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Bruno Henrique, dos campos de terra em Belo Horizonte a melhor jogador da América

Eleito o craque da Libertadores, atacante rubro-negro jogou na várzea até os 21 anos

Bruno Henrique comemora gol na Libertadores em homenagem ao filho Lorenzo.
Bruno Henrique comemora gol na Libertadores em homenagem ao filho Lorenzo.Alexandre Vidal (CRF)

“Já viu o tanto que esse menino joga?”. Essa era a frase mais utilizada para se referir, no começo da década, a um jovem fenômeno do futebol amador de Belo Horizonte. Apelidado de Juninho Neymar, pelo cabelo inspirado no então atacante do Santos e o estilo irreverente, ele não vingou como atleta profissional —ao contrário de Bruninho, seu irmão mais novo que acaba de ser aclamado melhor jogador da América.

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Bruninho é Bruno Henrique Pinto, atacante do Flamengo que iniciou a jogada do gol de empate contra o River Plate na final da Libertadores. Há sete anos, formava ao lado do irmão Juninho a dupla de ataque do Inconfidência, time amador do Concórdia, bairro pobre de BH, que tem um escudo parecido com o do Botafogo. Sua formação como jogador se deu na várzea até completar 21 anos. Morava em uma casa humilde na Vila Tiradentes, localizada entre uma boca de fumo e o campo de terra batida do Inconfidência. Por insistência dos avós, que os criaram, Bruninho e Juninho escolheram o caminho da bola, apesar de nunca terem recebido oportunidades na base dos grandes clubes mineiros.

No início de 2012, o Inconfidência chegou à final da Copa Itatiaia, torneio tradicional da várzea mineira. Bruninho fez três gols e deu uma assistência, garantindo o título para a equipe de seu bairro. Juninho faturou o prêmio de revelação do campeonato. Pelas atuações na competição, a dupla ganhou um contrato com o Cruzeiro, com salário de 2.500 reais. Largaram emprego e a Vila Tiradentes para apostar na ambição, àquela altura tardia, de se tornarem jogadores de futebol. Porém, jamais chegaram a atuar pelo time celeste.

Ambos foram emprestados para clubes do interior de Minas. Juninho rodou por algumas equipes, mas, aos 27 anos, acabou desistindo da carreira e hoje se contenta em participar de jogos amadores em Belo Horizonte. Bruninho insistiu. Passou pelo Uberlândia e Itumbiara antes de assinar contrato com o Goiás, em 2015, onde marcou sete gols na Série A do Campeonato Brasileiro. O bom desempenho chamou a atenção do Wolfsburg, da Alemanha, que se dispôs a pagar mais de 20 milhões de reais para contratá-lo.

Em cinco anos, deixou de jogar na várzea para realizar o sonho de disputar a Champions League. No jogo de ida das quartas de final, contra o Real Madrid, infernizou a defesa do time espanhol e deu uma assistência na vitória por 2 a 0. O Wolfsburg não conseguiu superar o Real na partida de volta, e Bruninho, nesse momento já conhecido como Bruno Henrique, perdeu espaço entre os titulares. Por não falar alemão, sem se adaptar ao país, acabou retornando ao Brasil para defender o Santos, em 2017.

Bruno Henrique (à dir.) no campo do Inconfidência.
Bruno Henrique (à dir.) no campo do Inconfidência.ARQUIVO PESSOAL

Com dribles em velocidade, relembrou seus melhores momentos no Goiás e recuperou a alegria de jogar no clube que, até pouco tempo, o inspirava na várzea. O Santos de Neymar era a grande referência da época em que o irmão era comparado ao astro revelado pelo Peixe. De repente, se viu ocupando a mesma posição do ídolo, que é dois anos mais novo, na Vila Belmiro. Mas, em 2018, o conto de fadas virou pesadelo ao sofrer uma grave lesão na retina do olho direito. “Pensei que não voltaria mais a jogar”, diz Bruno Henrique, que, apesar da temporada prejudicada por contusões, foi contratado pelo Flamengo.

No clube rubro-negro, atingiu o ápice da carreira. Já marcou 31 gols na temporada, sendo cinco deles na Libertadores, somados a outras cinco assistências. A consagração como melhor jogador do torneio coroa o ano em que cumpriu a profecia da avó Léa, que morreu em 2013. Ela sempre dizia que, embora a realidade da várzea indicasse o caminho do amadorismo, o neto chegaria à seleção brasileira. Em setembro, Bruno Henrique vestiu a camisa amarela pela primeira vez ao entrar o amistoso contra a Colômbia, com o nome da avó tatuado no braço. “Tenho certeza que, lá do céu, ela está muito feliz de ver aonde eu cheguei”, disse o atacante depois da partida.

O bairro Concórdia parou no último sábado para assistir ao Profi, apelido dado pelos garotos do bairro, cravar seu nome na história do clube mais popular do país. “Foi sofrido, com a cara do Flamengo, mas todo nosso esforço valeu a pena”, comentou sobre a vitória por 2 a 1, de virada, em cima do River. Hoje, o campo do Inconfidência, recentemente equipado com grama sintética, já não tem mais o aspecto varzeano onde Bruninho levantava poeira sete anos atrás. Mas o craque do Flamengo lembra com carinho da trajetória pelo futebol amador, carregando um lema que contraria a rota convencional rumo ao estrelato: “Os melhores jogadores saem da várzea”.

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