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Morre Ben Ali, o presidente tunisiano derrubado no início da Primavera Árabe

Ex-mandatário tinha 83 anos e estava exilado na Arábia Saudita desde a rebelião popular de que foi alvo em 2011

Zine el Abidine Ben Ali, então presidente da Tunísia, acena de um carro em Rades, perto da capital do país, em 2009.
Zine el Abidine Ben Ali, então presidente da Tunísia, acena de um carro em Rades, perto da capital do país, em 2009.Hassene Dridi (AP)

O ex-ditador tunisiano Zine el Abidine Ben Ali morreu na quinta-feira em seu exílio na Arábia Saudita, conforme anunciou seu advogado, Munir Ben Salha. A informação foi confirmada pelo o Ministério de Relações Exteriores do país e pelo genro de Ben Ali, Slim Chibub. Há uma semana, sua família informou que havia sido internado em estado grave, embora não se saiba que doença o acometia. A morte de Ben Ali, aos 83 anos, ocorre em pleno processo para a escolha do próximo presidente do país magrebino, apenas quatro dias depois do primeiro turno das eleições presidenciais. Ben Ali governou a Tunísia com mão de ferro durante mais de duas décadas, e a revolta popular que forçou sua queda, em 2011, foi o estopim das revoltas que ficaram conhecidas coletivamente como Primavera Árabe.

Nascido em 1936 na localidade de Susa, no seio de uma família humilde, Ben Ali, militar de carreira, foi adido militar em diversas embaixadas antes de ser nomeado ministro do Interior, em 1986. Sua ascensão às mais altas esferas do poder foi fulgurante. Meio ano depois, acrescentou a esse cargo o de primeiro-ministro, a partir do qual lançou um “golpe de Estado médico” em 7 de novembro de 1987 contra o veterano presidente Habib Burguiba, pai da independência. Depois de obter de vários médicos um atestado declarando que Burguiba estava “incapaz” de exercer suas responsabilidades devido a uma enfermidade degenerativa, e de acordo com o estipulado na Constituição, Ben Ali se transformou no segundo presidente da história da Tunísia, que foi colônia francesa até 1956.

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Durante seus primeiros anos no poder, Ben Ali prometeu uma abertura do sistema político, legalizou os partidos políticos da oposição e inclusive chegou a organizar eleições em 1991. Entretanto, pouco depois desse pleito —que foi manipulado, mas mesmo assim mostrou a força do movimento islamista Ennahda— ele pôs fim ao experimento democrático e promoveu uma duríssima repressão a qualquer tipo de dissidência. Após a revolução, as autoridades puseram em marcha um processo de Justiça transicional que, graças à criação de uma comissão da verdade, revelou um sistema que se baseava numa violação sistemática dos direitos humanos.

Do ponto de vista econômico, seus 23 anos no poder foram caracterizados por uma voraz corrupção, que transformou sua família em uma das principais fortunas do país. Entretanto, o regime se gabava de ter modernizado a economia do país, e tanto o FMI como as potências ocidentais, temerosas da ascensão do islamismo, consideravam-no seu pupilo avantajado no norte da África. O crescimento econômico, que se baseava sobretudo na expansão do turismo, distribuiu-se de forma muito desigual. Nas regiões pobres do centro do país, a falta de infraestrutura e oportunidades condenava a juventude ao desemprego ou à migração. E foi justamente numa dessas áreas onde a faísca revolucionária se inflamou, depois da autoimolação de Mohamed Buazizi, um jovem vendedor ambulante de frutas e verduras, revoltado com o confisco de seu carrinho pelas autoridades.

Depois da fuga de Ben Ali, a justiça tunisiana o condenou à revelia a 35 anos de prisão por crimes de corrupção e tortura, e a outros 20 anos por incitação ao homicídio e peculato. No julgamento que se ocupava da acusação mais grave, sua cumplicidade com a morte de pelo menos 338 pessoas pelas mãos das forças de segurança durante a revolução, foi condenado a prisão perpétua. Depois que seu delicado estado de saúde foi noticiado, houve na Tunísia um debate sobre a conveniência de permitir seu enterro no país. Porém, segundo pessoas próximas, Ben Ali expressou seu desejo de ser sepultado na Arábia Saudita.

A notícia de sua morte ocorre quatro dias depois do primeiro turno das eleições presidenciais, que certificaram o ocaso de seu projeto político. Abir Musi, a única candidata que defende abertamente seu legado e que ocupou diversos cargos em seu partido, o dissolvido RCD, obteve apenas 4% dos votos. A severa crise social que o país atravessou nos últimos anos, com desemprego e inflação em alta, suscitou certa nostalgia pela ditadura entre um setor da população, e especulava-se sobre uma possível ressurreição do benalismo. Se por acaso ainda havia alguma dúvida, agora sim já não há recuo possível na transição democrática na Tunísia.

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