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Câmara dá aval a plano contra coronavírus e aprova protocolo do Governo de combate à doença

Projeto, que segue para o Senado, regulamenta a quarentena para brasileiros que serão evacuados de Wuhan e autoriza exames e vacinações compulsórias. Não há caso confirmado no Brasil

Passageiros usando máscaras no Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo, em 3 de fevereiro.
Passageiros usando máscaras no Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo, em 3 de fevereiro.AMANDA PEROBELLI (Reuters)
Felipe Betim

Ainda há não nenhum caso de coronavírus confirmado no Brasil. Ainda assim, o Governo Jair Bolsonaro declarou nesta terça-feira, 4 de fevereiro, estado de emergência na saúde pública por causa da epidemia mundial da doença respiratória, que começou a se espalhar a partir da China. Além disso, o Executivo Federal enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) que regulamenta a quarentena para os brasileiros que serão evacuados da cidade chinesa de Wuhan, epicentro da epidemia, e que tem chegada prevista ao Brasil no próximo sábado. Entre outras medidas, também autoriza o Executivo a adotar medidas emergenciais e a realizar exames médicos laboratoriais, coletas de amostras e vacinação de forma compulsória. O PL 23/2020 tramitou em caráter de urgência e, após receber algumas emendas da oposição, foi aprovado na noite desta terça pela Câmara dos Deputados. Deve agora passar pelo Senado antes de ir para a sanção presidencial. Em portaria publicada na edição extra do Diário Oficial da União, o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta também instituiu o Centro de Operações de Emergências, que deverá ser comandado por sua pasta, e estabeleceu diretrizes e protocolos emergenciais para que o Sistema Único de Saúde (SUS) identifique possíveis afetados, realize políticas de prevenção e contenha a propagação do coronavírus.

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Para que o projeto fosse aprovado rapidamente, o Governo negociou com os parlamentares um projeto enxuto que abrangesse apenas a contenção do coronavírus —o Ministério da Saúde deseja um projeto mais amplo, que deverá ser apresentado nos próximos dias, que aborde casos futuros. Dessa forma, o PL enviado ao Congresso regulamenta a quarentena e o isolamento de pessoas infectadas, prevendo a “restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação” daquelas que não estejam doentes, de modo a evitar uma eventual contaminação e propagação do coronavírus. O período de quarentena também se estende a “bagagens, contêineres, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação”.

O projeto também autoriza a realização compulsória de exames médicos e de vacinação, além de permitir a restrição temporária de entrada e saída do país por rodovias, portos e aeroportos. Permite, além disso, que o Governo adquira bens e serviços de pessoas físicas e jurídicas sem licitação e mediante pagamento de indenização. E autoriza a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária que não tenham registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária —a condição é de que estejam registrados por alguma autoridade sanitária estrangeira.

A proposta destaca, porém, que as medidas deverão ser tomadas sempre “com base em evidências científicas”, estarão “limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”. Algumas emendas apresentadas pelo PT foram acatadas, como a instituição de uma ajuda aos familiares das pessoas que estão em quarentena. A oposição também conseguiu emplacar a troca do termo “cidadãos” por “pessoas”, de modo a englobar aqueles que não são brasileiros.

Izabel Marcilio, médica epidemiologista do Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Hospital das Clínicas, de São Paulo, faz algumas ponderações sobre o projeto enviado pelo Governo ao Congresso e, inclusive, questiona a necessidade de um PL dessa magnitude. Em entrevista ao EL PAÍS, a especialista concorda que os repatriados devem passar por um período de quarentena, mas opina que uma portaria do Ministério da Saúde “daria conta do manejo e do tratamento" dessas pessoas. Marcilio também acredita que o PL é fruto de “uma tradição muito burocrática de se fazer lei para regulamentar tudo, o que engessa a máquina pública”.

Apesar de o projeto tratar especificamente da contenção do coronavírus do Brasil ―ao invés de também regulamentar casos futuros, como inicialmente queria o Governo―, a médica argumenta que o PL abre brechas para “uma série de arbitrariedades, com interferência direta nas liberdades individuais”. O projeto não só estabelece os protocolos a serem aplicados no tratamento dos repatriados, como também terá incidência em outros possíveis casos. Autoriza o poder público a realizar exames, vacinações e até exumações obrigatórias. “Obrigar vacinação não é eficiente, a gente conseguiu erradicar uma serie de doenças sem precisar disso. Tornar obrigatório a coleta de exames é outra arbitrariedade, assim como dar o direito ao Estado de fazer exumação de cadáveres, exames necroscópicos e até cremação. Isso não só fere muito algumas crenças e religiosidades como também vai em direção contrária ao que se prega na saúde pública mundial”, argumenta. Ela utiliza como exemplo a epidemia do ebola no continente africano, em 2014. Hábitos de alguns povos na hora de manejar os corpos de pessoas mortas ajudaram a propagar o vírus. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) criou toda uma diretriz para se aproximar das comunidades respeitando crenças locais e religiosidades, entendendo que é preciso respeitar as culturas.”

