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OEA aceita rever apuração na Bolívia, mas exige que a conclusão seja acatada

Governo solicitou uma auditoria do processo eleitoral à organização, mas ainda não esclareceu se aceitará suas condições

Francesco Manetto
O candidato opositor, Carlos Mesa, nesta terça-feira, em uma marcha contra o Governo em La Paz.
O candidato opositor, Carlos Mesa, nesta terça-feira, em uma marcha contra o Governo em La Paz.Juan Karita (AP)

A Organização dos Estados Americanos (OEA) aceitou nesta terça-feira verificar a apuração da eleição presidencial na Bolívia, dadas as suspeitas geradas pelo sistema de transmissão rápida de resultados, que passou quase um dia inoperante. Em meio a uma crescente tensão, já próxima à eclosão social, o Governo optou por solicitar uma auditoria, embora ainda não tenha esclarecido se aceitará as condições do organismo, que exige que suas conclusões sejam vinculantes.

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A parada repentina na apuração gerou intensos protestos e acusações de fraude. Enquanto no domingo, horas depois do fechamento das urnas, a totalização indicava a realização de um segundo turno entre Evo Morales e o líder oposicionista Carlos Mesa, na segunda-feira os dados oficiais apontavam a uma vitória de Morales por margem suficientemente ampla para dispensar o segundo turno. A própria OEA lançou críticas ao processo, assim como a União Europeia e os Estados Unidos.

O chanceler boliviano, Diego Pary, escreveu no final da manhã ao secretário-geral da OEA, Luis Almagro, para pedir uma comprovação do cômputo das cédulas. Este lhe respondeu horas mais tarde aceitando o convite “para verificar a transparência e a legitimidade” do pleito, no qual Morales busca seu quarto mandato consecutivo. Essa instância realizará, através de sua missão de observação, uma análise “que compreenda, entre outros aspectos, a verificação de cômputos, aspectos estatísticos, verificação do processo e cadeia de custódia”. As conclusões do relatório serão, esclarece Almagro, “vinculantes para as partes”. Com quase 95% dos votos apurados, segundo a totalização oficial, o presidente boliviano está a poucos décimos de obter uma vitória sem precisar enfrentar Mesa no segundo turno.

A estratégia do Governo busca aliviar a pressão internacional, da qual Morales sempre se livrou, diferentemente de seus aliados na região. Também é uma forma de dissipar as dúvidas e, ao mesmo tempo, ganhar tempo depois de dias caóticos, em que a atuação do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) fazia soar todos os alarmes. Nesta terça-feira, apresentou sua demissão o vice-presidente desse órgão, Antonio José Iván Costas, justamente pela “desatinada decisão [...] de suspender a publicação dos resultados”.

Essa foi a razão que levou a missão da OEA – que encabeçou o controle da jornada eleitoral – a dirigir uma advertência às autoridades na noite de segunda. O chefe da delegação, o ex-chanceler costa-riquenho Manuel González Sanz, criticou a interrupção da apuração rápida e manifestou sua “profunda preocupação e surpresa com a mudança de tendência”. “Às 20h10 de ontem [domingo, hora local], o Tribunal Supremo Eleitoral deixou de divulgar resultados preliminares, por decisão do plenário, com mais de 80% das atas escrutinadas. Vinte e quatro horas depois, apresentou dados com uma mudança inexplicável de tendência que modifica drasticamente o destino da eleição e gera perda de confiança no processo eleitoral”, afirmou o representante do organismo.

González Sanz leu um comunicado que insiste à autoridade competente “para que defenda decididamente a vontade da população boliviana, com estrito apego à Constituição e suas leis complementares”. “Mantemos a esperança de que o resultado do cômputo definitivo se apegue à vontade dos eleitores manifestada nas urnas”, concluiu. A este pronunciamento se somaram as “sérias preocupações” de Bruxelas e uma aberta acusação de Washington, que atribuiu ao aparato governista uma tentativa de “subverter a democracia”.

Mesa, aspirante da plataforma Comunidade Cidadã, convocou seus seguidores à mobilização e falou de “fraude escandalosa”. Desde segunda-feira, as ruas das principais cidades bolivianas são cenário de protestos que em alguns casos derivaram em distúrbios e episódios de violência. Em La Paz, os militantes do partido governista Movimento ao Socialismo (MAS) também se manifestaram em apoio a Morales.

O mandatário se apresentou a estas eleições com uma data que pesa como uma espada de Dâmocles sobre seus anos de governo, que começaram em 2006. Uma década depois, em 21 de fevereiro de 2016, ele perdeu um referendo sobre reeleição indefinida, mas uma sentença do Tribunal Constitucional e uma decisão do mesmo Tribunal Supremo de Justiça que hoje se encontra na mira habilitaram sua candidatura. Nesta terça-feira, Morales se reuniu com um grupo de diplomatas para tentar acalmar os ânimos. “Reiteramos aos senhores o convite para que fiscalizem todo o processo de cômputo dos votos, ata por ata, com todas as garantias”, afirmou. Enquanto milhões de bolivianos esperam ansiosos o resultado oficial, a OEA assumiu finalmente essa responsabilidade.

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