chuvoso que marcou os primeiros meses de 2020. No Espírito Santo, pelo menos 10.000 pessoas já tiveram que sair de suas casas por conta de enchentes desde janeiro, o mesmo motivo que deixou 53 mortos e 38.000 pessoas desalojadas em Belo Horizonte. O Estado de Minas chegou a ter 211 cidades com estado de emergência declarado. Uma forte chuva ainda paralisou São Paulo em fevereiro, acumulando 132 pontos de alagamento na maior cidade do país. No estado, foram computadas três mortes em Botucatu, uma em Marília e uma em São Bernardo por conta das chuvas.


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