Repatriação

Nesta terça, o Governo detalhou a operação de repatriação. O grupo que deixará Wuhan será repartido em dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) e devem chegar no país na manhã do próximo sábado, 8 de fevereiro, segundo o ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva. Até a tarde desta terça-feira havia 29 pessoas ―incluindo sete crianças e quatro chineses listados como cônjuges, filhos ou pais de brasileiros― confirmadas para o traslado. A quarentena, que durará 18 dias, será cumprida em Anápolis (Goiás). De acordo com as regras do formulário de adesão, os repatriados ficarão em quartos individuais, não poderão receber visitas e terão seus dados vitais aferidos três vezes por dia, entre outros pontos. Quem apresentar qualquer sintoma da infecção será levado ao Hospital das Forças Armadas, em Brasília, para exame médico. Se o sintoma for detectado no momento do embarque, a pessoa não será repatriada.

A portaria publicada nesta terça-feira por Mandetta confere ao Ministério da Saúde o poder de “planejar, organizar, coordenar e controlar as medidas a serem empregadas durante a Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN)”, além de “articular-se com os gestores estaduais, distrital e municipais do SUS”. Também permite a contratação temporária e emergencial de profissionais da saúde e de serviços sem necessidade de licitação, além da aquisição junto a pessoas físicas e jurídicas dos bens necessários para frear o coronavírus. “Esse evento está sendo observado em outros países do continente americano e a investigação local demanda uma resposta coordenada das ações de saúde de competência da vigilância e atenção à saúde, entre as três esferas de gestão do SUS”, disse Mandetta no decreto.

O ministro também justifica a portaria pela "necessidade de se estabelecer um plano de resposta a esse evento”, assim como “estabelecer a estratégia de acompanhamento aos nacionais e estrangeiros que ingressarem no país e que se enquadrarem nas definições de suspeitos e confirmados para Infecção Humana pelo novo Coronavírus”. Em coletiva de imprensa na tarde desta terça, o secretário de Vigilância da Saúde, Wanderson de Oliveira, informou que há 13 casos suspeitos de coronavírus no Brasil. Também assegurou que nenhum caso foi confirmado dentro do território nacional.

Os números do coronavírus

Até a tarde desta terça-feira, 490 pessoas morreram na China e uma nas Filipinas por causa do coronavírus. Em todo o território chinês foram confirmados 24.324 casos, enquanto que outros 176 casos estão sendo investigados em 24 países. No último sábado, a Espanha confirmou o primeiro caso da infecção em seu território. A OMS declarou emergência internacional na última semana.

No domingo, o Governo Bolsonaro cedeu aos apelos de brasileiros que vivem em Wuhan e anunciou que vai adotar as “medidas necessárias para trazer de volta ao Brasil os cidadãos brasileiros que se encontram na província de Hubei, especificamente na cidade de Wuhan, na China, região de origem da epidemia do coronavírus”, segundo nota divulgada pelo Planalto. Também determinou que "assim que chegarem ao Brasil, eles deverão ser submetidos a quarentena, de acordo com procedimentos internacionais, sob a orientação do Ministério da Saúde”. Na coletiva de imprensa desta terça, informou-se que a comitiva brasileira que resgatará os brasileiros estará integrada por integrantes das Forças Armadas, funcionários do Ministério da Saúde e especialistas “com notório saber”.

A decisão foi tomada após brasileiros que trabalham e estudam em Wuhan terem gravado um vídeo lendo uma carta na qual solicitavam que sejam trazidos de volta ao país. Essas pessoas estão obedecendo a quarentena solicitada pelo governo chinês, mas querem cumprir esse procedimento no Brasil. Com aeroportos fechados na China, eles não têm como retornar. Por isso, apelaram ao Governo para que envie uma aeronave que possa buscá-los. “O Ministério da Defesa, por meio da Força Aérea Brasileira, trabalha na elaboração do plano de voo da aeronave, possivelmente fretada, que será enviada à China”, acrescentou o comunicado do Planalto.

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