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A agricultura familiar brasileira encontra o blockchain

Com boa infraestrutura de internet e ferramentas acessíveis, produtores rurais de todo o mundo podem reduzir custos e tomar melhores decisões

Rafael Borges, agricultor familiar de Agua Fria, Brasil.
Rafael Borges, agricultor familiar de Agua Fria, Brasil.Felipe Santos (Banco Mundial)
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Até semanas atrás, os agricultores familiares da Cooperativa de Jovens de Água Fria, na Bahia, desconheciam softwares de código aberto, alteráveis por qualquer pessoa. Tampouco tinham ouvido falar de blockchain, uma espécie de livro contábil público, que guarda — de forma permanente e à prova de violação — os registros das transações online. Mas, desde que descobriram o potencial dessas tecnologias para alavancar seus negócios, tornaram-se fãs.

Eles estão entre os primeiros usuários de um aplicativo criado para facilitar a aquisição de bens, serviços e obras pelas associações e cooperativas de agricultura familiar da Bahia e do Rio Grande do Norte. A Solução Online de Licitação (SOL) ajuda os produtores rurais a terem acesso a fornecedores do Brasil inteiro, além de armazenar todos os processos e dados necessários para a transação.

Por meio do app — disponível para Android e Apple Store —, as assinaturas de contratos se tornam digitais, poupando tempo e papel para compradores e fornecedores. O código aberto e a tecnologia blockchain oferecem segurança e capacidade de auditoria a todos os negócios realizados.

“Para nós, essas tecnologias são algo nunca visto. Estávamos até receosos de não conseguir trabalhar com o sistema, mas ele é muito fácil e já queremos usá-lo para tudo”, conta Rafael Borges, presidente da Cooperativa de Jovens de Água Fria. Por meio do sistema, a organização comprou notebook, impressora e GPS, e está de olho em equipamentos para a criação de galinhas caipiras.

Década da Agricultura Familiar

Essa mudança na maneira de fazer negócios se tornou possível com uma parceria entre o Banco Mundial e os governos da Bahia e do Rio Grande do Norte e faz parte de uma necessária transformação no campo. “Conectar produtores rurais como Rafael e seus colegas às tecnologias da informação será fundamental para aumentar a produtividade no campo e ajudar a alimentar a população global, que chegará a 9,7 bilhões em 2050”, diz a especialista em desenvolvimento rural Fatima Amazonas, do Banco Mundial, gerente dos projetos Bahia Produtiva e RN Sustentável, beneficiados pela nova ferramenta.

Os agricultores familiares produzem 80% dos alimentos em todo o mundo e gerenciam três quartos dos recursos naturais do planeta, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).

Com celulares, internet, aplicativos e outras ferramentas, eles conseguem ter mais acesso a dados e tomar melhores decisões, como enfatiza o relatório Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na Agricultura, publicado em 2017 pela instituição. “A disseminação de telefones celulares nas áreas rurais já causou importantes mudanças no setor agrícola. Reduzir esses custos nos países em desenvolvimento ajuda a promover o acesso aos mercados, facilitar a inclusão financeira e a gestão de riscos, contribui significativamente para o alerta precoce e pode ser fundamental para revolucionar a extensão rural”, informa o documento.

A FAO, a propósito, definiu o período entre 2019 e 2028 como a Década da Agricultura Familiar, cujo plano de ação destaca, entre outras necessidades, a de promover acesso às tecnologias da informação para mais produtores e organizações rurais. E isso requer investimentos em uma série de fatores.

Fácil compreensão

Em Água Fria, onde Rafael Borges mora, os produtores rurais já usavam normalmente a Internet fixa e a móvel. Mas nem sempre essa é a realidade dos agricultores familiares pelo mundo. Dados publicados pela Associação GSM (GSMA) em 2018 mostram que, entre 2014 e 2017, a cobertura 3G aumentou de 75% para 87% globalmente, alcançando 1,1 bilhão de pessoas que ainda não estavam conectadas. No entanto, apenas cerca de um terço da população em países de baixa renda é coberta por redes 3G.

A GSMA descreve outros fatores que podem ajudar ou atrapalhar a adoção tecnológica pelos homens e mulheres do campo. O primeiro deles é o custo dos aparelhos, dos planos de dados e dos impostos que incidem sobre esses itens. O segundo, a disposição dos consumidores: muitas vezes eles evitam usar os serviços por desconhecimento ou medo. Finalmente, a questão dos conteúdos, que nem sempre estão disponíveis nas línguas locais ou são de fácil compreensão para quem tem baixa escolaridade.

Tudo isso foi levado em conta na criação da Solução Online de Licitação. "A nossa preocupação maior foi montar um aplicativo que fosse intuitivo e de uso fácil, tanto para as associações de agricultores quanto para os fornecedores", conta Luciano Wuerzius, especialista sênior em licitações do Banco Mundial. “Os procedimentos de licitação eram feitos da mesma forma há muitos anos, e a tecnologia existe para melhorá-los”, acrescenta.

Todos os beneficiários dos projetos Bahia Produtiva e RN Sustentável serão treinados até o fim do ano para aprenderem a usar o aplicativo. As notícias sobre os bons resultados animam produtores rurais como Joara Silva, diretora-presidente da Cooperativa Mista dos Cafeicultores de Barra do Choça e Região (Cooperbac). “Esperamos ter uma participação maior na economia. Essa tecnologia é muito importante para agilizar o andamento dos processos e, consequentemente, os resultados chegarão mais rápido”, comenta.

No momento atual, em que todas as profissões sentem os impactos das novas tecnologias, a revolução da agricultura familiar está apenas começando.

Mariana Kaipper Ceratti é produtora online do Banco Mundial

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