_
_
_
_
Varios
_

Troca de acusações, ameaças de veto e dúvidas sobre seu futuro. O saldo do turbulento encontro da OTAN

Após uma das reuniões mais tensas da sua história, aliança militar ocidental abre um processo de reflexão para reparar a fratura entre seus líderes

Lucía Abellán, enviada especial
O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, cumprimenta Donald Trump na presença do primeiro-ministro Boris Johnson.
O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, cumprimenta Donald Trump na presença do primeiro-ministro Boris Johnson.Christian Hartmann / Pool / Bestimage (GTRES)

A OTAN encerrou nesta quarta-feira um dos encontros mais turbulentos da sua história. Em meio a trocas de acusações, ameaças de veto e dúvidas sobre o vigor da organização nascida como contrapeso à antiga União Soviética, os 29 países filiados celebraram em Londres os 70 anos da aliança. Depois dos atritos mais recentes derivados do estilo bronco de Donald Trump, mas também do mal-estar da França e da Turquia, o bloco atlântico lançou um processo de reflexão para tentar selar as fissuras políticas. Os governantes aliados conseguiram articular apenas uma breve declaração na qual deixam claro que não se reunirão em 2020.

Mais informações
Leia mais sobre diplomacia
Mercosur trade bloc summit in Bento Goncalves
Tensão entre Brasil e Argentina contamina cúpula do Mercosul
México assume liderança regional com asilo a Evo Morales

O que pretendia ser um aniversário discreto, celebrado em um complexo de luxo nos arredores de Londres, tornou-se um rosário de desencontros. A lapidar frase do presidente francês, Emmanuel Macron, que dias antes tinha atribuído à OTAN um “estado de morte cerebral”, provocou uma reação irada do líder norte-americano, Donald Trump, que considerou os comentários “muito insultantes”. A polêmica seguinte também envolvendo Trump surgiu em um âmbito inesperado: a recepção que a rainha da Inglaterra ofereceu aos chefes de Estado e de Governo no palácio de Buckingham, na noite de terça-feira. Uma câmera captou uma conversa informal entre Macron e os primeiros-ministros do Canadá, Justin Trudeau, do Reino Unido, Boris Johnson, e da Holanda, Mark Rutte, em que eles pareciam zombar de Trump, de suas longas declarações à imprensa e do estupor de seus colaboradores. Assim como já havia feito na véspera com Macron, Trump não hesitou em criticar Trudeau “Tem duas caras”, afirmou e o recriminou por não gastar o suficiente em defesa.

Sempre alheio ao protocolo e talvez por causa daquela zombaria sobre suas aparições públicas, Trump decidiu cancelar de última hora a sua participação na entrevista coletiva que os líderes aliados costumam oferecer ao final desses encontros. “Fizemos muitas outras nos últimos dois dias”, argumentou Trump no Twitter. Antes de ir embora, reuniu-se reservadamente com a governante que mais se chocou com ele no passado, a chanceler alemã, Angela Merkel.

Paradoxalmente, todo esse gestual externo contrastou com a calma vivida dentro da sala, segundo fontes presentes no encontro. Trump deixou de lado a beligerância de outras vezes em relação à necessidade de que os Estados gastem mais em defesa, embora na véspera tenha aludido, sem citar nomes, aos países da OTAN que dispendem menos de 1% do seu PIB em defesa (Espanha, Bélgica e Luxemburgo). Concluída a cúpula, o primeiro-ministro interino da Espanha, Pedro Sánchez, disse não ter havido recriminações diretas. Pelo contrário: “Mantive uma conversa com Trump e ele me manifestou seu profundo agradecimento pela colaboração entre as Forças Armadas da Espanha e Estados Unidos”, afirmou na entrevista coletiva.

A harmonia, entretanto, foi induzida. As celebrações do 70º aniversário da OTAN foram deliberadamente concebidas para dar pouco espaço à discussão. Houve uma só sessão trabalho, na manhã desta quarta, e milimetricamente ajustada ao tempo disponível: três horas, sem blocos temáticos concretos. Tampouco se organizou um jantar de trabalho prévio só a recepção no palácio de Buckingham, que serviu mais para a fofoca que para discussões reais.

Declaração conjunta

Sempre conciliador, o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, quis afastar o foco das disputas exibindo como feito a parca declaração conjunta dos aliados. Perguntado sobre as discordâncias entre os líderes, Stoltenberg as minimizou “Os desacordos sempre geram mais atenção que os acordos”, observou e preferiu destacar os consensos. Entre eles, o compromisso de continuar protegendo aos países bálticos, vizinhos da Rússia e inquietos por suas possíveis intromissões.

Esse acordo tácito foi alcançado apesar de o líder turco, Recep Tayyip Erdogan, ter ameaçado na véspera vetar essa política de respaldo aos bálticos, uma das bandeiras da OTAN. Erdogan exigia que os aliados considerem terroristas as tropas curdas do YPG, que foram apoiadas pelo Ocidente na guerra síria. Como Trump, tampouco o líder turco falou à imprensa após a reunião.

Em meio a essa superposição de vozes, a aliança decidiu abrir um processo para reforçar seu flanco político. Macron considera isso fruto de suas palavras. “Felicito-me por pela primeira vez assumirmos um exercício de reflexão coletiva”, afirmou, embora fontes da Aliança destaquem que já houve outros processos de reflexão anteriores com especialistas externos. A organização deverá agora nomear a um comitê de sábios que fará propostas de reforma.

Embora as cúpulas da OTAN tradicionalmente fossem bienais, desde o encontro de 2016, em Varsóvia, seus líderes se viam todos os anos. Desta vez, porém, a declaração conjunta deixa claro que não haverá cúpula em 2020. Salvo imprevistos, a próxima reunião só será em 2021.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_