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Greve geral na Colômbia testa Governo de Iván Duque, desaprovado por 69%

Convocação dos sindicatos coincide com uma série de reivindicações sociais e se soma ao descontentamento com o Executivo

Santiago Torrado
Iván Duque em uma cerimônia de passagem de tropas em vista.
Iván Duque em uma cerimônia de passagem de tropas em vista.Presidencia de Colombia
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Atravessando seu pior momento em mais de um ano no cargo, o presidente da Colômbia, Iván Duque, enfrenta na próxima quinta-feira uma paralisação nacional que monopoliza o debate público e põe sua liderança à prova. Embora a tradição sindical colombiana seja pálida em comparação a outros países da região, a convocação das organizações de trabalhadores pode ser potencializada pelo descontentamento contra um Governo que mantém abertas múltiplas frentes de atrito social. Nesse contexto, a paralisação acabou por despertar grandes expectativas em diversos setores, enquanto outros temem a possibilidade de abusos.

O Comando Nacional Unitário, que reúne várias centrais sindicais, convocou desde outubro uma mobilização contra várias políticas econômicas, especialmente as reformas que afetam o mercado do trabalho e o sistema previdenciário. O Governo argumenta que não há nenhum texto definido sobre esses dois temas, e que os projetos que vier a apresentar serão previamente discutidos. Entretanto, as organizações de trabalhadores alegam que diversos porta-vozes do Executivo já deixaram clara a tendência a flexibilizar as leis trabalhistas e enfraquecer a Colpensiones (órgão público que administra o sistema previdenciário) em benefício dos recursos privados.

A convocação coincidiu com uma série de reivindicações sociais de estudantes — que se mantêm nas ruas para pedir mais recursos para o ensino superior —, professores, opositores e ativistas de todo tipo chamando para passeatas. Até artistas como o cantor Carlos Vives terminaram mergulhados na crispação das redes sociais por exporem suas razões para se manifestarem, e inclusive a Igreja se mostrou a favor do protesto pacífico. As queixas vão do incessante assassinato de líderes sociais, indígenas e ex-combatentes que assinaram a paz, à volta do fantasma das execuções extrajudiciais por parte das Forças Armadas e o bombardeio militar em que morreram oito menores de idade, passando pela própria estigmatização dos protestos sociais.

O Centro Democrático, partido conservador ao qual é filiado Duque, atribuiu a mobilização à “estratégia do Foro de São Paulo, que tenta desestabilizar as democracias da América Latina, secundado por grupos opositores cujo propósito foi bloquear” o fragilizado Executivo atual. Membros do próprio Governo, que lançou uma agressiva campanha com o lema “a Colômbia não para”, mostraram-se preocupados frente à ordem pública e o vandalismo, apontam esforços de “desestabilização” e enfatizam um pano de fundo político que ninguém tentou esconder. As autoridades tomarão uma série de medidas que incluem o fechamento das fronteiras, e a presença de militares em Bogotá já despertou críticas. “Caso se prolongue, tudo está previsto”, afirmou a ministra do Interior, Nancy Patricia Gutiérrez.

“O protesto social pacífico é um direito dos colombianos, e é um dever do Estado, dos governantes locais, garantir o exercício do protesto pacífico”, disse o presidente no fim de semana, na estreia de Conéctate con Duque, um programa de televisão com mais de duas horas em que se dedicou a defender sua gestão, acompanhado de alguns de seus ministros. “Mas também é um dever de todos rejeitar, censurar, acusar, revelar e punir exemplarmente a quem pretende apelar à violência, ao vandalismo e à pilhagem para atentar contra os direitos dos colombianos”, acrescentou.

“É muito provável que em 21 de novembro ocorram desmandos. Há muita animosidade no ar e, em mar revolto, os vândalos e sabotadores procuram o caos”, avaliou o jornal El Espectador em seu editorial. “Entretanto, tudo deve ter suas justas proporções. Se milhares de colombianos partem pacificamente, é injusto que o enfoque da cobertura da paralisação seja o da violência.”

Duque, que chegou ao poder em agosto do ano passado com o apoio decidido dos empresários, teve que enfrentar uma crescente mobilização social. Já teve que lidar, entre outras, com ondas de protestos estudantis e indígenas. A greve da próxima quinta-feira, entretanto, chega num momento de particular fraqueza política para o mandatário, que carece de maiorias legislativas.

Os candidatos do Centro Democrático perderam nas principais cidades nas eleições locais e regionais de outubro, a desaprovação de Duque alcança 69% nas pesquisas mais recentes, e a oposição forçou neste mês à renúncia do questionado ministro da Defesa, Guillermo Botero, substituído pelo ex-chanceler Carlos Holmes Trujillo. Foi justamente durante o debate da moção de censura a Botero no Senado que se soube da operação militar contra dissidências das FARC no departamento de Caquetá, em agosto passado, na qual oito menores foram mortos, num episódio que gerou uma nova onda de indignação.

No plano econômico, a Colômbia exibe um invejável crescimento — 3,3% no resultado anual do PIB no terceiro trimestre —, mas a taxa de desemprego se mantém nos dois dígitos, tornando-se a principal preocupação dos colombianos nas pesquisas. Além disso, o Governo deve submeter novamente ao Congresso a sua reforma tributária, pois a versão anterior foi derrubada na Corte Constitucional por problemas de tramitação. Terreno fértil para um descontentamento que os manifestantes se propõem fazer ecoar nas ruas.

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