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A guinada de uma cúpula militar cortejada pelo presidente Evo Morales

Atritos com a polícia marcaram a saída do mandatário boliviano

Policiais durante um protesto contra Evo Morales, no sábado, em La Paz.
Policiais durante um protesto contra Evo Morales, no sábado, em La Paz.CARLOS GARCIA RAWLINS (REUTERS)

Um dos principais fatores para a queda do presidente da Bolívia, Evo Morales, foi o papel passivo das Forças Armadas, que primeiro decidiram “não enfrentar o povo”, e depois pediram a renúncia do mandatário. Este fato é paradoxal, porque os militares foram sistematicamente cortejados por Morales e seu Governo, que lhes deu ajudas financeiras, cedeu-lhes espaços da Administração do Estado, como a gestão da aviação, aumentou seu orçamento e manteve excelentes relações com seus comandantes, inclusive o último, Williams Kaliman, que foi criticado por suas adulações a Morales, considerado pelos oficiais o seu “presidente favorito”.

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Morales se reunia cada segunda-feira com a cúpula militar e participava com grande entusiasmo dos desfiles e atividades castrenses. Também incorporou os soldados a diversas tarefas sociais do Estado, como a distribuição de bônus e programas de irrigação. O Governo de Morales apoiou fortemente as empresas militares, sob a concepção nacionalista do Exército como coluna vertebral do desenvolvimento nacional.

Inclusive no momento de renunciar, Morales e seu vice, Álvaro García Linera, evitaram recriminar os militares por sua inação, enquanto sim criticaram “setores da polícia” que deixaram de agir perante os protestos populares.

Apesar da proximidade do Governo caído com os quartéis, também é verdade que estes se sentiram incomodados, embora sem expressá-lo publicamente, com a intenção de Morales de doutriná-los numa ideologia esquerdista, por exemplo com a criação de uma Escola Anti-Imperialista, obrigatória para os oficiais.

Mas a explicação mais importante do comportamento dos militares nesta crise se acha no encarceramento dos comandantes das três Forças que dirigiram a repressão de outra sublevação popular, a que ocorreu em outubro de 2003 contra o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. Aqueles militares foram os únicos condenados com penas severas, de 10 a 15 anos, no julgamento de responsabilidades instruído contra Sánchez de Lozada durante o Governo de Morales. Naquela época, foi dito que a sentença, fortemente impulsionada pelo presidente, faria os sucessores daqueles comandantes se negarem a aceitar ordens de se encarregar da ordem interna, quando isto fosse necessário.

Outro fator que pesou contra Morales nesta crise foi seu distanciamento em relação à polícia, que explica em grande parte o motim desta nos últimos dias. Os policiais se sentiram ofendidos pelo Governo, especialmente dadas as circunstâncias: a própria crise interna da instituição, que a levou a descumprir as expectativas que o presidente e a sociedade lhe haviam dedicado. Os escândalos se acumularam, sendo o pior deles o envolvimento do general René Sanabria, ex-chefe da Força Especial de Luta Contra o Crime, num caso de narcotráfico. Em resposta, o Governo teve que retirar da polícia duas tarefas-chaves: a concessão de cédulas de identidade e de carteiras de motorista. Sabia-se que este fato estava causando um mal-estar dentro da Polícia, e na época houve quem previsse que isso se traduziria, mais adiante, em protestos que poderiam debilitar a estabilidade política do país. Deixar o corpo policial ferido estaria por trás do comportamento sedicioso que a instituição adotou nestas semanas.

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