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Vargas Llosa: “O Brexit é um produto da incultura”

Vencedor do Nobel de literatura defende que "livros geram cidadãos com um espírito crítico, e a democracia não pode sobreviver sem um espírito crítico”

Mario Vargas Llosa, na última terça-feira na ilha da Palma.
Mario Vargas Llosa, na última terça-feira na ilha da Palma.VASCO SZINETAR
Juan Cruz

As duas intervenções públicas de Mario Vargas Llosa no Festival Hispano-Americano de Escritores de Los Llanos de Aridane (Espanha) foram cartas de batalha em favor da leitura. Diante das crianças que se concentraram no município das Canárias para ouvir a narração de seu conto Fonchito e a Lua (que a colombiana Paula Acuña encenou) e dos adultos aos quais, apresentado por Juan Jesús Armas Marcelo, pediu que lessem para não serem enganados. Ele continuou falando sobre isso, horas mais tarde, ao EL PAÍS. Referia-se à importância que o entretenimento alcançou sobre a literatura. “Não se pode negar-lhe qualidade. O entretenimento é divertido e fácil de digerir, mas não acho que, como a literatura, forme cidadãos ideais para uma sociedade democrática. Os livros deixam uma marca muitíssimo maior; geram cidadãos com um espírito crítico, e a democracia não pode sobreviver sem um espírito crítico.”

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"Infelizmente", diz o vencedor do Nobel de literatura, "esse espírito está se perdendo muito na Europa: o Brexit, os movimentos nacionalistas e independentistas na Espanha, são fundamentalmente o produto da incultura, o que permitiu que essas deformações ideológicas adquirissem grande protagonismo. Esse espírito crítico se perde e isso tem a ver com uma literatura de puro entretenimento, que não tem mais a capacidade de manter vivo o descontentamento com a realidade.”

Acredita que o Brexit parece "uma série trágica". “Nada na história indicava que a Inglaterra pudesse derivar nesse chauvinismo grotesco. E a Itália foi salva por milagre, esperemos que não seja momentâneo. Os rebrotes de nacionalismo frenético já estão nos países mais instruídos, como a Suécia e a Suíça.”

O autor insta “os escritores a que se mobilizem. Estão moralmente obrigados, pelo que a literatura representou, a estar cientes do drama que estamos vivendo e a dar novamente à literatura essa presença crítica que sempre teve nos melhores tempos”.

Ele se mobilizou e, há 60 anos, publicou Conversa na Catedral. Não tinha consciência de estar escrevendo um livro político. “Queria deixar um testemunho literário da ditadura de Odría. Foi muito mal recebido. Para muitas pessoas pareceu longo, difícil. Agora tem mais leitores do que quando saiu. Eu me alegro. É o livro que me deu mais trabalho. Deixou um testemunho que, infelizmente, fala de feridas semelhantes sofridas em cada um dos países da América, com muito pouquíssimas exceções, dos estragos que uma ditadura causa.

O Nobel também se pronunciou sobre o melhor da literatura contemporânea. Pôs em primeiro plano a escrita de não-ficção da jornalista argentina e colunista do EL PAÍS Leila Guerriero. "Jornalismo do bom, negação das falsidades, um esforço extraordinário para dizer a verdade que significa literatura ao mesmo tempo.”

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