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Twitter impõe proibição global da propaganda política na sua plataforma

O líder da empresa, Jack Dorsey, diz que a decisão busca evitar os “riscos” trazidos pelos algoritmos para o debate público

Pablo Ximénez de Sandoval
Un usuario, ante la página de Twitter de la formación ultraderechita alemana.
Un usuario, ante la página de Twitter de la formación ultraderechita alemana. Carlos Rosillo
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A rede social Twitter, um dos maiores símbolos de como a Internet mudou as regras da política em todo o mundo na última década, proibirá a propaganda política na sua plataforma. O anúncio foi feito pelo fundador e executivo-chefe da empresa, Jack Dorsey, numa série de mensagens nas quais argumentava que “o alcance de uma mensagem política deveria ser algo que se ganha, não que se compra”. A decisão é radicalmente oposta à atitude do Facebook, que há poucas semanas deixou claro que admite disponibilizar suas ferramentas para qualquer campanha, sem assumir a responsabilidade por eventuais desinformações.

“Uma mensagem política ganha influência quando as pessoas decidem seguir uma conta ou retuitá-la. Pagar para ter mais alcance elimina essa decisão e obriga as mensagens políticas a serem otimizadas e direcionadas. Acreditamos que esta decisão não deveria ser condicionada pelo dinheiro”, diz Dorsey.

“Embora a publicidade na Internet seja incrivelmente poderosa e muito efetiva para os anunciantes comerciais, esse poder acarreta riscos importantes na política, onde pode ser utilizada para influenciar os votos e afeta a vida de milhões de pessoas”, prossegue o executivo do Twitter.

A evidência de que redes sociais como Twitter e Facebook são um novo ator no discurso político, com uma influência que pode chegar a mudar o rumo de países inteiros em pouco tempo, se tornou patente em 2016. Naquele ano o mundo assistiu ao triunfo eleitoral de três movimentos que surpreenderam a política tradicional: a candidatura presidencial de Donald Trump, a campanha pelo Brexit e a campanha contra o acordo de paz na Colômbia. Todas elas conseguiram mobilizar bolhas muito específicas, que as redes permitem identificar com precisão cirúrgica, e cujas intenções não são detectadas no radar das pesquisas e da política mainstream.

Nas redes, além disso, a mensagem política se mistura às opiniões pessoais de centenas de milhões de pessoas e não está submetida a regra alguma, por isso quase não há controles ou maneira de rebater a desinformação e os rumores falsos. A informação vai diretamente de uma campanha ou de um grupo de interesse para o usuário específico que se deseja convencer, sem contexto nem possibilidade de expô-lo a outras ideias. O escândalo da empresa Cambridge Analytica, que utilizou dados obtidos do Facebook para localizar com enorme precisão os eleitores que poderiam dar a vitória a Trump, revelou ao mundo a forma como as redes podem ser usadas.

“Os anúncios políticos na Internet apresentam desafios completamente novos para o discurso cívico: a otimização de mensagens através da aprendizagem das máquinas, o microtargeting (apontar pessoas concretas com enorme precisão), a desinformação não checada e os deep-fakes (imagens manipuladas de maneira tão sofisticada que o truque é indetectável). Tudo cada vez com mais velocidade, sofisticação e numa escala assustadora”, diz Jack Dorsey.

O Twitter tem cerca de 320 milhões de usuários ativos em todo o mundo. Está muito longe dos 2,2 bilhões do Facebook, do bilhão do Instagram e dos dois bilhões do YouTube. Sua influência na política e na mídia, entretanto, é considerável com relação ao seu tamanho, sobretudo pelo uso dado a ele pelos dois últimos presidentes norte-americanos Barack Obama e especialmente Donald Trump.

A primeira reação à decisão chegou uma hora depois do anúncio, vindo justamente da campanha de Donald Trump à reeleição. Seu coordenador, Brad Parscale, publicou um comunicado dizendo que “o Twitter acaba de renunciar a centenas de milhões de dólares em potenciais lucros, uma decisão muito estúpida para seus acionistas. Será que o Twitter também vai frear os meios progressistas tendenciosos que não serão controlados ao comprarem conteúdo político para atacar os republicanos? Esta é mais uma tentativa de silenciar os conservadores, porque o Twitter sabe que o presidente Trump tem o programa on-line mais sofisticado que já se viu”.

O momento do anúncio é relevante. Faltando pouco mais de três meses para o início das eleições primárias nos Estados Unidos, as atenções estão voltadas para a atitude destas plataformas, que até agora permitiram compartilhar desinformação, mentiras e ataques que seriam inconcebíveis nos meios tradicionais, e isso, como diz Dorsey, tem consequências que afetam a vida de milhões de pessoas.

Uma das primeiras provas aconteceu no começo deste mês. A campanha de Trump à reeleição lançou um anúncio com afirmações falsas sobre Joe Biden, que lidera a corrida entre os democratas. A CNN se recusou a exibir o anúncio, e a Fox News o retirou do ar, por exemplo. Mas o Facebook não. A plataforma respondeu às queixas da campanha de Biden alegando que, “com base na liberdade de expressão e no respeito pelo processo democrático”, não participaria do escrutínio político, pois entende que já há controles suficientes.

A atitude do Facebook de permitir praticamente tudo na sua plataforma foi imediatamente denunciada pelo lado democrata, temoroso de uma nova guerra de desinformação e mentiras, somadas ao microtageting permitido pelo Facebook, como em 2016. A campanha da presidenciável democrata Elizabeth Warren, por exemplo, publicou propositalmente um anúncio com afirmações falsas no Facebook para demonstrar a falta de responsabilidade da empresa.

Na última segunda-feira, centenas de funcionários do Facebook enviaram uma carta a Mark Zuckerberg, fundador e principal executivo da empresa, criticando a decisão de não controlar o que é dito na plataforma. “Liberdade de expressão e expressão paga não são a mesma coisa”, dizia a carta.

Zuckerberg depôs na semana passada ao Congresso norte-americano e foi insistentemente perguntado sobre o perigo das fake news na sua plataforma. Em um diálogo com a deputada Alexandria Ocasio-Cortez que viralizou, esta lhe perguntou se poderia comprar um anúncio no Facebook com informação falsa sobre os republicanos. “Provavelmente”, respondeu Zuckerberg. Quando lhe perguntou se não tinha nenhum problema com isso, Zuckerberg respondeu: “Bom, eu acho que mentir é ruim”.

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