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Parlamentares manobram para diminuir área de reserva ambiental em Roraima e Amapá

Deputados inseriram em uma Medida Provisória a permissão para aumentar área de exploração em propriedades rurais nos dois Estados. Ambientalistas temem aumento do desmatamento

Panorâmica de uma zona florestal ao norte do Estado do Amapá.
Panorâmica de uma zona florestal ao norte do Estado do Amapá.Daniel Beltrá

Um lobby promovido pelas bancadas de Roraima e do Amapá no Congresso Nacional conseguiu encaminhar para votação uma medida provisória que poderá diminuir nos dois Estados as áreas de preservação obrigatórias, chamadas de reservas legais, nas propriedades rurais. Elas passariam de 80% do terreno para 50%. A alteração, segundo os produtores rurais, é necessária para aumentar a área produtiva. Mas, para ambientalistas e juristas, se implementada ela aumentará o desmatamento na região amazônica, que já vem em uma crescente, e poderá estabelecer um precedente para que outros Estados da Amazônia peçam a diminuição de suas áreas preservadas. O projeto, nomeado MP 901/2019, deve ir à votação na Câmara nas próximas semanas e depois passará pelo Senado.

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A alteração da área das reservas legais dos dois Estados foi inserida em um texto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tinha como objetivo oficializar a doação de terras da União para as duas unidades da federação. Ele não tratava especificamente da redução da área de reserva, apesar de o Governo Bolsonaro ser favorável a esse debate. Essa reserva é o nome técnico da área em que a mata nativa tem de ser preservada nas fazendas e chácaras, instituída pelo Código Florestal de 2012. Na prática, inserir mudanças no Código em uma MP que trata de questão fundiária é considerado uma espécie de contrabando legislativo, o que é chamado nos corredores do Congresso Nacional de jabuti. É colocar um artigo novo em uma proposta que trata de um tema diverso.

O assunto gera um intenso embate entre ambientalistas e ruralistas. De um lado, estão os que dizem que a medida incentivará o desmatamento desenfreado em um período de seguidos registros de alta. No último ano, o desflorestamento na Amazônia cresceu 30%. De outro, estão os que defendem que, sem uma expansão da área a ser utilizada por atividades econômicas, dificilmente os Estados se desenvolverão.

“Uma alteração de forma açodada, via contrabando legislativo, poderia resultar em graves danos não só ambientais, com o crescimento do desmatamento na Amazônia, mas também para a imagem do país e as relações econômicas”, critica o advogado Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA). Presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), diz que tentará evitar que essas emendas prosperem. “Desde o fim dos anos 1990 tentam alterar essa área de reserva legal na Amazônia. É algo recorrente que setores conservadores tentam fazer”.

Já o relator da proposta, o produtor rural e deputado federal Édio Lopes (PL-RR), diz que essas mudanças têm de ser feitas para ajudar na economia local. “Não estamos pedindo o fim do mundo, não estamos pregando o apocalipse, o caos. Estamos pregando o direito constitucional desses Estados sobreviverem economicamente”, afirmou. Pelos cálculos dos defensores da mudança, as áreas possíveis de exploração rural em Roraima e no Amapá são, respectivamente, de 2% de 10% de sua extensão. Todos criticam a quantidade de terras indígenas e unidades de conservação, que são mais de 50 nos dois Estados. “Nós só queremos sobreviver economicamente”, reclamou o senador Mecias de Jesus (Republicanos/RR).

Pela legislação atual é possível reduzir a área de 80% para 50%, desde que haja um zoneamento econômico ecológico de todo o Estado e que 65% do território seja composto por unidades de conservação ambiental ou por terras indígenas. “Temos dificuldades em fazer esse zoneamento porque os índios não deixam”, reclamou o relator Lopes.

Não estamos pregando o apocalipse, o caos. Estamos pregando o direito constitucional desses Estados sobreviverem economicamente
Édio Lopes, deputado

Uma das falhas apontadas pelos especialistas na nova redação da medida provisória é quando se deixa de tratar de biomas, para se debater a preservação de áreas em determinados Estados. A legislação nacional prevê que no bioma amazônico dois a cada dez hectares de terra podem ser explorados, os outros oito têm de ser preservados. No cerrado a reserva legal é de 35% e nos demais biomas, 20%. “A MP traz o benefício só para dois Estados, de maneira localizada e não pelo bioma, o que poderia gerar uma insegurança jurídica”, pondera o advogado Marcos Tiraboschi, que atua com direito ambiental. Na visão desse especialista, os outros oito Estados com bioma amazônico podem pedir alterações localizadas também. “De repente, o Mato Grosso vai perguntar, ‘por que eu não posso reduzir minha área de reserva legal?’”, afirma Tiraboschi.

Além de tentarem diminuir as áreas protegidas das fazendas, os parlamentares da bancada ruralista ainda tentam doar da União para o Estado de Roraima 4.745 hectares de sua Floresta Nacional (Flona), que ao todo tem 169.628 hectares, para a reforma agrária. “Essa é uma mudança para beneficiar garimpeiros. Dizem que vai beneficiar assentamentos, mas é mentira. É um absurdo diminuir uma área protegida”, reclamou o deputado Agostinho. O deputado Lopes negou que haja essa intenção.

Em princípio, havia a previsão de que a medida provisória fosse lida em plenário da Câmara nesta semana. Esse é o primeiro passo para o projeto seguir para a votação. Um grupo de parlamentares pediu ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para postergar a data e eles foram atendidos. A previsão é que a leitura ocorra daqui a duas semanas e a votação em seguida.


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