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Trabalhar no órgão da vigilância sanitária de São Paulo se tornou “insalubre”, denunciam funcionários

Trabalhadores da Covisa, responsável por controlar a qualidade dos ambientes da capital paulista, denunciam que trabalham sem acesso à água potável há quase um mês

Diogo Magri
Mesas de trabalhadores na Covisa com garrafas levadas pelos funcionários.
Mesas de trabalhadores na Covisa com garrafas levadas pelos funcionários.Divulgação

Funcionários do órgão da Prefeitura de São Paulo responsável por fiscalizar se os ambientes da cidade atendem às normas de saúde e qualidade determinadas pela legislação trabalham há quase um mês em um ambiente que afirmam ser “insalubre”. Após o fim de um contrato com a empresa que fornecia água potável para o prédio, a Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), no centro da capital, disponibiliza para os trabalhadores que se dividem em seus 11 andares apenas três filtros de água caseiros. O responsável pelo controle da qualidade de filtros dos estabelecimentos da cidade, no entanto, se recusa a beber deles, por não acreditar na qualidade da água. Segundo denúncia dos funcionários, todos os filtros de água do prédio foram retirados em 6 de janeiro, quando venceu o contrato da empresa responsável pelo serviço, e a atual gestão da instituição municipal não substituiu os aparelhos —afirma que um pregão para a contratação foi aberto, mas ainda não há o resultado.

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De acordo com a ata da reunião que os funcionários tiveram com a direção do órgão para reclamar da falta de água, a estrutura contava com 35 purificadores espalhados pelo edifício fornecidos pela mesma empresa, vencedora da última licitação. Quando o contrato venceu, em 6 de janeiro, os filtros foram imediatamente retirados. Os empregados que estavam presentes na reunião alegam que a diretoria prometeu a solução da falta de água potável em breve, mas sem dar uma previsão.

“Sabemos que esses pregões são demorados, e essa é a desculpa que eles dão: que abriram uma nova licitação sem previsão para ser concluída. Mas a água é fundamental”, reclama uma das funcionárias da Covisa que trabalha no prédio e não quis ser identificada. O novo pregão pode ser consultado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo. Na edição de 14 de janeiro, oito dias após o encerramento do contrato com a empresa anterior, consta a autorização da licitação eletrônica para contratação de empresa especializada em prestação de serviço de locação, instalação, higienização e manutenção preventiva e corretiva de aparelhos purificadores de água a serem instalados nas unidades da Covisa. O comunicado informa que a abertura das propostas de empresas interessadas acontecerá nesta terça-feira, 28 de janeiro, três semanas após a retirada dos filtros, mas não informa quando o processo terminará.

Através de nota divulgada pela assessoria de imprensa, a Coordenadoria de Vigilância em Saúde afirma que a licitação em andamento está prevista para ser concluída em fevereiro. A nota também afirma que a Covisa “adquiriu galões de água para uso dos funcionários e munícipes” enquanto o pregão não termina, fato não confirmado pelos funcionários entrevistados pela reportagem.

Na ausência dos 35 purificadores, os próprios trabalhadores colocaram à disposição do prédio três filtros encontrados no almoxarifado do lugar: um no térreo, um no quinto andar e outro no décimo andar. A funcionária citada, por exemplo, precisa subir no elevador do prédio para conseguir água potável. “E ainda vou desconfiando da qualidade”, diz, “ou gastamos dinheiro trazendo de fora”. Ela afirma que a situação é pior na atual estação, a mais quente do ano, uma vez que o prédio também não conta com ar condicionado e os filtros do almoxarifado são “simples e caseiros”, sem refrigeração.

Outro funcionário, que trabalha no setor da Covisa responsável por controlar a qualidade de filtros em estabelecimentos, se recusa a beber água do purificador provisório. O homem, que também prefere manter o anonimato, afirma que sentiu um “gosto estranho” ao beber o líquido de um deles, apesar de não saber de nenhum funcionário que tenha passado mal após consumir a água de lá. “Esses filtros não têm data de troca, não têm manutenção e nem controle nenhum”, atesta o empregado especialista na regulação desses aparelhos.

O mesmo também afirma que a Covisa “com certeza seria interditada até resolver o problema” caso precisasse passar no crivo de um órgão regulador de vigilância sanitária que desempenhasse a mesma função da Coordenadoria. O empregado ainda revela que seu caso é agravado por um problema de saúde: “Estou com infecção urinária e preciso beber muita água, mas não consigo. Se houvesse qualquer controle de um órgão superior sobre a situação, o departamento de saúde do trabalhador interferiria a nosso favor”, afirma ele, em referência ao departamento que funciona dentro da própria Covisa e é responsável por realizar inspeções em locais de trabalho.

“Tem um grau de ironia em faltar água em um órgão que regula a vigilância sanitária. Está insalubre”, confessa a funcionária após o expediente. “É bem mais que irônico, é desmoralizante”, completa o colega de trabalho. “As condições de trabalho estão cada vez mais precárias”, reclama ele.

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