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Óleo nas praias do Nordeste intoxica voluntários e acende alerta de saúde pública

Números de já atendidos em Pernambuco é modesto, 17, mas atuação de mutirões sem proteção adequada preocupa. Para ministro, maior problema é material usado para se limpar

Voluntários retiram óleo na praia de Itapuama, na cidade de Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco.
Voluntários retiram óleo na praia de Itapuama, na cidade de Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco.LEO MALAFAIA (AFP)
F. Betim

O óleo que avança pelo litoral nordestino —nesta sexta-feira chegou em Ilhéus, no sul da Bahia— já se tornou um problema de saúde pública. Muitos dos voluntários que estão participando dos mutirões de limpeza nas praias de Pernambuco apresentam sintomas de intoxicação, tais como ardência na pele (dermatite de contato), irritação nos olhos, náuseas e vômitos. Os sintomas variam de pessoa para pessoa. Há também aqueles que conseguem trabalhar por dias manejando o óleo sem sentir nada, segundo relatos escutados por este jornal. As prefeituras estão disponibilizando ambulâncias do Samu (Serviço de Antendimento Móvel de Urgências) nas praias para atender os casos mais urgentes, enquanto que hospitais e unidades de atendimento da Grande Recife vêm recebendo aquelas pessoas que sentem os efeitos do contato com o piche dias depois do trabalho de limpeza.

“Fui com luva, mas não estava de galocha. O tênis estava me machucando e acabei tirando. Foi quando pisei no óleo”, conta Ednally Barbosa, que esteve na praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, na última segunda-feira. Depois de todo um dia de trabalho, que durou de 9h às 18h, começou a sofrer com as dores de cabeça, tonturas, náuseas e diarreia. Na terça-feira à noite buscou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em sua cidade, São Lourenço da Mata, a 19 quilômetro da capital Recife. “Falaram que estavam atendendo apenas os casos graves naquela noite e que eu deveria me prevenir. Não tinham protocolo de atendimento”, conta a mulher, de 25 anos. As dores  de cabeça e náuseas vêm e vão. Não tomou nenhum remédio ainda, mas assegura estar tomando muita água.

Sara Cristina da Silva, de 40 anos, também se dispôs ajudar assim que o óleo chegou, no último domingo, à ilha de Tatuoca, na região de Suape, em Cabo de Santo Agostinho. “Começamos a fazer todo o manuseio do óleo sem o equipamento de proteção. Não tínhamos noção da toxicidade do óleo. Depois, com o sol esquentando, percebemos que a mão estava ficando frágil”, recorda. Por volta de 11h da manhã, os voluntários resolveram fazer uma pausa e pedir auxílio para a Defesa Civil. Finalmente conseguiram máscara e luvas, mas não adiantou muito. “Essa substância causa muita queimação na pele, os olhos ficam irritados… Quando retornei para Suape no fim da tarde, comecei a sentir muita náusea”. No dia seguinte buscou o hospital privado Samaritano, onde foi medicada. Desde então vem melhorando, mas não voltou a manusear o piche. Para ajudar, vem recolhendo doações de alimento e água para distribuir entre os voluntários.

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Nos últimos dias, as praias de Itapuama (município de Cabo de Santo Agostinho), Janga (Paulista) estavam abarrotadas de voluntários, homens do Exército e da Marinha e funcionários dos serviços de limpeza local. Todos os funcionários desses órgãos públicos contavam com algum tipo de proteção, e a maioria dos voluntários vestiam alguma luva, máscara e até botas – distribuídas pela Defesa Civil ou por ONGs locais por meio de  doações.

Contudo, este jornal presenciou muitas pessoas que, mesmo com algum tipo proteção, tiveram contato com o óleo na pele, em maior ou menor grau. Alguns chegaram a mergulhar na água para retirar o óleo do fundo e tiveram boa parte do corpo coberto pela substância. Ao sair, se queixavam de ardência na pele e nos olhos, além de náuseas. As prefeituras vêm disponibilizando uma ambulância do Samu para atender esses casos. Em Itapuama, por exemplo, um capitão do Exército ajudou um homem que passava mal a chegar no veículo.

Ao evaporar, o piche libera um cheio forte. “Por exemplo, há pacientes com asma que não deveriam estar na presença desse óleo, porque pode acumular substâncias nos alvéolos”, explicou ao EL PAÍS o médico Ordânio Pereira de Almeida, funcionário da Prefeitura de Cabo de Santo Agostinho que auxiliava os voluntários na última terça-feira em Itapuama. Por volta de 16h ele afirmou ter atendido mais de uma centena de pessoas. “As pessoas chegam com náuseas, com a pele ardendo, o que é a dermatite de contato... Varia de pessoa para pessoa. Em contato com a pele, com a visão ou com a respiração, esse piche libera substâncias que são tóxicas”, explicou.

Cifras modestas e discurso do Governo

As cifras oferecidas pelo Governo pernambucano são modestas até agora. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, ao menos 17 pessoas foram atendidas em um hospital de São José da Coroa Grande, no litoral sul, apresentando os sintomas relatados por Ednally e Sara. A pasta também informou que outros dois casos foram registrados em Ipojuca, município que abriga praias como Muro Alto, Maracaípe (ambas atingidas pelo óleo) e Porto de Galinhas.

Além disso, o Governo estadual orientou que a população e profissionais de saúde busquem o Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco (Ceatox) para saber que protocolos seguir em caso de intoxicação. “Profissionais estão aptos a tirarem dúvidas sobre exposição ao produto e aparecimento de sintomas, assim como outras orientações, como a procura pelo atendimento médico adequado em cada uma das situações”, explicou a Secretaria de Saúde. Nesta sexta, uma funcionária do centro afirmou ao EL PAÍS que vem recebendo “muitas ligações” de unidades de atendimento que buscam saber como devem proceder, mas não soube precisar um número.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tratou de minimizar a intoxicação dos voluntários, afirmando que o mal estar que sentiam se devia aos produtos tóxicos que supostamente usaram para limpar o piche que grudou na pele. “A gente tem visto as pessoas procurarem unidades de saúde, mas eles informam que retiraram aquele óleo que gruda com benzina, com gasolina, com querosene, colocaram substâncias ainda mais abrasivas, mais tóxicas do que a própria substância”, afirmou na quinta-feira.

A voluntária Sara afirma que, de fato, algumas pessoas estavam distribuindo “um solvente” para retirar o óleo grudado da pele. Ela preferiu óleo de cozinha e gelo, assim como Ednally – que limpava a pele sempre que se sujava um pouco. Nas praias que o EL PAÍS esteve, a ordem geral era para que voluntários também se limpassem com óleo de cozinha, detergente e pano, apesar das orientações da Secretaria Estadual de Saúde: “NUNCA usar solventes (como querosene, gasolina, álcool, acetona) para remoção (esses produtos podem ser absorvidos e causar lesões na pele); podem ser usados óleo de cozinha e outros produtos contendo glicerina ou lanolina”.

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