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PM arrasta mulheres pelos cabelos em ato contra aumento de tarifa

“Gosto de manifestação para bater nas pessoas”, disse um PM, segundo vítima; polícia deteve dez manifestantes e agrediu jornalistas em ato do MPL

Andreza Delgado, do MPL, é arrastada pelos cabelos no centro da cidade de São Paulo
Andreza Delgado, do MPL, é arrastada pelos cabelos no centro da cidade de São PauloDaniel Arroyo (Ponte Jornalismo)

A Polícia Militar do Estado de São Paulo, comandada pelo governador João Doria (PSDB), agrediu manifestantes no terceiro ato contra o aumento no valor das tarifas do transporte público, organizado pelo MPL (Movimento Passe Livre) nesta quinta-feira (16/1). Os policiais puxaram uma manifestante pelos cabelos e outra pelo pescoço enquanto as prendiam na Praça da República, centro da cidade de São Paulo. A tropa ainda deteve ao menos dez manifestantes, que foram liberados às 5h30 desta sexta-feira. Um PM registrou um boletim de ocorrência no 2º DP (Bom Retiro) contra o grupo por desobediência, resistência e lesão corporal, informou o MPL.

A Ponte, parceira do EL PAÍS, flagrou o momento em que dois policiais homens iniciaram a ação ao dar golpes de mata-leão em duas garotas que seguravam a faixa do protesto. Os PMs as escolheram aleatoriamente. Com a agressão, as pessoas se revoltaram e tentaram interromper os golpes. Em meio à tentativa, a ativista Andreza Delgado, do MPL e PerifaCon, também acabou agredida.

PM segura manifestante na Praça da República, centro da cidade de São Paulo|Foto:
PM segura manifestante na Praça da República, centro da cidade de São Paulo|Foto:Daniel Arroyo (Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo)

“Eu tentei acudir as garotas pegas com mata-leão quando um PM se soltou delas e veio para cima de mim”, conta. “Os policiais me pegaram pelo cabelo, me arrastaram muito. Colocaram o pé em cima de mim. Estou muito dolorida, toda machucada”, descreve Andreza.

Os policiais levaram as duas jovens abordadas inicialmente para viaturas que estavam na Praça da República, no lado contrário à manifestação. Uma delas foi arrastada pelo pescoço em parte do trajeto. Ao menos três PMs que as levaram não possuíam identificação, como determina regra da PM. “Caiu no caminho”, justificou o policial que segurava a garota, enquanto os outros dois se calaram quando perguntados.

Na delegacia, Andreza mostra marca das agressões que sofreu; seus óculos estavam tortos pela violência da PM
Na delegacia, Andreza mostra marca das agressões que sofreu; seus óculos estavam tortos pela violência da PMArthur Stabile (Arthur Stabile/Ponte Jornalismo)

Outras sete pessoas também foram levadas para o 2º DP (Bom Retiro), na região central da capital paulista. “Não me falaram nada. Estou só esperando”, conta Andreza, quando estava sentada na delegacia, aguardando para ser ouvida.

Antes de ser arrastada, a ativista do MPL levou um jato de spray de pimenta dentro da boca em uma primeira ação truculenta da PM, ocorrida na esquina das avenidas Ipiranga e São João. “Em uma foto, eu tô com a boca cheia de leite, que era pra amenizar a irritação”, diz. Depois de detida, ela aguardou até ir para a delegacia. “Fiquei 45 minutos algemada, ouvindo várias provocações. Um PM disse que gostava de manifestação para bater nas pessoas”, relembra.

Ato contra valor das passagens

O terceiro protesto contra o aumento no valor da passagem do transporte público, que foi de R$ 4,30 para R$ 4,40 neste início de ano, teve concentração no Theatro Municipal, centro da cidade de São Paulo. A ideia dos manifestantes era chegar à Avenida Paulista, passando pela rua da Consolação, mas a PM os impediu. Alegou que a chuva que caíra em São Paulo causou trânsito e que o ato pioraria as condições.

Segundo pesquisa no site da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) às 18h, hora em que a marcha sairia, a cidade registrava 38 quilômetros de congestionamento, sendo sete deles no centro, número que está abaixo da média de trânsito para o horário. Uma das alegações do 1º tenente Cesário, líder dos PMs mediadores, é de que havia o risco de acontecerem “arrastões” nos engarrafamentos.

A marcha só começou quando os manifestantes se irritaram e driblaram o bloqueio da PM fixado em direção à Prefeitura de São Paulo, indo no sentido contrário, rumo ao Largo do Paissandu. Cerca de 300 metros depois, a primeira ação truculenta, com a PM usando escudos para impedir a entrada na Avenida Ipiranga.

