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Estreia de ‘Coringa’ traz lembranças sobre tiroteio em cinema e preocupa americanos

Parentes de vítimas baleadas em 2012, durante a projeção de ‘Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge’, acreditam que novo fime incita a violência. O ator protagonista Joaquin Phoenix diz: “O filme é um chamado à reflexão social”

Pablo Ximénez de Sandoval

Enquanto os Estados Unidos se preparam para a chegada aos cinemas neste fim de semana de "Coringa", um dos filmes do ano, a combinação do universo do Batman com certa poetização da violência fez com que alguns se lembrassem do pior terror imaginável dentro em uma sala de cinema. Não na tela, na sala. O filme de Todd Phillips, Leão de Ouro no Festival de Veneza, estreia em meio a uma polêmica que começou nas redes sociais, mas que na última semana se tornou uma inquietude real com consequências reais.

Primeiro, os antecedentes. Em 20 de julho de 2012, um homem de 23 anos foi ao cinema em um shopping center em Aurora, um subúrbio de Denver (Colorado). Usava roupa de camuflagem. O filme era Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge e era o dia da estreia. Quando as luzes se apagaram, o assassino jogou uma bomba de gás lacrimogêneo e começou a atirar na sala escura. Matou 12 pessoas e feriu dezenas.

O assassino, além disso, tinha os cabelos tingidos de vermelho e cara de alucinado. O rumor de que cometeu o massacre porque estava convencido de que era o Coringa faz parte da cultura conspiratória da Internet. O promotor do caso nega que assim fosse. Um psicólogo que o tratou também nega. E, no entanto, não há maneira de fazer desaparecer a teoria de que o perturbado que cometeu o massacre de Aurora era obcecado por esse personagem. Todos esses antecedentes formam o contexto da estreia do filme de Phillips.

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Em 24 de setembro, um grupo de parentes das vítimas desse crime enviou uma carta à Warner Bros. manifestando sua preocupação com a temática de Coringa. No filme, Joaquin Phoenix faz uma interpretação do arqui-inimigo do Batman muito elogiada pela crítica. A história foi entendida por alguns como uma visão embelezada da violência. Faz apenas sete anos que a combinação de Batman, violência estilizada e estreia no cinema se vinculou para sempre ao terror e ao luto.

“Pedimos-lhe que seja parte do crescente grupo de líderes empresariais que entendem que têm a responsabilidade de manter a segurança de todos”, diz a carta, citada pelo The Hollywood Reporter. É dirigida a Ann Sarnoff, presidenta da Warner Bros. “Não preciso ver uma foto [do assassino]. Basta ver uma promoção do Coringa e já vejo a imagem do assassino”, disse Sandy Phillips a essa publicação. Sua filha Jessica Ghawi, de 24 anos, morreu naquele tiroteio. Sandy Phillips fundou um grupo de sobreviventes de tiroteios. A carta é assinada por cinco famílias de vítimas daquele dia. “Minha preocupação é que tenha uma pessoa lá fora, e quem sabe se é só uma, que está no limite, que quer ser um assassino múltiplo e que se vê incentivada por esse filme. Isso me aterroriza”, diz Sandy Phillips.

Coringa já tinha provocado comentários sobre a forma como narra a descida aos infernos do personagem e, para alguns, se regozija com a violência. Mas a inquietude dessas famílias elevou esses comentários a preocupação, a polêmica e a inquietude real em alguns cinemas. A rede de salas Landmark alertou em seu site que não permitirá a entrada nos cinemas de pessoas com máscaras, fantasias ou maquiagem do Coringa. Nos Estados Unidos é bastante comum que nas grandes estreias espectadores compareçam aos cinemas disfarçados de personagens da cultura popular.

A Warner Bros espera que Coringa seja um dos grandes lançamentos do ano. A empresa lançará o filme em 4.300 salas nos Estados Unidos e as estimativas indicam uma bilheteria superior a 80 milhões de dólares (cerca de 326 milhões de reais) no primeiro final de semana, talvez até perto da desejada cifra de 100 milhões, de acordo com a Variety. O site Deadline eleva essas previsões para 155 milhões de dólares.

A polêmica persegue as estrelas do filme durante a promoção. “No final, é um filme sobre um personagem de ficção em um mundo de ficção e esperamos que as pessoas o encarem como é”, diz Joaquin Phoenix em uma entrevista à revista Vanity Fair deste mês. “Você não pode colocar a culpa nos filmes por um mundo tão transtornado que qualquer coisa pode ser um gatilho. O filme é um pouco sobre isso. Não é um chamado à ação. No máximo é um chamado à sociedade para refletir sobre si mesma.”

Na quarta-feira, depois da exibição de Coringa no Festival de Cinema de Nova York, o diretor Todd Phillips se declarou surpreso com “o nível de discussão que [esse assunto] alcançou no mundo”. “Não é bom fazer que a violência tenha implicações reais?”, disse Phillips, citado pela Variety. “Não é algo bom tirar da violência esse elemento dos desenhos animados ao qual nos tornamos tão imunes? Fiquei um pouco surpreso com a direção que tomou (a polêmica)”, disse, e a acusação de irresponsável. “Parece-me de fato muito responsável fazer que (a violência) seja sentida como real e com esse peso.”

Nas pré-estreias em Nova York e Los Angeles (a polícia de ambas as cidades estará de prontidão neste fim de semana), o estúdio vetou à imprensa escrita e da televisão o acesso aos tapetes vermelhos para que ninguém pudesse fazer perguntas à equipe. Apenas fotógrafos. Um porta-voz do estúdio perguntado sobre isso pela Variety disse: “Falou-se muito sobre Coringa e parece-nos que é hora de as pessoas assistirem ao filme”.

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