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Polícia intensifica cerco a jovens em universidade de Hong Kong

Agentes esperam que cansaço e falta de comida abalem o ânimo dos manifestantes contra o Governo, que cogita adiar eleições marcadas para o fim de semana

Macarena Vidal Liy
Manifestantes nas imediações da Universidade Politécnica de Hong Kong, nesta segunda-feira.
Manifestantes nas imediações da Universidade Politécnica de Hong Kong, nesta segunda-feira.THOMAS PETER (REUTERS)

O cerco da polícia à Universidade Politécnica de Hong Kong não dá sinais de trégua depois dos confrontos de grande violência ocorridos no fim de semana. Centenas de jovens continuam sitiados no campus, cada vez mais cansados e com reservas de comida minguantes. Os policiais que demarcam a zona, aparentemente convencidos de que mantêm retidos ali os manifestantes mais radicais, insistem em que deterão qualquer um que se estiver na área. Há uma semana impedem a entrada de qualquer um e a saída de quem não comprovar estar lá por questões profissionais.

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A polícia parece ter adotado nas últimas horas a tática de esperar que o cansaço, o isolamento e a falta de suprimentos abalem o ânimo dos estudantes, que podem acabar se entregando. Isso depois de ter advertido que responderá com fogo real se os estudantes utilizarem "armas letais" em sua defesa. Na segunda-feira, um agente ficou ferido na panturrilha por uma flecha lançada por manifestantes.

"O cerco da polícia à Universidade Politécnica é a confrontação mais violenta até o momento nos protestos de Hong Kong. Ao criar um cerco e disparar gás lacrimogêneo e balas de plástico contra quem tenta escapar, a polícia de Hong Kong novamente agita as chamas da violência, quando deveria tenta apagá-las", declarou a Anistia Internacional, organização de defesa dos direitos humanos.

Cada tentativa dos estudantes de abrir uma brecha para escapar e cada manobra de distração de apoiadores do lado de fora recebem como resposta uma chuva de gás lacrimogêneo e de balas de plástico. Os jovens reagem atirando pedras da calçada e coquetéis Molotov.

Pela manhã, os estudantes tentaram sair em massa. Alguns poucos conseguiram escapar, outros foram detidos, mas a maioria recuou diante da atmosfera carregada de gás lacrimogêneo. Com o passar do dia, repetiram-se disputas similares, todas com o mesmo resultado. Segundo a polícia, foram detidas 51 pessoas com coletes refletivos que os identificavam como prestadores de primeiros socorros ou jornalistas –embora, segundo essa versão, os primeiros desconheçam os métodos mais básicos de assistência, e os supostos repórteres não tenham credenciais (que não eram necessárias no começo dos protestos contra o Governo e a favor da democracia, cinco meses atrás). Desde o início das manifestações, a cifra de detenções já beira 4.500.

Na tarde desta segunda, pela hora local,  cerca de 20 jovens foram levados em ambulâncias com ferimentos ou sinais de hipotermia, depois de ficarem encharcados pelos canhões de água da polícia.

Entre os jovens confinados na universidade pode haver até uma centena de secundaristas, segundo relato de diretores de colégio que pedem a retirada desses alunos. Os policiais insistem que qualquer um que sair do perímetro será detido e indiciado por causar distúrbios, acusação que pode levar a até dez anos de prisão. Dezenas de pais sentaram-se em sinal de protesto junto a um dos pontos de controle da polícia, pedindo a liberação de seus filhos.

Soldados

No fim de semana, pela primeira vez desde o início das mobilizações, em junho, soldados do quartel do Exército Popular de Libertação (EPL) da China saíram às ruas de Hong Kong ostensivamente para limpar alguns dos destroços deixados pelos confrontos. Segundo a edição desta segunda-feira do South China Morning Post, esses soldados pertencem a unidades de elite com experiência no Tibete e Xinjiang, onde ocorreram fortes campanhas de repressão às minorias tibetana e uigur.

A aparição dos soldados nas ruas, embora vestindo agasalhos esportivos e numa área extremamente limitada, causou uma forte polêmica em Hong Kong. Os simpatizantes dos manifestantes apontam que o princípio de "um país, dois sistemas", que rege a antiga colônia britânica, proíbe que tropas chinesas participem de tarefas internas de Hong Kong –mesmo que aparentemente tão simples como retirar tijolos arrancados– se não houver um pedido expresso do Governo local, algo que o Executivo não fez, segundo seus porta-vozes. Perguntado sobre a presença dessas tropas, um porta-voz de Defesa chinês, Wu Qian, disse em Bangkok (Tailândia) que "restabelecer a ordem" nas ruas da ex-colônia britânica "é a tarefa primordial".

Máscaras

Os manifestantes conseguiram enquanto isso um importante triunfo legal e moral. O Alto Tribunal de Hong Kong declarou inconstitucional a lei que proíbe o uso de máscaras em atos públicos ou contra as ordens da polícia, imposta em 4 de outubro. "As restrições que impõe aos direitos fundamentais (…) vão muito além do que é razoavelmente necessário", disseram os juízes, que assim deram a razão aos legisladores da frente democrática de oposição que havia entrado com um recurso contra a medida.

A polícia já anunciou que deixará de exigir o cumprimento da norma, muito polêmica –e pouco respeitada. Para aprová-la sem passar pelo Legislativo autônomo, o Governo local invocou uma ultrapassada lei da era colonial que concede poderes extraordinários ao ministro principal em casos de grave ameaça nacional.

A tensão, agravada desde que na semana passada os manifestantes convocaram uma campanha para multiplicar os incidentes de protesto, já ameaçavam ofuscar as eleições municipais previstas para o fim de semana, nas quais se espera um forte voto de castigo ao governo local encabeçado por Carrie Lam: uma pesquisa publicada em outubro no jornal Mingpao dava apenas 6% dos votos ao bloco pró-Pequim.

Nesta segunda-feira, pela primeira vez o Executivo foi explícito sobre a possibilidade de adiar a eleição prevista para o próximo domingo (24/11), algo que os manifestantes sempre temeram. Segundo a rede de televisão RTHK, o secretário para Assuntos Constitucionais, Patrick Nip, salientou que os incidentes da última semana tornaram "menos provável" a realização das eleições na data prevista. Uma das exigências dos estudantes nesta última semana foi justamente que o Governo oferecesse garantias de que a eleição não seria adiada, o que elevaria ainda mais os níveis de violência dos últimos dias.

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