Nesse instante, PMs distribuíam golpes em quem estivesse na frente, entre eles o fotógrafo da Ponte Daniel Arroyo, agredido com três chutes por um policial. “Dá para perceber que estou trabalhando: estou com uma câmera na mão, credencial, capacete. Estava na linha, identificado, levei três chutes”, relatou Daniel.

Tropa bloqueia manifestantes quando manifestação estava na Avenida São João
Tropa bloqueia manifestantes quando manifestação estava na Avenida São JoãoDaniel Arroyo (Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo)

Com a liberação, o ato seguiu para a Praça da República, onde foi novamente bloqueado, desta vez definitivamente. Cerca de 30 minutos depois, os dois policiais agrediram com mata-leão e detiveram as duas garotas.

Outros cinco manifestantes foram presos na praça da República e outro nas imediações da rua Sete de Abril. Um dos policiais mediadores filmou a conversa de advogados da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) com os detidos, o que viola o direito de defesa, segundo os defensores.

Os policiais usaram bombas de gás lacrimogênio, balas de borracha, deram golpes de cassetete e com seus escudos, inclusive em jornalistas identificados. Com a dispersão dos manifestantes por conta do cheiro, que invadiu a estação República do Metrô e atingiu pessoas que ali estavam, entre elas crianças, a PM passou a caçar quem estava no protesto no entorno da praça.

As dez pessoas foram levadas para o 2º DP e assinariam termo circunstanciado por desacato à autoridade e resistência à prisão, segundo integrantes da OAB que acompanharam o desenrolar das acusações. PMs impediram jornalistas de permanecerem dentro do prédio para acompanhar os trabalhos da Polícia Civil.

A liberação só aconteceu às 5h30 desta sexta-feira (17/1), segundo o MPL. Em nota, o movimento destaca que a polícia cometeu abusos durante a ação no protesto. “Entre as posturas abusivas da polícia, desde o momento das detenções arbitrárias e violentas, foi relatada importunação sexual de uma manifestante por um PM, além das lesões corporais sofridas por diversas pessoas detidas. Isso só mostra que, sob o comando de um governador que diz que a polícia tem carta branca pra atirar primeiro e perguntar depois, o direito à livre manifestação está longe de ser uma realidade”, diz o comunicado enviado na manhã desta sexta-feira.

Os primeiros protestos organizados pelo MPL, em 7 e 9 de janeiro, tiveram repressão por parte da polícia. No primeiro ato, 32 pessoas foram detidas “para averiguação”, como definiu um policial. Entre as pessoas estava o fotógrafo Rodrigo Zaim, que trabalhava na cobertura do protesto. O fotojornalista Daniel Arroyo, da Ponte, foi agredido com golpe de cassetete por um PM na dispersão de manifestantes na estação Trianon/Masp da Linha 2-Verde do Metrô.

O segundo ato teve mais agressões a jornalistas, com profissionais identificados e com câmera nas mãos recebendo novos golpes de cassetete de PMs e outro fotógrafo atingido por uma bomba de gás, que explodiu ao cair no chão. Neste ato, o repórter Arthur Stabile, da Ponte, foi revistado por PMs quando registrava a revista dos policiais a dois manifestantes antifascistas, impedidos de usar bandeira com logo do movimento. “Usa drogas? Tem algum ilícito? Tem problema na Justiça?”, questionou o PM ao profissional.

PM com armas letais procuram manifestantes no centro da cidade de São Paulo
PM com armas letais procuram manifestantes no centro da cidade de São PauloDaniel Arroyo (Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo)

A Ponte questionou a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) sobre as prisões, as agressões cometidas pelos policiais, a falta de identificação de parte dos PMs e por quais crimes os presos foram acusados. Em nota, a pasta informou que toda a ação policial foi para garantir “o direito à livre expressão e a segurança de todos”.

“Após o deslocamento para a região da praça da República, houve um princípio de tumulto que foi contido pelos policiais. Uma policial militar foi ferida durante a ação. Dez pessoas, sendo oito adultos e dois adolescentes, foram detidas por desacato e lesão corporal e encaminhadas ao 2º DP. As imagens citadas pela reportagem são analisadas pela Polícia Militar e as medidas cabíveis serão adotadas”, diz nota.

A reportagem insistiu, mais uma vez, no pedido de um posicionamento sobre as agressões e a denúncia de uma “importunação sexual” feita por um PM contra uma manifestante, mas não obteve retorno até o momento.

Esta reportagem foi publicada originalmente no site da Ponte Jornalismo.


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