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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

O que indicam as pesquisas na nova onda de eleições na América Latina

A esquerda até agora é favorita na Argentina, Bolívia e Uruguai para o primeiro turno de suas eleições presidenciais, todas marcadas para outubro

O candidato argentino Alberto Fernández, num ato com o ex-presidente uruguaio José Mujica.
O candidato argentino Alberto Fernández, num ato com o ex-presidente uruguaio José Mujica.ESTEBAN COLLAZO (AFP)
Jorge Galindo

A onda rosa. Assim batizamos a série de vitórias que a esquerda acumulou na América Latina da mudança de milênio. Por outro lado, as posteriores vitórias de Macri, Piñera e Bolsonaro sugeriram uma espécie de onda contrária azul, inclinada à direita. Mas as três importantes eleições previstas para as próximas semanas na região indicam que essa imagem de marés ideológicas homogêneas de longa duração está perdendo vigência. À luz dos dados das pesquisas publicadas até agora (que devem ser interpretados com cautela, dada sua pouca precisão no passado), a tendência eleitoral latina se move da direita do último ano para esquerdas de diferentes nuances. O possível eterno retorno do peronismo ao poder na Argentina ocorre ao mesmo tempo em que a Bolívia coloca em questão a liderança do único sobrevivente daquela ‘onda rosa’. O Uruguai, por sua vez, realizará o pleito mais aberto em muito tempo com uma Esquerda Aberta em condição, embora com dúvida, de renovar sua liderança.

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Neoperonismo?

Em 27 de outubro, Mauricio Macri disputa a reeleição contra o binômio neoperonista dos Fernández (Alberto-Cristina). Poucos se atrevem a dar uma clara previsão sobre os resultados com base nos números. E isso embora as pesquisas pareçam bastante claras até agora: em todas elas, os Fernández estão bem à frente de Macri.

A desconfiança com relação às pesquisas é compreensível, dado o contexto em que são publicadas. Este ano, vários institutos decidiram não divulgar seus dados, e aqueles que o fizeram foram submetidos a um escrutínio público inclemente. Alguns dirão que não é para menos, levando em conta os erros registrados nas eleições primárias (PASO) de agosto: em média, os institutos previram quatro pontos de vantagem para Fernández, que no final obteve 12.

Ao mesmo tempo, a imensa maioria acertou no fundamental: quem seria o ganhador. Sem dúvida, uma parte considerável dos ataques contra as pesquisas provém de frentes midiáticas partidárias (de todas as cores), frutos de um contexto de polarização inusitada para um país acostumado a ela.

Se seguimos a pista do ganhador, o que os dados nos dizem é que Fernández vencerá Macri. E por uma distância relativamente ampla. Mas, nesta disputa presidencial, a forma de vencer importa muito: o sistema argentino prevê a eleição do presidente se um candidato alcançar 45% dos votos ou superar os 40% com mais de 10 pontos de diferença. As pesquisas indicam as duas coisas até agora. E embora devamos, portanto, considerar esse cenário como o mais provável, a pouca precisão sobre o resultado das primárias poderia agora se reverter. Talvez as pesquisas não publicadas sejam as que mais se diferenciam da média atual, que, ao mesmo tempo, se parece mais com o resultado das primárias. Por quê? Por medo de ser o diferente, de falhar. Não seria a primeira vez que ocorre um fenômeno como esse, que tem até um nome no mundo das pesquisas de opinião: herding (“rebanho”, quando os pesquisadores se escutam entre si mais do que escutam o público). Essa possibilidade não quer dizer que os dados na Argentina não sirvam: ao contrário, faremos bem em assumir a vitória de Fernández como o cenário principal. Mas também será bom manter uma certa cautela disposta a receber surpresas.

O desafio de Evo

Evo Morales é o presidente que está há mais tempo no cargo em toda a América Latina. Duas alavancas lhe foram úteis: a consolidação de uma base de eleitores cuja renda per capita triplicou desde que ele chegou ao poder (crescendo mais que a de seus vizinhos Peru e Equador); e um esforço constante em desmontar os limites institucionais e civis ao poder presidencial. Evo chegou à presidência com os votos de baixo, mas também com manobras a partir de cima. E as duas coisas trouxeram desde o início a possibilidade de se voltarem contra o próprio líder.

As pesquisas sobre o primeiro turno das eleições presidenciais bolivianas (que ocorrem no mesmo domingo que as argentinas) antecipam uma vitória insuficiente de Morales: na frente do ex-presidente Carlos Mesa, seu principal adversário, mas com uma variação de dados entre os institutos muito maior que no caso argentino. E sobretudo com uma proporção de indecisos ou interessados em outros candidatos que supera um terço do eleitorado.

Só obtém vitória automática no primeiro turno na Bolívia quem alcança 50% dos votos, mas 40% com 10 pontos de diferença em relação ao segundo colocado também levam ao triunfo. Por isso, os desempenhos de cada um são particularmente importantes. Mas as pesquisas na Bolívia enfrentam um cenário competitivo pouco comum na história recente do país, e o número de pesquisas é tão pequeno e variado entre si que a média não proporciona tanta clareza quanto na Argentina e no Uruguai. De modo que a incerteza continuará pairando sobre a Bolívia, e em particular sobre a cabeça de seu atual presidente.

Herdeiro de Mujica

Quando Tabaré Vázquez abandonar a presidência uruguaia, a esquerda terá completado 15 anos no poder (três mandatos, dois de Vázquez com um de Pepe Mujica intercalado). Daniel Martínez almeja continuar até somar a segunda década. Mas, embora lidere as pesquisas, nenhuma delas prevê uma vitória no primeiro turno (50%). A maioria aponta para um segundo enfrentamento em novembro contra a centro-direita, encarnada provavelmente por Lacalle Pou.

As pesquisas no Uruguai têm um respeitado passado recente: no primeiro turno de 2014, a imensa maioria não só acertou sobre os nomes que passariam à próxima etapa, mas também sobre a porcentagem de votos aproximada de cada um. Se prestamos atenção no que dizem agora, porém, elas mostram um resultado nitidamente mais fragmentado que o das últimas eleições. Portanto, ainda que nos ofereçam um guia muito mais confiável, trata-se de uma bússola que até o momento aponta para uma competição acirrada.

Nesta nova etapa da eterna corrida presidencial latino-americana, as pesquisas indicam que a esquerda terá certa vantagem neste mês de outubro. Ou melhor, as esquerdas, dadas as consideráveis diferenças ideológicas dentro de uma família que na verdade não o é. E, mesmo que isso seja confirmado em cada visita às urnas, não será um retorno definitivo: a probabilidade de que pelo menos dois desses três países convoquem de novo seus cidadãos para o segundo turno em novembro é, no mínimo, alta. Rosa, vermelho e azul continuarão se misturando na maré eleitoral no que resta de 2019.

Nota metodológica. Cada média se baseia na compilação sistemática de pesquisas provenientes de fontes confiáveis, realizadas desde julho (para a Argentina, incluem-se apenas as posteriores às primárias de 11 de agosto). Dessas pesquisas, obtém-se uma média ponderada que contempla dois fatores: frequência de aparição do instituto de pesquisa e data do estudo.

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